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'Defender o patrimônio histórico é garantir nosso direito à memória e contribuir para o futuro'

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Por Luciano Guimarães
Atualização:
Luciano Guimarães. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Dia 17 de agosto o Brasil celebra mais uma passagem do Dia Nacional do Patrimônio Histórico, comemorado desde 1998, quando o historiador e jornalista Rodrigo Mello Franco de Andrade completaria 100 anos. "Dr.  Rodrigo", como era respeitosamente tratado, comandou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de 1937, ano de sua fundação, até 1967. Servidor aplicado, ele encarou a defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro como uma missão.

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Para o dr. Rodrigo, "aquilo que se denomina Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (....) é o documento de identidade da nação brasileira. A substância desse patrimônio é que comprova, melhor do que qualquer outra coisa, nosso direito de propriedade sobre o território que habitamos".

Crítico da insensibilidade de muitos gestores que produziram "empreendimentos desastrados" no entorno de bens tombados, dr. Rodrigo defendia que "a noção de monumento compreende não só a construção arquitetônica em si mesma, mas também a moldura em que ela é inserida. O monumento é inseparável do meio em que se encontra situado (...)".

A tutela do patrimônio cultural brasileiro em todo território nacional passou por diversas evoluções. Teve início em 1937 com a edição do Decreto-Lei Nº 25/37 que instituiu o marco legal do tombamento e o órgão federal com a incumbência da proteção dos bens materiais, e ampliou com o tempo, englobando o patrimônio cultural imaterial (Decreto-Lei Nº 3551/00) e as paisagens culturais (Portaria Nº 127/09). Desde o final da década de 1960 e a partir da entrada em cena da Constituição Federal de 1988, respectivamente, os Estados, o Distrito Federal e os municípios brasileiros passaram também a se ocupar da preservação do patrimônio cultural, trabalhando concorrentemente com a União.

O Dia Nacional do Patrimônio Histórico nos enseja a lembrança e reafirmação dos conceitos defendidos pelo dr. Rodrigo e a homenagear os organismos públicos que se responsabilizam pela matéria em todos os níveis administrativos.

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Cabe dar especial atenção ao Iphan, cercado atualmente de sérios riscos. Como já manifestado pelo CAU/BR, devemos ao incansável trabalho do Iphan e de seus servidores as assertivas políticas públicas de proteção e preservação do patrimônio cultural existentes em todo o território nacional, que resultaram na conscientização de expressiva parcela dos cidadãos e demais instâncias federativas. Além disso, o Iphan é uma das mais respeitadas instituições nacionais de patrimônio cultural no mundo, que há décadas construiu uma sólida relação com a Unesco e outras entidades afins, tais como, o Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (Icomos) e o Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauro de Bens Culturais (Iccrom).

Conforme dados do Iphan, estão sob sua tutela mais de 45 mil bens imóveis tombados, inseridos em 86 conjuntos urbanos tombados, mais 13 jardins e parques históricos, um sítio paleontológico, 33 conjuntos rurais, um quilombo, 30 ruínas, entre outros bens e sítios, além de rico patrimônio de ferrovias e embarcações. Também estão sob a proteção do Iphan 38 bens culturais imateriais.

Graças a esse trabalho, o País obteve o reconhecimento pela Unesco, como Patrimônio Mundial, de 25 bens, sendo cinco imateriais e 20 culturais e naturais.

No entanto, como acontecia nos tempos do dr. Rodrigo, infelizmente ainda existem políticos insensíveis à preservação da memória de nosso povo. Como recém-manifestado pelo Plenário do CAU/BR praticamente todo o trabalho do Iphan está em risco caso prospere o Projeto de Lei nº 2.396/2020, em tramitação da Câmara dos Deputados, que propõe alterações no Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, marco legal que trata da organização do patrimônio histórico e artístico nacional e instituiu o tombamento de bens culturais em âmbito nacional.

A alteração do procedimento do instituto jurídico do tombamento proposta pelo autor do Projeto de Lei atenta contra a memória cultural por mutilar regras de preservação corretas e adotadas mundialmente. Além disso, como já enfatizamos anteriormente, a defesa dos elementos de identidade nacional não é apenas de uma questão cultural, mas também uma questão social, uma vez que a preservação do patrimônio, quando bem planejada, impacta positivamente o desenvolvimento do País, ao gerar empregos e proporcionar sustentabilidade de cidades, sítios e manifestações culturais de estima dos cidadãos.

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O inoportuno projeto precisa ser arquivado e, nesse sentido, o CAU/BR apela publicamente para o apoio da Frente Parlamentar em Defesa do Patrimônio Histórico Nacional, de caráter suprapartidário, que desde sua criação em 2019 vem atuando com muita assertividade em defesa do Iphan.

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Na passagem do Dia Nacional do Patrimônio Histórico reafirmamos outrossim a extrema preocupação com os recentes episódios de troca de superintendências e outros cargos de chefia do Iphan por pessoas sem "perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo ou a função para o qual tenha sido indicado", como estabelece o Decreto 9.727/2019. Mesmo denunciadas à sua época, algumas nomeações persistiram, menosprezando-se o argumento de que a única forma de garantir a efetividade das políticas públicas de preservação é ter quadros técnicos qualificados e experientes em sua condução.

Em relação aos Estados, DF e municípios, é preciso pugnar por políticas públicas que garantam verbas federais para que estes entes federativos igualmente possam cumprir com a missão da defesa do Patrimônio Cultural regional ou local.

Esta manifestação é feita em defesa da sociedade, nossa missão principal. As Resoluções do Conselho e nosso Código de Ética e Disciplina nos impõem que cabe ao arquiteto e urbanista reconhecer, respeitar e defender as realizações arquitetônicas e urbanísticas e a paisagem natural como parte do patrimônio socioambiental e cultural, estando apto, inclusive, a contribuir para o aprimoramento e preservação deste patrimônio. Importante ressaltar que atuamos de forma interdisciplinar com outros profissionais que igualmente têm presença fundamental nesse campo, como historiadores, museólogos, sociólogos, arqueólogos e paleontólogos, para citar apenas alguns.

Nessa luta, estamos alinhados também com o Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro, lançado em 2019, que este ano empreende programa de divulgação tendo como objetivo a conscientização da sociedade e dos gestores públicos de que "defender o patrimônio histórico é garantir nosso direito à memória e contribuir para o futuro". Fazem parte do Fórum 21 entidades sob a liderança do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), este prestes a completar um século de existência.

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*Luciano Guimarães, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR)

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