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O Poder Judiciário como corregedor da República

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Por Kayo César Araújo da Silva
Atualização:

Kayo César Araújo da Silva. Foto: ARQUIVO PESSOAL

Março de 2016. A então presidente Dilma Rousseff (PT) nomeara o ex-presidente Lula ao cargo de ministro de Estado Chefe da Casa Civil. Uma hora depois, o juiz federal Itagiba Catta Preta Neto, responsável pela 4ª Vara do Distrito Federal, acolhia o argumento da Ação Popular e, liminarmente, sustara o ato de nomeação. O fundamento? A posse e o exercício do cargo ensejariam intervenção "indevida e odiosa (...) na atividade policial, do Ministério Público e mesmo no exercício do Poder Judiciário"[1] pelo nomeado.

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Um dia após, quem endossava o argumento lançado pelo PSDB e pelo PPS[2], em sede de Mandado de Segurança, era o Ministro do STF, Gilmar Ferreira Mendes que, ao avaliar a nomeação, indicara haver patente ilegalidade, uma vez que a sua ocorrência daria, ao ex-presidente, foro por prerrogativa de função e, possível, imunidade processual.

Fevereiro de 2017. Ultrapassada a linha do impeachment de Dilma, o, agora, presidente da República Michel Temer (PMDB) se reunia com o presidente do Partido Trabalhista Brasileiro, Roberto Jefferson, e acordava o novo nome que chefiaria o Ministério do Trabalho: a Deputada Federal Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha do dirigente. Em sua biografia, três processos trabalhistas, uma condenação: nascia, aí, o motivo que inviabilizaria a sua nomeação.

Por meio de ação popular, o juiz federal Leonardo Couceiro, titular da 4ª Vara Federal Criminal de Niterói, acolhia o argumento dos autores. Agora, suscitando respeito a moralidade administrativa, registrava, aludida condenação trabalhista, ausência de expertise nas competências da pasta.

Abril de 2020: Agora, tendo a nação sob a responsabilidade de Jair Messias Bolsonaro (sem partido), o presidente da República, estranhamente, decide nomear Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, para chefiar a Polícia Federal. De plano, diversos partidos questionam o ato administrativo. Em Mandado de Segurança, O Ministro do STF, Alexandre de Moraes, acolhendo pedido feito pelo PDT, entendeu haver desvio de finalidade no ato presidencial, violando, assim, "(...) os princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público"[3].

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Estes três exemplos evidenciam o grave risco ao Estado Democrático de Direito quando vê o magistrado caminhar o risco de sua caneta para sustar um determinado ato político. Bandeira de Mello, falando sobre a natureza deste ato, reafirma a singularidade de sua natureza. Para ele, todo ato político ostenta margem elevada de discricionariedade e se vinculam diretamente às disposições constitucionais[4]. O ato político seria então a atividade de governo que deve ser praticada no exercício de sua competência constitucional. Está no art. 84, XXV, a competência privativa de prover cargos públicos federais, dentre as quais, o Diretor-Geral da Polícia Federal (Lei Federal 9.266/1996, art. 2º-C).

A Constituição Federal de 1988, quando traça às balizas necessárias a legitimidade do ato, não estipula condicionantes a sua realização. No momento em que se autoriza, para sustação de ato (que é) eminentemente político, fundamentando em argumento que não é jurídico, nasce, de dentro do Poder Judiciário, decisão com a pecha do ativismo judicial, violador dos pré-compromissos democráticos que, na linguagem de Georges Abboud, quer dizer Constituição Federal e leis infraconstitucionais[5].

Não se pode, sob qualquer perspectiva, exigir racionalidade jurídica quando os critérios usados na construção da decisão dos magistrados fogem da esfera do Direito: daquilo que foi votado, aprovado e publicado em Diário Oficial da União, sob pena de escancarar perigosíssimo precedente autorizador da aplicação da legislação em qualquer medida.

No Estado Democrático de Direito, péssimas nomeações podem acontecer (e acontecem). É na imperfeição democrática que o texto constitucional autoriza nomeações ruins. Para cada nomeação desse tipo, outras tantas viram. É perigoso, sobretudo, por que não se pode transformar o Supremo Tribunal Federal em órgão de consulta prévia de nomeação, muito menos, por meio de Mandado de Segurança, suscitando suposto direito líquido e certo.

A solução é democraticamente ruim e expõe, mais uma vez, o remédio para péssimos governos: as Eleições Gerais. É o ônus que o presidencialismo brasileiro deve carregar!

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*Kayo César Araújo da Silva é mestre em Direito Constitucional pelo IDP/DF, professor de Direito Constitucional e Eleitoral da Escola Superior da Amazônia - ESAMAZ e pesquisador membro do "Observatório do Financiamento Eleitoral" e do "Processo Civil à luz da Constituição Federal de 1988". É advogado sócio do César & Guimarães Advogados Associados

[1] É possível consultar a decisão aqui.

[2] MS nº 34.070/DF e 34.071/DF.

[3] A integra da decisão pode ser acessada aqui.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiro, 2010, p. 384.

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[5] ABBOUD, Georges. Processo Constitucional Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 743.

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