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20 anos de Durban: repúdio ao antissemitismo velado

Por Claudio L. Lottenberg
Atualização:
Claudio L. Lottenberg. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Está programada para esta quarta-feira uma reunião especial, convocada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que marcará o aniversário de 20 anos da 3.ª Conferência de Combate ao Racismo -- mais conhecida como a Conferência de Durban, em referência à cidade sul-africana que a sediou. O evento original reuniu 16 mil participantes de 173 países, que acordaram uma série de medidas relevantes de reparação às nações depredadas pela escravidão e pelo colonialismo, bem como ações objetivas para prevenir a ascensão da xenofobia e da intolerância racial, étnica ou religiosa no futuro.

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No entanto, Durban também foi marcada por um viés antissemita pouco disfarçado. Algumas das resoluções propostas caracterizavam Israel como um Estado genocida, afirmavam que o sionismo constituía um tipo de racismo e sugeriam intervenções que iam do boicote à luta armada. Nenhum desses itens entrou no documento final aprovado pela conferência, mas, nos anos seguintes, eles encontraram lugar no BDS, movimento internacional que pede boicote (da parte de pessoas físicas), desinvestimento (da parte de empresas) e sanções (da parte de Estados) como forma de combater Israel.

O BDS ficou conhecido e angariou seguidores ao adotar uma retórica inflamada para defender posições factualmente incorretas ou imprecisas. Equiparar o sionismo ao racismo, por exemplo, é um erro conceitual óbvio: o sionismo surgiu como um movimento pluri-ideológico, com lideranças que iam da esquerda socialista à direita, que buscava emancipar os judeus europeus de séculos de segregação, opressão e exílio a partir da construção de um Estado comum. Compará-lo ao racismo é desvirtuar o sentido deste último, que é um problema grave no mundo inteiro e que deve ser enfrentado de forma sistemática. Da mesma forma, o BDS não vê distinção entre os diferentes matizes ideológicos na sociedade israelense nem na comunidade judaica mundial; em vez de se opor a um governo específico, o movimento se opõe a Israel como um todo, e não esconde que seu objetivo é ver o país desfazer-se.

Alongo-me ao abordar o BDS porque ele foi o principal legado concreto da Conferência de Durban -- e porque está na raiz da reunião da ONU marcada para esta quarta-feira, que pretende comemorá-la. Neste ano, 31 países optaram por boicotar o evento, incluindo Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália e França, em repúdio às manifestações antissemitas -- veladas ou não -- que se tornaram cada vez mais comuns nas últimas conferências do tipo.

A adesão de tantas nações a esse gesto claro de dissenso mostra em que medida o debate sobre os direitos humanos foi contaminado pelo antissemitismo latente do BDS e das organizações aliadas a ele nos últimos anos. Penso que esse antissemitismo não deve ser ignorado, e que compromete fundamentalmente a credibilidade do movimento e das pautas que ele defende. Em vez de incentivar o diálogo e a construção de soluções coletivas, pensadas de forma democrática, o BDS tenta radicalizar o discurso comum, apostando numa tática de intimidação e silenciamento. Ele busca criar uma equivalência entre a decência moral e a aceitação acrítica do seu programa. De acordo com essa visão, ser progressista -- ou apenas favorável aos direitos humanos -- significa, necessariamente, estar alinhado integralmente ao BDS.

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Trata-se de uma simplificação sedutora para uma questão excepcionalmente complexa, e que tem parecido funcionar. Em vez de estudar a fundo os conceitos de história, geopolítica, economia e até psicanálise que moldaram as relações entre israelenses e palestinos no último século, e, a partir disso, formular uma opinião própria -- o que é sempre trabalhoso e arriscado --, o BDS oferece a opção de endossar um programa pronto, que estipula uma divisão tão nítida quanto maniqueísta entre heróis e vilões. Exemplo dessa estratégia é a tentativa de colar em Israel o rótulo de apartheid. Com isso, o BDS procura reproduzir a iniciativa de isolamento internacional da África do Sul dos tempos de segregação racial. Ora, é um absurdo comparar Israel ao regime segregacionista sul-africano. Sobretudo neste momento em que o governo de Israel dá mais uma prova cabal da consistência de sua democracia, ao manter em sua composição um partido árabe.

É lamentável que seja necessário postergar um debate tão importante como o do racismo para que tenhamos a oportunidade de nos opor a uma organização que se recusa a incluir Israel como parte de uma possível solução diplomática e que trabalhou ativamente, ao longo dos seus 16 anos de existência oficial, para tornar o antissemitismo palatável. Seria uma atitude relevante, do ponto de vista geopolítico, se o Brasil demonstrasse seu repúdio a essa lógica na quarta-feira, em consonância com os 31 países que acreditam que a intolerância contra os judeus não deve passar batida.

*Claudio L. Lottenberg oftalmologista, presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil), do Conselho Deliberativo da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde (ICOS)

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