Circula nas redes sociais uma postagem falsa dizendo que a XP Investimentos teria declarado apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais e depois sofrido uma "fuga de investidores" -- em tentativa de emplacar uma tese insustentável de boicote de grupos conservadores contra a empresa. O boato se aproveita da queda das ações da XP na bolsa de valores para espalhar uma mentira: não é verdade que o banco tenha apoiado qualquer candidato na corrida ao Planalto.
O que ocorreu é que o fundador e presidente do conselho de administração da XP Investimentos, Guilherme Benchimol, teve um encontro recente com o ex-presidente Lula, em 20 de abril. A reunião foi noticiada pelo blog do Lauro Jardim, do jornal O Globo e confirmada pelo Estadão. O executivo disse que pretende se reunir com todos os presidenciáveis de forma isonômica.
Naquele momento, Benchimol e representantes da XP já haviam conversado com outros políticos citados como possíveis candidatos a presidente este ano, a exemplo do ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB), do ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite (PSDB) e do ex-juiz Sergio Moro (UNIÃO). Dias depois, em 3 de maio, o fundador da XP também conversou pessoalmente com o presidente Jair Bolsonaro (PL), em encontro articulado pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD).
"A agenda é sempre a mesma coisa: como conseguimos ter uma economia estável, juros baixos, inflação controlada e fazer com que os nossos 20 milhões de empreendedores, que empregam mais de 50 milhões de brasileiros, aumentem em quantidade e possam ser cada vez melhores, gerando assim mais renda e prosperidade para o nosso país", escreveu Benchimol em post no Instagram, rebatendo críticas de seguidores.
Procurada pelo Estadão Verifica, a assessoria de comunicação da XP negou que tenha ocorrido "qualquer manifestação política ou declaração de apoio a candidatos". Também negou ter havido queda na base de clientes. "Misturar encontros de relacionamento com notícias falsas tem o intuito criminoso de confundir a opinião pública", acrescenta a nota. Segundo a Lei nº. 7.492/1986, é crime divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituição financeira, sob pena de dois a seis anos de reclusão e multa.
O Estadão confirmou a existência de eventos anteriores da XP com Moro, Doria e Leite. O ex-governador de São Paulo teve almoço com Guilherme Benchimol em 8 de dezembro, segundo a sua que, a convite da XP, conversou com investidores em 28 de janeiro deste ano.
Queda nas ações é atribuída a cenário econômico e resultados da XP
Além de desinformar sobre agendas institucionais da XP com políticos, o boato investe em uma tese de que o encontro com o ex-presidente Lula teria ocasionado uma "fuga de investidores" da empresa. A alegação sequer é explicada na postagem -- que não cita nenhuma fonte confiável de informação ao longo de todo o texto -- mas tende a se referir a uma queda recente no preço das ações da XP na bolsa de valores.
O papel é negociado tanto nos Estados Unidos (XP, na Nasdaq), quanto no Brasil (XPBR31, na B3) -- neste caso, na forma de BDR, sigla para Brazilian Depositary Receipt, um certificado de depósito emitido e negociado no Brasil que representa ações de empresas listadas em outros países.
Os dados da Nasdaq mostram que houve uma tendência de baixa nas cotações desde o final de março, passando de US$ 33,50 (29/3) para US$ 18,09 (11/5). No Brasil, entre as mesmas datas, o BDR desvalorizou de R$ 158,88 a R$ 93,18. A queda no preço das ações neste ano, portanto, já estava ocorrendo cerca de três semanas antes do encontro do fundador da XP com o ex-presidente Lula.
Analistas do mercado financeiro atribuem a queda a fatores externos, como a deterioração do cenário econômico e a elevação das taxas de juros nos Estados Unidos e no Brasil, além dos números apresentados pela companhia no 1º trimestre deste ano. A XP é considerada uma empresa de crescimento, ou seja, muito do valor atribuído a ela no presente depende das expectativas de expansão futuras, explica reportagem do Estadão.
O boletim mais recente da companhia (1°t/22) mostra que a base de clientes ativos aumentou 3% em relação ao final do ano passado, assim como o total de ativos sob custódia, na ordem de 7%. Como os dados se referem aos três primeiros meses do ano, não há como saber ainda como se deu o desempenho da XP em abril e maio.
Boatos sobre boicotes aparecem com frequência
Essa não é a primeira vez que boatos sobre boicotes circulam nas redes sociais. A mesma tática foi usada por grupos conservadores para criticar uma campanha de Dia dos Pais da Natura com o ator Thammy Miranda e para espalhar que a Fiat teria sofrido prejuízo após repudiar declarações homofóbicas do jogador de vôlei Maurício Souza.
Recentemente, a empresária Luiza Trajano e a rede de lojas Magazine Luiza também foram alvo de uma falsidade envolvendo o ex-presidente Lula. Um post falso alegava que a empresa teria perdido R$ 30 bilhões "após declarar apoio a Lula". Assim como nesta checagem sobre a XP, o Magazine Luiza não apoiou publicamente o nome de qualquer político nas eleições. A rede também havia sofrido revés nas ações negociadas na bolsa, mas por conta do cenário econômico.
A XP também é alvo de bolsonaristas na internet por custear pesquisas eleitorais do Ipespe -- ainda que a posição dos candidatos indicada nesses levantamentos seja a mesma dos principais institutos. Desconfie de mensagens alarmistas contendo expressões como "quem lacra, não lucra" e verifique se existem fontes confiáveis de informação relatando aquele mesmo fato antes de compartilhar.
O boato sobre o suposto apoio da XP ao petista também foi desmentido pela Lupa.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.