Votação unânime para Lula em aldeia do Mato Grosso não indica fraude; cacique e TSE confirmaram votos

Segundo o TRE-MT, é comum que haja convergência de votos em áreas indígenas e quilombolas; cacique Elber Ware'i, da Aldeia Tapi'itãwa, em Confresa, disse que o povo se reuniu para discutir quem seria o melhor candidato

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Por Clarissa Pacheco
Atualização:

É enganoso vídeo que circula no WhatsApp sugerindo uma fraude pelo fato de todos os eleitores que compareceram a uma seção no município de Confresa, no Mato Grosso, terem votado no candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O boletim de urna que aparece na imagem é verdadeiro, mas não comprova uma fraude. A seção eleitoral 158 fica na Aldeia Tapi'itãwa, dentro do Território Indígena Urubu Branco, e o cacique local, Elber Ware'i, confirmou ao Estadão Verifica que a comunidade foi unânime, nos dois turnos, em votar para o petista.

Leitores pediram a checagem deste conteúdo pelo nosso número de WhatsApp, (11) 97683-7490.

 Foto: Estadão

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No vídeo que viralizou, um homem afirma que decidiu conferir no sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se era verdade a informação de que o candidato Jair Bolsonaro (PL) não tinha obtido nenhum voto na seção 158, em Confresa (MT). Ao constatar que, dos 383 eleitores que compareceram à seção, todos votaram no candidato petista, o autor do vídeo diz que a situação é "um escárnio" e sugere que houve fraude, já que a região tem maioria do eleitorado bolsonarista e fica no "coração do agro".

O cacique Elber Ware'i comentou o vídeo: "Os bolsonaristas acham que isso é uma fraude, mas não é. O povo Apyãwa-Tapirapé foi unânime na votação tanto no 1° e 2° turnos da eleição para o presidente eleito. Sabemos que a população do estado de Mato Grosso e do município de Confresa são bolsonaristas", disse. A aldeia divulgou ainda uma nota de repúdio após uma influenciadora local publicar um vídeo ironizando a votação na aldeia.

De fato, a maioria do eleitorado de Confresa votou em Jair Bolsonaro: foram 11.129 votos, o que corresponde a 69,83% do total no município. Quase todo o estado de Mato Grosso, aliás, preferiu o atual presidente - 65,08% dos votos. Apenas os municípios de Santa Terezinha, Água Boa, Tesouro, Ponte Branca, Araguainha, Planalto da Serra, Nova Brasilândia, Rosário Oeste, Alto Paraguai, Nortelândia, Nova Olímpia, Acorizal, Jangada, Porto Estrela, Nossa Senhora do Livramento, Pocone, Santo Antônio do Leverger e Barão de Melgaço deram mais votos a Lula do que a Bolsonaro.

O mesmo não se pode dizer das aldeias indígenas que abrigam seções eleitorais no Estado. O Verifica cruzou os dados dos boletins de urna com os endereços das seções eleitorais que funcionaram em aldeias indígenas do Mato Grosso e constatou que, de 45 seções instaladas nestes territórios, apenas cinco deram mais votos a Bolsonaro. As outras quarenta ofereceram ampla vantagem a Lula, dentre as quais quatro não deram um voto sequer ao atual presidente - além da Aldeia Tapi'itãwa, em Confresa, a Aldeia Metuktire, em Peixoto de Azevedo, a Aldeia Indígena Aldeiona - Ânhiudu, em Campinápolis, e a Aldeia It'xalá, em Santa Terezinha, deram todos os votos a Lula no 2º turno.

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Não há fraude

Em nota, o TSE confirmou que todos os votos na seção 158 foram para o candidato Lula e que isso não significa fraude. No primeiro turno das eleições deste ano, a concentração de votos em apenas um os candidatos em uma mesma seção eleitoral ocorreu em 14 estados brasileiros.

"Acerca da publicação, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MT) esclarece que a seção eleitoral 158 de Confresa fica em uma comunidade indígena e todos os eleitores e eleitoras que ali votam são indígenas. É comum neste tipo de localidade, bem como em áreas quilombolas, que haja convergência nos votos", diz a nota.

"A disseminação de vídeos e posts que distorcem os fatos tem o intuito ilegal de manipular a opinião pública contra a lisura do processo eleitoral, promovendo o descrédito quanto à segurança das urnas eletrônicas e semeando a convicção de que o resultado foi fraudado", completa.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Nota de repúdio

Além do vídeo que é objeto desta checagem, outro conteúdo viralizou, principalmente na região de Confresa, onde fica a aldeia, depois que uma moradora da cidade gravou um vídeo para explicar que não foi todo o município de Confresa que votou no candidato do PT. Ao final do vídeo, a mulher afirma: "Foram os índios, gente, não foi aqui de Confresa, graças a Deus!". Ela ri enquanto afirma que a votação expressiva para o petista partiu de "índios".

A aldeia divulgou uma nota de repúdio nesta quarta-feira, 2, afirmando que a autora do material incitou o ódio, além de ter usado um termo incorreto para se referir à comunidade. O termo apropriado é "indígena", que significa "natural do lugar que habita", e não índio, considerado pejorativo porque desconsidera toda a pluralidade de etnias que existiam antes do "descobrimento". O termo "índio" foi usado porque, na época, se acreditava que Cristóvão Colombo havia chegado às Índias.

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Em nota divulgada na região, o povo Apyãwa-Tapirapé corrigiu o uso do termo usado pela autora do vídeo e reafirmou que a comunidade foi unânime em votar no candidato do PT:

"Sim, votamos no candidato Luiz Inácio Lula da Silva, somos um povo organizado e nos reunimos para discutir qual seria o melhor candidato a nos representar durante esses quatro anos. Não vamos especificar aqui os nossos motivos, pois basta dar um Google nas falas do atual presidente, principalmente quando ele cita os povos originários. Assim como você teve o direito de escolher em quem votar sem ser questionado os motivos, nós indígenas também temos", diz a nota.

Nota de repúdio divulgada pelo povo APYÃWA-TAPIRAPÉ. Imagem: Divulgação Foto: Estadão

A autora do vídeo, Aracelli Vasconcelos, que se identifica como influenciadora e empresária, usou as redes sociais para responder à nota de repúdio. Mais uma vez, ela usou tom irônico e disse que não aprendeu na escola que "índio se ofende quando é chamado de índio". Mais adiante, ela afirmou que iria republicar o vídeo que tinha sido apagado para que as pessoas que não tinham visto o conteúdo e não estavam entendendo a situação pudessem compreender.

"Eu comecei a receber um monte de mensagens de indígenas ofendidos e ta, beleza, até porque eu não faço nada aqui pra ofender ninguém, mas como a maioria das pessoas não viram e eles fizeram uma nota de repudio lá... Em nenhum momento eu ofendi ninguém, eu não incitei o ódio", disse.

 

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