Atualizado em 18/03/2021 para acréscimo de informações prestadas pelo sindicato.
Um vídeo de um homem pedindo a trabalhadores da construção civil para gritarem "Fora, Bolsonaro" e "Vacinas para todos já" está circulando fora de contexto nas redes. Uma corrente falsa no WhatsApp alega que "donos de grandes empreiteiras" supostamente ligados à esquerda e ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), estariam ameaçando demitir funcionários caso não participassem de uma campanha para "desestabilizar" o governo. O episódio, na verdade, mostra a ação de um sindicato em uma obra na cidade de Eusébio (CE) -- a empresa responsável pelo empreendimento nega qualquer tipo de participação.
O Estadão Verifica descobriu a origem do vídeo ao pesquisar as frases no Google junto aos termos "sindicato" e "construção civil". Um dos primeiros resultados remete a uma página do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil da Região Metropolitana de Fortaleza. A associação postou, em 10 de março, uma sequência de fotos no mesmo local mostrado no vídeo. Uma série de elementos semelhantes permite concluir que o espaço é o mesmo da gravação original (veja abaixo).
Tanto o vídeo quanto uma das fotos postadas pelo sindicato mostram trabalhadores vestindo uniformes azuis com a palavra "Madri" nas costas (nome da empresa que executa a obra) e capacetes amarelos. Ao fundo, onde algumas pessoas aparecem lado a lado, está uma parede verde com telhado de amianto. Além disso, a mesma casa bege pode ser vista nos cantos superiores de ambas as imagens. O autor da foto é provavelmente a mesma pessoa que aparece em pé, de vermelho, na captura de tela do vídeo.
Uma segunda comparação permite identificar outras semelhanças: o homem que discursa e veste camiseta vermelha e calça jeans azul, a cadeira branca de plástico, as marcas na areia do terreno, o extintor de incêndio próximo a uma placa de aviso na direita e a sequência de retângulos "furados" no topo da parede verde.
De acordo com a página da entidade, os sindicalistas estiveram na obra no dia 10 de março, para falar sobre campanha salarial, vacinas e eleições de chapa. O coordenador geral do sindicato, Nestor Bezerra, confirmou ao Estadão Verifica nesta quinta-feira, 18, que é a pessoa que aparece discursando no vídeo. Segundo ele, a categoria pede prioridade na vacinação desde o ano passado. O setor da construção civil foi classificado como atividade essencial ainda em maio de 2020, por meio de decreto do governo federal, e os trabalhadores cearenses estão insatisfeitos com a exposição ao vírus sem proteção.
"Essa ação não tem a ver com patrão nenhum, nem com Doria, nem com Camilo Santana (governador do Ceará), nem com governo do Estado. Essa é uma campanha dos operários da construção civil pela vacinação", afirma o sindicalista. "Não tem nenhum operário ameaçado, não tem nenhum operário sendo obrigado, nem tem empresa compactuando com isso. A participação é de livre e espontânea vontade."
Bezerra diz que houve afastamentos e até mortes de trabalhadores na região por causa da covid-19. "O governo federal tinha que ter a obrigação de garantir vacina para todo mundo, em especial para os essenciais", declara. O representante da categoria participa de eleições desde 2008 e já foi filiado ao PSTU e ao PSOL, de acordo com perfil divulgado na página da Assembleia Legislativa do Ceará. Em 2018, como suplente, assumiu o mandato de um colega deputado por quatro meses. Ele concorreu ao cargo de vereador de Fortaleza em 2020, mas não foi eleito.
A reportagem também pediu esclarecimentos para a empresa Madri Incorporação, responsável pela obra mostrada no vídeo. De acordo com o engenheiro Jean Amaral, o empreendimento é um edifício residencial de 95 apartamentos que está sendo erguido na cidade de Eusébio (CE), na região metropolitana de Fortaleza. Amaral estava presente no momento da visita e confirma que a mobilização foi organizada exclusivamente pelo sindicato, sem qualquer envolvimento da empresa. Nenhum funcionário foi obrigado a participar da ação ou recebeu ameaças de perder o emprego, como sugere o boato nas redes.
"Foi aquilo que está no vídeo mesmo (um pedido do dirigente sindical para que as pessoas erguessem a mão esquerda e gritassem "Fora, Bolsonaro" e "Vacinas para todos já"). Ameaça não teve, até porque eles não têm o poder de demitir ninguém. Eles juntam o pessoal, conversam com eles. Depois, fizeram essa movimentação para gravar para as redes sociais e foram embora. O povo voltou a trabalhar normal", relatou o engenheiro. Outro funcionário da área comercial disse ao Estadão que a empresa de construção civil não tem "ligação política com a esquerda, nem com a direita, muito menos com o sindicato".
Dados públicos consultados em plataforma da Receita Federal indicam que a "Madri Incorporação e Construções SPE Ltda" não é uma "grande empreiteira" no mercado brasileiro. Ela foi aberta há menos de dois anos, em 29 de janeiro de 2020, e conta com dois sócios proprietários e capital social declarado de R$ 100 mil. A sede fica na própria cidade onde executa a obra em questão, cujo investimento é privado.
A reportagem não encontrou nenhuma informação sobre a suposta "campanha" contra Bolsonaro em canteiros de obras pelo Brasil, que envolveria empreiteiras, partidos de esquerda e o governador João Doria. Procurada pela reportagem, a assessoria do governo do Estado de São Paulo disse que a alegação era "mais uma fake news". "Ao invés de publicar mentiras, o gabinete do ódio poderia se preocupar em orientar a população sobre os cuidados necessários para estancar a pandemia: isolamento social, uso de máscara e vacinação em massa", respondeu em nota.
A postagem analisada apresenta uma série de sinais de alerta comuns a conteúdos falsos e enganosos nas redes:
- A mensagem adota um tom alarmista. O texto é aberto com os termos "denúncia gravíssima" e pede uma divulgação em massa e "com urgência" para evitar uma suposta catástrofe.
- Contém erros de português e letras maiúsculas. A ideia é chamar a atenção, destacar termos que despertam emoções fortes e reforçar o sentido alarmista da mensagem.
- É uma teoria da conspiração. O boato tenta aumentar a credibilidade e despertar ódio no público ao envolver pessoas poderosas tramando planos terríveis (donos de empreiteiras, a "esquerda" e o governador de São Paulo, João Doria).
- As informações são vagas. O boato não aponta onde, quando, como ou por quem o vídeo foi gravado, nem indica a fonte original. As imagens também não são capazes de sustentar a denúncia.
- O conteúdo usa táticas de viralização. Pedir para que as pessoas repassem rapidamente a mensagem para que chegue nas autoridades é um artifício comum para conseguir compartilhamentos por impulso. Reflita sempre antes de passar uma informação adiante.
Esta checagem foi uma sugestão encaminhada pelos leitores do Estadão Verifica pelo WhatsApp (11) 97683-7490. A peça também circula no Facebook, com menos força.