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Verificamos: ao espalhar teoria conspiratória sobre domínio comunista, Weintraub não plagiou Hitler textualmente

UNE divulgou nas redes sociais que ministro da Educação teria copiado trecho de 'Mein Kampf', livro escrito pelo líder nazista

Por Alessandra Monnerat e
Atualização:

Após o ex-secretário especial de Cultura Roberto Alvim plagiar em vídeo um discurso nazista, passou a circular nas redes sociais uma acusação semelhante contra o ministro da Educação, Abraham Weintraub. Posts no Facebook e no Twitter alegam que Weintraub copiou uma frase de Adolf Hitler ao declarar que "os comunistas são o topo do País". Essa afirmação é enganosa.

A alegação que circula nas redes é de que Weintraub teria substituído "judeus" por "comunistas" na seguinte frase atribuída a Hitler: "Os judeus são o topo do país. Eles são o topo das organizações financeiras; eles são os donos dos jornais; eles são os donos das grandes empresas; eles são os donos dos monopólios".

Imagem que circula nas redes sociais acusa Abraham Weintraub de ter copiado frase de Hitler. Foto: Reprodução/Facebook

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Apesar da citação resumir a crença antissemita de Hitler, não há registros de que o líder nazista tenha dito essa frase exata. O Estadão Verifica consultou o Centro de Documentação da História do Nacional-Socialismo em Munique, na Alemanha, que informou que a declaração não está incluída no livro Mein Kampf nem na edição dos discursos e escritos de Hitler antes de 1933.

"Também não acho que a citação tenha sido dita por Hitler", escreveu por e-mail Angela Hermann, pesquisadora associada do museu. "Mas teoricamente isso seria possível. Porque ele acreditava antes de 1933 que os judeus controlavam a imprensa, grandes corporações, política etc."

O Estadão Verifica também buscou cópias em português e inglês do livro escrito por Hitler e não encontrou referência a essa frase exata.

Como começou a circular o boato de que Weintraub teria copiado uma frase de Hitler

Em abril do ano passado, quando Weintraub foi indicado ao Ministério da Educação, viralizou nas redes sociais um vídeo em que ele faz a seguinte declaração: "Os comunistas são o topo do país. Eles são o topo das organizações financeiras; eles são os donos dos jornais; eles são os donos das grandes empresas; eles são os donos dos monopólios".

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As declarações de Weintraub não têm base na realidade, obviamente. Comunistas não dominam nenhum setor econômico no Brasil. Ao apontar esse falso domínio como algo que é preciso denunciar e combater, Weintraub alimenta uma teoria conspiratória de fundo político, mas não racial.

Na época em que o vídeo repercutiu pela primeira vez, alguns usuários do Twitter apontaram semelhança do discurso com o do nazismo, que também denunciava o "domínio" do país por alvos a serem combatidos -- no caso, os judeus. Um dos pilares do regime de Hitler era o antissemitismo, baseado em racismo e na falsa teoria sobre a existência de uma conspiração judaica internacional.

Comentarista da ESPN, Gerd Wenzel retuitou a fala de Weintraub dizendo "Plágio dos anos 30 na Alemanha: é só trocar 'comunistas' por 'judeus'".

Recentemente, o vídeo de Weintraub voltou a circular com a acusação de que sua declaração era uma cópia literal de uma fala de Adolf Hitler. A União Nacional dos Estudantes (UNE) publicou que a frase estava em um trecho de Mein Kampf (Minha Luta), livro escrito por Hitler em 1924 que divulgou os principais componentes do nazismo -- entre eles o antissemitismo.

Ex-candidato à Presidência pelo PT, Fernando Haddad também divulgou no Twitter que Weintraub havia plagiado um trecho de Mein Kampf. No entanto, ele apagou o tuíte após ser alertado por seguidores que o site Boatos.Org havia desmentido essa acusação.

Embora esse trecho não apareça de forma literal no livro, o líder nazista menciona diversas vezes que a imprensa era "semítica" e que a maioria dos editores de jornais eram judeus -- ele também afirma que os jornais da época eram marxistas, sujos e doutrinadores. Hitler aponta ainda uma falsa dominação judaica em diversos setores da sociedade.

Essa crença de uma "conspiração global" judaica começou a ser divulgada em uma publicação antissemita chamada Os Protocolos dos Sábios de Sião, no final do século XIX. Trata-se de um texto com o propósito de disseminar ódio contra os judeus por meio de mentiras, como explica o Museu do Holocausto nos Estados Unidos.

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"O texto dos Protocolos é um trabalho repleto de invenções, sem quaisquer bases na realidade, escrito com a intenção de culpar os judeus por diversos males sociais", informa o Museu. "Aqueles que o distribuem alegam que o livro documenta uma conspiração judaica para dominar o mundo, embora tal conspiração e seus supostos líderes, os chamados Sábios de Sião, nunca tenham existido".

O Estadão Verifica consultou a UNE sobre a origem da frase divulgada em suas redes sociais. A organização afirmou que a fonte era uma matéria do site Brasil 247. O artigo em questão não afirma que a declaração de Weintraub estava em Mein Kampf -- apenas repercute a opinião do comentarista da ESPN Gerd Wenzel.

Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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