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Vacina que será testada em São Paulo teve ensaios clínicos anteriores na China

Publicação enganosa faz relação imprecisa com número de habitantes do país asiático e omite histórico de projeto

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Por Samuel Lima
Atualização:

Circula nas redes sociais uma mensagem enganosa sobre os testes clínicos no Brasil de uma vacina contra a covid-19 produzida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech. Na semana passada, o governo do estado de São Paulo anunciou que a terceira etapa de testes será feita com 9 mil voluntários no País, com a assinatura de parceria entre a empresa farmacêutica e o Instituto Butantan

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No Facebook, uma publicação obteve mais de 143 mil compartilhamentos e 4,7 milhões de visualizações ao afirmar que "a China tem 1 bilhão de habitantes e vai testar a vacina em São Paulo?" ao lado de um emoji (figurinha) representando dúvida e desconfiança. Porém, o conteúdo omite que a Sinovac realizou experimentos, durante as fases 1 e 2 do projeto, com voluntários chineses, e também faz uma comparação inadequada usando apenas um dado demográfico.

Post no Facebook engana ao omitir informação de que etapas de testes 1 e 2 ocorreram na China e ao fazer comparação inadequada entre número de habitantes. Foto: Reprodução / Arte Estadão

De acordo com a International Clinical Trials Registry Platform, mantida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a Sinovac iniciou testes clínicos, em 16 de abril, para estudo com 744 voluntários recrutados na China, com idades entre 18 e 59 anos. O estudo é randomizado, com grupo controle e testes duplo-cego -- aqueles em que nem médico, nem paciente sabem se a dose contém produto ou placebo.

Em comunicado recente, o laboratório chinês afirmou que resultados preliminares indicam que a vacina não causou efeitos colaterais graves e mais de 90% das pessoas produziram anticorpos, segundo reportagem da Bloomberg. Os dados ainda precisam passar por avaliação de outros pesquisadores antes de serem publicados em revistas científicas. A empresa também anunciou outra pesquisa, com 422 participantes acima de 60 anos, mas a localidade e o período de testagem não estão claros.

Qual o motivo para se testar vacinas contra a covid-19 no Brasil?

A justificativa para a realização de testes fora da China passa pelos números atuais da pandemia de covid-19. Enquanto o Brasil é o segundo país do mundo com maior número de casos confirmados da doença, com mais de 928 mil infectados e 45 mil mortes até segunda-feira, 16, a China conteve a disseminação em cerca de 83 mil infectados e apresentava apenas 210 casos ativos na mesma data. Somente em junho, o Brasil registrou 411 mil novos casos.

Como a avaliação de uma vacina requer testes em milhares de pessoas ainda com exposição potencial ao vírus, os laboratórios chineses na corrida pela vacina passaram a buscar parcerias em outros países. Esse também é o caso do projeto em desenvolvimento pela Universidade de Oxford e a empresa AstraZeneca, do Reino Unido, por exemplo.

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Em junho, foram anunciados testes em 2 mil pessoas no Brasil, sob coordenação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O País será o primeiro a participar do procedimento fora do Reino Unido. Em entrevista ao Estadão, o presidente da AstraZeneca no Brasil, Fraser Hall, explicou que a decisão leva em conta a grande população do País e a franca aceleração de casos de pessoas com covid-19. "Para fazer a testagem é preciso estar em um lugar que o vírus está atuando com força. É por isso que o Brasil está tendo grande parte nisso, assim como o Reino Unido e os Estados Unidos", disse.

Segundo publicação da OMS de 9 de junho, 136 vacinas contra o novo coronavírus estão em desenvolvimento no mundo, mas apenas 11 já avançaram os estudos pré-clínicos e começaram testes de segurança e eficácia em humanos. Além dos projetos da Sinovac Biotech e de Oxford/AstraZeneca, existem candidatas das empresas Moderna, CanSino, Novavax, Inovio, Sinopharm, BioNTech e Pfizer, além do Imperial College London, no Reino Unido, e do Institute of Medical Biology, na China.

O número de habitantes na China também não está correto na mensagem enganosa. Dados do Banco Mundial, agência independente da Organização das Nações Unidas (ONU), mostram que o país asiático tinha população de 1,393 bilhão em 2018, dado mais recente. A mesma fonte aponta 209 milhões de habitantes no Brasil no mesmo período. Essa comparação, no entanto, não é adequada para avaliar qual o melhor território para a realização de testes com vacinas, pois estas demandam ambientes com potencial de incidência para demonstrar eficácia de fato.

Desconfiança é apoiada em boatos sobre vírus criado em laboratório

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Nas redes, o acordo entre o Instituto Butantan e a Sinovac Biotech para a terceira etapa de testes da vacina também fez surgir uma série de ataques apoiados em teorias de que o Sars-Cov-2, causador da covid-19, teria sido criado em um laboratório de Wuhan, na China. O Estadão Verifica e o Projeto Comprova já desmentiram vários conteúdos do gênero

Após o anúncio do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) compartilharam postagens falando em "vacina chinesa" e "vírus chinês", termos que sugerem artificialidade do vírus e conspiração na pandemia. Alguns deles foram o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, e o blogueiro bolsonarista Bernardo Küster, um dos alvos do inquérito das fake news contra o Supremo Tribunal Federal (STF).

Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

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Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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