PUBLICIDADE

Vídeo não mostra irregularidades em carga e lacração de urnas em Itapeva (SP)

Processo exibido em vídeo é realizado na sede de um sindicato desde 2014 por falta de espaço no cartório local

Por Projeto Comprova
Atualização:

Esta checagem foi produzida por jornalistas da coalizão do Comprova. Leia mais sobre nossa parceria aqui.

PUBLICIDADE

Conteúdo investigadoVídeo de quase 29 minutos em que uma mulher grava o trabalho de servidores e terceirizados de um cartório eleitoral na cidade de Itapeva, no interior de São Paulo. No título da gravação, afirma-se que as urnas estão sendo "preparadas" em um sindicato. As aspas sugerem que esse preparo poderia ser ilegal. Versões mais curtas do vídeo circulam também dando a entender que a gravação comprovaria algum tipo de fraude.

Onde foi publicado: YouTube.

Conclusão do Comprova: Um vídeo de 28 minutos e 46 segundos gravado em um sindicato de Itapeva, no interior de São Paulo, traz alegações enganosas sobre as urnas eletrônicas. No vídeo, uma mulher questiona servidores e terceirizados da Justiça Eleitoral sobre o processo de lacração e carga das urnas eletrônicas no Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção, do Mobiliário, Cimento, Cal, Gesso e Montagem Industrial (Sinticom), levantando suspeitas sobre o trabalho realizado e a segurança das urnas.

Ela também se manifesta contra o fato de o voto não ser impresso. Em tom de advertência, ela diz que "se der Lula (na votação para presidente da República), vai ter pau", pois, segundo afirma, o atual presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, tem maioria de votos na região. Sua derrota, portanto, mostraria que, de acordo com ela, que a equipe que aparece no vídeo estaria orquestrando uma uma fraude nas eleições.

O trabalho mostrado no vídeo era de carga e lacração das urnas e não há registro de irregularidades. O único cartório eleitoral do município, o da 53ª zona eleitoral, não tem espaço físico suficiente para a execução da atividade e, por isso, foi requisitada por ofício a área do Sinticom, que fica ao lado. Essa prática é adotada desde 2014, segundo nota do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP).

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Publicidade

 Foto: Reprodução

Alcance da publicação: Até o dia 28 de setembro, a postagem verificada tinha 40.287 visualizações, 1.323 comentários e 3,1 mil curtidas no YouTube. O mesmo perfil publicou uma versão shorts do vídeo, que alcançou 8,7 mil curtidas e mais de mil comentários.

Um vídeo anterior, publicado no dia 25 de setembro, foi excluído do YouTube. Entretanto, capturas de tela salvas mostram que chegou a ter 28.234 visualizações e 2,4 mil curtidas.

O que diz o autor da publicação: O proprietário do canal no YouTube que registrou mais visualizações informou, em mensagem pelo Facebook, que havia recebido o link de outro perfil - aquele que foi excluído da plataforma - e apenas compartilhou por considerar "estranho" o local em que as urnas estavam sendo preparadas. Por mais de uma vez em sua resposta, frisou que o canal não faz campanha para qualquer candidato. A atividade do grupo, segundo ele, é de fiscalização do poder público no município de Itanhaém, no litoral de São Paulo. Por fim, ressaltou que, assim que tomou conhecimento, acrescentou a nota do TRE sobre o episódio na descrição do vídeo.

Como verificamos: Primeiramente, assistimos ao vídeo para conhecer as acusações feitas por quem gravou o trabalho dos servidores e terceirizados da Justiça Eleitoral. A partir das alegações apresentadas, a equipe fez pesquisa no Google por palavras-chaves "manifestação" + "Bolsonaro" + "Itapeva" + "2022", porque, na gravação, a mulher fala sobre uma grande carreata de apoio ao presidente da República.

PUBLICIDADE

A consulta retornou conteúdo sobre um boletim de ocorrência registrado pelos servidores do cartório contra a mulher. Assim, com o documento, foi possível identificá-la e também o responsável pelo cartório. A busca ainda retornou uma nota de esclarecimento do TRE-SP sobre o episódio.

Boletim de ocorrência

Com as informações, a equipe consultou no Google Maps a distância entre o sindicato e a sede da 53ª Zona Eleitoral. Também buscou saber se o homem que aparece no vídeo realmente era servidor da Justiça Eleitoral, pelo portal da Transparência. No site do TSE, foram procurados os editais publicados para conferir se o procedimento de carga e lacração das urnas tinha sido divulgado.

Publicidade

Por fim, o Comprova entrou em contato com a página do YouTube que publicou o vídeo e com a mulher que fez a gravação.

A gravação

Em alta
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

O vídeo de quase 29 minutos mostra funcionários da 53ª Zona Eleitoral trabalhando na carga e lacração das urnas eletrônicas que serão usadas nas eleições deste ano. Esse procedimento ocorreu na sede do Sinticom, um sindicato de Itapeva, no interior de São Paulo, em 24 de setembro. Enquanto os servidores trabalhavam, um grupo de apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) entrou no local. A mulher que está gravando o vídeo, identificada como Camila Vasconcelos, os intimida.

Na gravação, aparece uma pessoa, identificada como Eduardo Kumasawa, assistente do cartório, que explica o processo de carga e lacração das urnas e como não é possível ter fraude nas eleições. Camila, então, começa a questionar quem são as pessoas que estão trabalhando ali e o porquê do processo ocorrer no sindicato.

Kumasawa explica que as urnas estão sendo manuseadas por funcionários da Justiça Eleitoral e terceirizados contratados pelo TRE, de acordo com a legislação eleitoral. Esclarece ainda que eles estão no sindicato por falta de espaço no cartório. A mulher, então, rebate que, caso o ex-presidente Lula (PT) vença as eleições na cidade, terá sido fraude: "Se der Lula aqui em Itapeva, será roubo, porque nós fizemos uma carreata ontem e deu muita gente. E a carreata do Lula não deu ninguém. Então, se der, isso aí vai dar problema, e todo mundo que está aqui vai responder por isso". Camila ainda utilizou tom de ameaça com os colabores que estavam no local: "Se der Lula, vai ter pau, pode ter certeza", afirmou.

A autora do vídeo ainda demanda a lista de todas as pessoas que estão trabalhando no dia e pede para ver o procedimento. As exigências são atendidas. Kumasawa ainda abriu caixas lacradas para que a mulher conferisse todo o processo de preparação das urnas.

Eduardo Kumasawa é analista judiciário da Justiça Eleitoral de Itapeva desde 2013, conforme quadro de servidores do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP).

Publicidade

Qual era a atividade no sindicato

O procedimento que estava sendo feito no Sinticom é o de carga e lacração das urnas. O processo faz parte da programação do TSE para as eleições e serve para distribuir, importar e instalar os dados eleitorais na máquina. Além disso, são efetuados testes de integridade no dia da eleição e seis meses antes do pleito, ambos abertos ao público. Após a preparação, a urna é lacrada e trancada na sala-cofre do TRE. Qualquer tentativa de uso antes do dia das eleições é em vão, pois a urna possui sistemas que só permitem que seja utilizada no momento programado para a votação. O procedimento é público e foi publicado no Edital 24/2022 do Juízo da 53ª Zona Eleitoral, em 16 de setembro, no site do TRE-SP. Conforme o documento, a preparação teve início em 21 de setembro. No texto, também constam os nomes de todas as pessoas envolvidas no trabalho.

Edital 24/2022

Este procedimento é realizado desde 2014 no Sinticom, devido à falta de espaço do cartório da 53ª Zona Eleitoral de Itapeva, que atende a seis municípios da região. A sede do sindicato fica ao lado da 53ª Zona Eleitoral, conforme constatado no Google Maps. A distância entre os dois prédios é de apenas 20 metros (veja o mapa abaixo).

Em nota, o TRE-SP esclareceu que todos os funcionários terceirizados que atuam no procedimento no local foram contratados por meio de licitação pública, de acordo com a legislação, estando disponível para consulta no site do TRE. Ao todo, foram contratados pela empresa Seres Serviços de Recrutamento e Seleção de Pessoal Ltda. 1.206 assistentes de eleição para os cartórios das 392 zonas eleitorais da capital e do interior, além dos 18 Postos de Atendimento do Estado de São Paulo nas Eleições de 2022.

licitação pública

O Tribunal ainda afirmou que as atividades dos assistentes de eleição constam como as descritas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho e Emprego (código n° 4110-10), com as especificidades da Justiça Eleitoral. Isso inclui auxiliar na digitação de textos e planilhas, auxiliar na preparação e revisão dos equipamentos utilizados nas eleições e auxiliar nos sistemas internos, entre outras.

Publicidade

"Segundo Resolução do Tribunal Superior Eleitoral, qualquer cidadão ou cidadão poderá levantar dúvidas ou reportar eventual irregularidade observada na cerimônia de preparação de urnas, mas isso precisa ser feito por escrito ao juízo eleitoral sem, no entanto, dirigir-se diretamente às técnicas, aos técnicos, às servidoras e aos servidores da Justiça Eleitoral, durante o exercício das suas atividades (Res. 23.673/2021 TSE, art. 37, III, § 4°). "Apesar disso, os servidores do Cartório Eleitoral de Itapeva prestaram todos os esclarecimentos aos responsáveis pela gravação do vídeo para demonstrar a lisura de todos os procedimentos", ressaltou o TRE-SP em nota.

Servidores registram boletim de ocorrência

Os servidores do cartório registraram um boletim de ocorrência no domingo, 25 de setembro, na 2ª Delegacia de Polícia de Itapeva. Conforme o BO, Camila Vasconcelos intimidou os funcionários com tom agressivo e de ameaça, além de constranger as pessoas que estavam trabalhando. O caso será investigado pela Polícia Civil.

boletim de ocorrência

Quem é Camila Vasconcelos, autora do vídeo

Camila é médica veterinária e apoiadora do presidente Jair Bolsonaro. Em uma publicação no YouTube, após a repercussão do vídeo aqui verificado, Camila diz que recebeu a informação de que as urnas estavam sendo "abertas" e "configuradas" em um prédio que pertence a um sindicato e, por isso, foi ao local: "Fui, no meu direito de cidadã, averiguar as configurações que estavam sendo feitas nas urnas."

Ela diz que pediu para ver as urnas que ainda estavam lacradas e que foi informada por Eduardo que não tinha mais urnas lacradas, já que eles estavam fazendo o trabalho há cinco dias. "Insisti e consegui chegar na sala que estavam as urnas e escolhi uma para iniciar o procedimento do zero."

Publicidade

Camila ainda afirma que não foram testados os fones de ouvido, mas foi informada pelo servidor que não era necessário por se tratar apenas de uma demonstração. "Falei em nome de todos os cidadãos que se tivesse alteração nas urnas eles iriam pagar por isso", diz.

O Comprova tentou contato com Camila pelo Facebook e por mensagem no WhatsApp, mas não obteve retorno até a publicação desta checagem.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Grupos bolsonaristas, alimentados por discurso do presidente, tentam tirar a credibilidade do processo eleitoral, colocando em dúvida a segurança das urnas eletrônicas, como neste conteúdo aqui investigado. A desinformação é danosa à democracia porque distorce a compreensão da realidade. A população tem direito de saber a verdade e basear suas escolhas em informações confiáveis.

Outras checagens sobre o tema: Na reta final para o primeiro turno, as eleições dominam os conteúdos de desinformação. Somente nesta semana, o Comprova já mostrou ser falso que 70% do processo eleitoral é terceirizado e que a terceirização compromete a integridade das eleições e que é enganoso o tuíte que indica o 17 como número de urna de Bolsonaro. Também explicou o que é deepfake, técnica de inteligência artificial que está sendo usada para produzir desinformação.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.