Vídeos no WhatsApp espalham mentiras sobre testes de covid-19

Entre as alegações falsas que circulam no app de mensagens, estão a de que os testes estariam 'contaminados' com fios pretos, que seriam importados irregularmente da China e até mesmo que estariam 'vacinando' as pessoas

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Por Milka Moura e Leonardo Catto
Atualização:

Um compilado de três vídeos que circula no WhatsApp espalha falsidades sobre testes de diagnóstico de covid-19. Os conteúdos afirmam que os testes estariam "contaminados" com fios pretos, que seriam importados irregularmente da China e até mesmo que estariam "vacinando" as pessoas. Mas as alegações são falsas, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e duas especialistas consultadas pelo Estadão Verifica.

Veja abaixo a checagem de cada um dos vídeos. Leitores pediram a verificação do material por WhatsApp, (11) 97683-7490.

 

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Transporte de testes em avião é regular e produtos estão registrados na Anvisa

O primeiro dos vídeos que circula no WhatsApp mostra a cabine de um avião repleta de caixas de papelão. As caixas estão empilhadas sobre as poltronas dos passageiros. Um homem filma a etiqueta de uma das caixas, que diz: VivaDiag SARS-CoV-2 Ag Rapid Test. O autor da gravação dá a entender que haveria algo de suspeito na situação, o que não é verdade. A Anac informou que o transporte na cabine é regular; além disso, o teste em questão está registrado na Anvisa.

Segundo a Anac, o transporte de cargas no compartimento de passageiros, e também sobre os assentos, foi primeiramente aprovado em caráter excepcional em abril de 2020, devido à pandemia. Esta decisão foi prorrogada até 31 de julho de 2022. Após este período, a operação similar só será permitida mediante aprovação específica.  

"Há uma série de especificações técnicas para o transporte de carga na cabine de passageiros", informou a agência em nota. "De forma geral, a carga transportada em um assento não deve exceder 22,7kg por lugar de assento e não deve ultrapassar a altura do encosto. Cargas armazenadas sob os assentos não devem exceder 9kg por lugar de assento. As cargas devem ser fixadas por meio de mecanismos de retenção tais como cintos de segurança, redes de carga ou amarras utilizando-se as pernas dos assentos, vigas e os trilhos".

Vídeo que circula no WhatsApp mostra caixas de testes vindos da China. Foto: Reprodução

Os testes mostrados no vídeo têm registro na Anvisa, de acordo com consulta ao site do órgão de vigilância sanitária. Os produtos são produzidos pela empresa chinesa VivaCheck e importados de Hangzhou pela brasileira Vyttra Diagnósticos. O Estadão Verifica entrou em contato com a farmacêutica, mas não obteve resposta até a publicação.

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Segundo a Anvisa, os testes aprovados pela regulação são seguros e "antes de serem aprovados passam também por avaliação laboratorial no Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) para verificar o seu desempenho".

O controle de qualidade monitora aspectos relacionados à segurança e eficácia do produto, na perspectiva do risco à saúde, considerando inclusive a adequação das etapas de fabricação e sistemas de qualidade das empresas envolvidas. Além disso, são considerados o ciclo de vida do produto, envolvendo o transporte e armazenamento, as condições de uso e o monitoramento contínuo do desempenho.

Denúncias sobre qualidade de testes devem ser notificadas à Anvisa. Isso pode ser feito no portal do órgão

Microscópios usados em vídeo não são capazes de identificar vírus

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O segundo e o terceiro vídeo compartilhados no WhatsApp mostram uma espécie de experimento. Numa das gravações, um homem coloca um autoteste de covid da marca QuickVue -- que é vendido nos Estados Unidos, e não tem aprovação no Brasil -- em um microscópio não profissional. Ele diz que as imagens obtidas mostram algo em movimento e com luz própria. Para o autor do vídeo, isso provaria que as pessoas estariam sendo vacinadas com os testes. No outro vídeo, um segundo homem narra um experimento no qual o cotonete de um teste é colocado sob um tipo de lente de aumento. A partir disso, ele afirma que os testes estariam contaminados com "negócios pretos", supostamente "nanobots de hidrogel". O narrador diz que os produtos estariam infectando pessoas e gerando novas cepas do coronavírus. Nada disso é verdade.

Segundo a Anvisa, não é possível detectar vírus em microscópios padrão. "Para se entender a proporção deste tamanho, a maioria das células humanas tem cerca de 100 micrômetros (0,1 milímetro) e os vírus são mil vezes menores do que isso (0,0003 - 0,00002 milímetros)", informou a agência.

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Experimento mostrado em vídeo do WhatsApp não revela irregularidade em testes. Foto: Reprodução

A professora Fernanda Barbisan, do Departamento de Patologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), explica que, para visualizar o SARS-CoV-2, seria necessário um microscópio eletrônico de varredura. Segundo ela, o microscópio do vídeo não tem capacidade de detecção de microrganismos e funciona como uma lupa. "Um vírus tem aproximadamente um tamanho de 150 nanômetros. É impossível ser visualizado pelo microscópio mostrado, um microscópio digital", disse. "Nem mesmo microscópio ópticos utilizados para análises de células nas universidades e laboratórios clínicos são capazes de visualizar vírus".

O vírus também não ficaria "vivo" no algodão do cotonete, segundo Fernanda. "Há de se lembrar que um vírus vive dentro de uma outra célula ou bacteriófago (um outro tipo de vírus)", afirmou ela. "(O vírus) é um parasita intracelular, ou seja, vive dentro de outro ser vivo. É praticamente impossível manter um vírus dentro de um algodão por tanto tempo 'vivo'".

Em um dos experimentos dos vídeos, o homem compara o cotonete de um teste de covid com um cotonete normal. Para Fernanda, esta é outra inconsistência: ela aponta que o algodão supostamente "limpo" deveria ter algum tipo de contaminação, pelo manuseio em local não esterilizado.

O autor do vídeo chega a afirma que o teste de covid "emite luz própria". Mas Fernanda lembra que vírus e bactérias não têm a autofluorescência como uma propriedade biológica comum. Esta condição pode ser encontrada em alguns tipos de alga, como é o caso da Noctiluca, que foi responsável por acidentes ambientais que causam a chamada maré vermelha, por exemplo.

A médica infectologista Marise Reis rebate outra alegação do vídeo, a de que os testes estariam provocando o surgimento de novas cepas de coronavírus. Segundo ela, novas variantes são, na verdade, consequência da circulação do vírus: "Algumas dessas variantes conseguem se expressar de uma forma mais eficiente do ponto de vista da transmissibilidade, ou mesmo da capacidade de causar danos. Então, a variante é fruto da circulação do vírus. Não tem a ver com o vírus fora do organismo. É fruto do vírus circulando em grandes populações", disse.

Como funciona o teste de covid

O teste swab identifica se o paciente está infectado no momento do exame, e é feito através do recolhimento da secreção nasal. O material é coletado da garganta e do nariz com uma haste flexível, feito com material estéril. De acordo com a infectologista Marise Reis, é impossível a contaminação no momento de realização.  

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"Não tem contaminação de absolutamente nada, pelo contrário, ele é estéril. Não tem microorganismo nenhum ali", disse ela. "Então, é um exame simples, seguro, a eficácia do teste é muito boa. Ele tem um método padrão hoje para diagnóstico das doenças virais de um modo geral. O método é seguro, esse vídeo não não tem nada a ver com nada", reiterou. 

A utilização de testes rápidos para a detecção da covid-19 é monitorada pela Anvisa, que prevê que o detentor do registro se responsabilize também pelo monitoramento na pós-comercialização.

Em reunião no dia 19 de janeiro de 2022, a Anvisa decidiu que os produtos só poderiam ser comercializados após o registro no órgão, e que é proibida a venda em sites que não sejam de farmácias ou estabelecimentos de saúde autorizados e licenciados pelos órgãos de vigilância sanitária, garantindo a segurança da utilização do item. 

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