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Sem citar fontes confiáveis, posts espalham que defensor da cloroquina foi indicado ao Nobel da Paz

Comitê organizador do Prêmio aceita todas as nomeações, desde que sejam feitas por pessoas que atendam a critérios de qualificação; lista de candidatos é mantida em sigilo por 50 anos

Por Victor Pinheiro
Atualização:

Circula nas redes sociais que o médico e defensor do uso de cloroquina contra covid-19 Vladimir Zelenko foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz por sua posição no combate à pandemia. A informação não pode ser confirmada oficialmente porque a lista de nomeados é mantida em sigilo pela organização do prêmio. O medicamento defendido pelo médico de Nova York é comprovadamente ineficaz contra o novo coronavírus.

Diferentemente de outros possíveis candidatos ao Nobel, entretanto, não há registros públicos de quem poderia ter indicado Zelenko. Os rumores surgiram em blogs americanos, que citam um anúncio em uma rede social não identificada, o qual indica que o médico integra um grupo de 43 profissionais da saúde indicados ao prêmio. O link para a publicação não é divulgado em nenhum dos conteúdos consultados pelo Estadão Verifica (1, 2, 3).

Cloroquina não tem eficácia comprovada contra a covid-19. Foto: LQFEx/Ministério da Defesa

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O site The Internet Protocol, administrado pelo próprio Vladimir Zelenko, anunciou a suposta nomeação em abril. O texto, porém, foi retirado do ar. Outro artigo publicado sobre o médico no mesmo site nesta quarta-feira, 2, cita supostas indicações de Zelenko a outras medalhas, mas não menciona o Prêmio Nobel da Paz. 

Ainda assim, não é possível descartar que Zelenko tenha sido indicado à disputa, mas o boato omite informações importantes sobre o contexto do prêmio.

A Fundação Nobel estabelece uma lista de critérios para determinar quem são as pessoas ou organizações qualificadas para propor um candidato. As categorias contemplam parlamentares de todos os países, chefes de estado, integrantes do Tribunal Internacional de Haia, professores e gestores universitários, representantes do comitê organizador, vencedores de outras edições, entre outros. 

Todas as propostas são aceitas, desde que atendam ao prazo estabelecido pela organização. Para a edição 2021, a data limite de submissão foi estabelecida em 31 de janeiro. Indicações posteriores ainda podem ser consideradas para a disputa do ano que vem. Em outubro, a lista de candidatos é analisada pelo Comitê do Nobel que seleciona e divulga o vencedor. 

Os nomes dos indicados, no entanto, permanecem em sigilo por pelo menos 50 anos. Por outro lado, não há restrições para que uma pessoa ou organização que lançou uma candidatura comente publicamente sua indicação. No caso de Zelenko, as postagens virais não informam quem indicou o grupo de médicos defensores de protocolos de tratamento precoce em que ele é inserido. 

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Segundo reportagem da Associated Press, a edição de 2021 do Nobel conta com 329 indicações, dentre elas 234 indivíduos e 95 organizações. Figuram entre os candidatos, por exemplo, ativistas políticos, a Organização Mundial da Saúde, o movimento Black Lives Matter e o ex-presidente americano Donald Trump.

O movimento Black Lives Matter foi indicado pelo parlamentar socialista norueguês Petter Eide. Outro político do país nórdico, Christian Tybring-Gjedde, é o responsável pela candidatura de Donald Trump. O republicano derrotado nas últimas eleições americanas também disputou o prêmio no ano passado. 

Vale ressaltar ainda que o Prêmio coleciona indicações polêmicas, como as nomeações dos ditadores Adolf Hitler (1939), Benito Mussolini (1935) e Josef Stalin (1945 e 1948) ao Nobel da Paz.

Tratamento precoce não tem respaldo de entidades internacionais

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Os conteúdos virais analisados pela reportagem promovem um protocolo medicamentoso sem eficácia comprovada para a covid, atribuído a Vladimir Zelenko. No ano passado, o médico ficou conhecido por recomendar a aplicação de um coquetel com hidroxicloroquina, azitromicina e sulfato de zinco para pacientes com a doença. O uso de nenhuma dessas substâncias, entretanto, tem o respaldo das principais entidades de saúde. 

As diretrizes dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos e da Organização Mundial da Saúde, por exemplo, desaconselham a administração da hidroxicloroquina fora de ensaios clínicos. O painel de evidência da entidade norte-americana aponta que ensaios clínicos randomizados não identificaram benefícios da droga isoladamente ou combinada com azitromicina na melhora clínica de pacientes com covid. A OMS apresenta uma análise semelhante

Acerca do Zinco, o NIH concluiu que não há dados suficientes para aconselhar contra ou favor do uso da substância no contexto da covid, mas desaconselha a suplementação preventiva com doses acima do nível de consumo diário recomendado. O documento destaca que, a longo prazo, a suplementação excessiva com zinco pode provocar danos à saúde. 

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Zelenko chegou a publicar um estudo que sugere benefícios do coquetel de remédios, na revista International Journal of Antimicrobial Agents. O artigo, entretanto, não contempla os padrões adequados para determinar a eficácia de uma terapia contra a doença. 

Como mostra uma reportagem publicada pelo Estadão em parceria com o Comprova no ano passado, a pesquisa comparou registros médicos de pacientes que supostamente foram submetidos ao protocolo, com os registros de outros que não teriam consumido os medicamentos. O estudo, porém, não aplica os mecanismos de controle para inibir vieses dos autores ou a interferência de outros fatores externos nos resultados. 

O padrão-ouro para investigar os benefícios de um medicamentos é o de largos estudos clínicos randomizados, o que não é o caso da pesquisa de Zelenko. 

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