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É montagem vídeo em que governador da Bahia é acusado de hipocrisia em relação à vacina infantil

Rui Costa (PT) passou a ser questionado após dizer em uma entrevista que as filhas de 6 e 8 anos ainda não tinham sido imunizadas; no entanto, vídeo viral em que governador é confrontado e chamado de 'pombo sujo' é montagem

Por Clarissa Pacheco
Atualização:

É montagem um vídeo que circula no WhatsApp no qual um suposto jornalista questiona o governador da Bahia, Rui Costa (PT), se não seria hipocrisia da parte dele exigir a vacinação para crianças e adolescentes, enquanto as duas filhas mais novas do político, de 6 e 8 anos, ainda não tinham sido imunizadas contra a covid-19. O material junta imagens e áudio de dois momentos diferentes, além de inserir digitalmente a figura e as perguntas do "repórter" -- na realidade, um militante bolsonarista.

As imagens são de uma entrevista coletiva com Rui Costa em 28 dezembro do ano passado, a respeito das chuvas no Sul da Bahia. Já o áudio é de outra entrevista, desta vez à TV Band, em janeiro de 2022, sobre a vacinação das filhas. Finalmente, a imagem e o áudio do "jornalista" foram inseridos posteriormente no vídeo.

 Foto: Estadão

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Leitores do Estadão Verifica pediram a checagem deste vídeo por WhatsApp, no número (11) 97683-7490. A peça que circula no aplicativo de mensagens foi retirada de um post no Instagram, feito em 2 de fevereiro de 2022. O autor da postagem sinaliza, no final do material, que o vídeo é uma montagem, mas a peça que foi parar no WhatsApp omite esta informação. Em vez disso, acrescenta dois textos: um elogiando o suposto repórter e outro, em cima da imagem, que faz uma referência a Maria Quitéria de Jesus, heroína da Guerra de Independência do Brasil na Bahia, em 1823.

Além de ser uma montagem, o vídeo traz uma informação falsa: a de que o governador exige passaporte vacinal para crianças e adolescentes na Bahia. Na verdade, apenas estudantes com mais de 18 anos precisam apresentar o cartão de vacinação contra a covid-19 para frequentarem as aulas na rede pública estadual. O petista passou a ser confrontado nas redes sociais desde que disse em uma entrevista no final de janeiro que suas duas filhas mais novas, Marina e Malu, ainda não tinha sido vacinadas contra a covid-19, ainda que estejam em idade vacinal.

Há algumas pistas que ajudam a perceber que o vídeo em questão é uma montagem. A primeira delas é a logomarca do aplicativo KineMaster, no canto superior da tela - o app é usado para editar vídeos. Outro indício de montagem fica evidente quando o "repórter" se vira de frente para a câmera: é possível ver claramente que a imagem dele é recortada e que não faz parte da cena em que o governador está inserido.

É possível perceber no vídeo que a imagem do suposto jornalista é recortada e não faz parte da mesma cena em que o governador baiano está. Foto: Reprodução

Outra pista está no diálogo: a resposta do governador sobre a vacinação das filhas não se encaixa bem à pergunta sobre hipocrisia. Por fim, o "jornalista" rebate o governador e o chama de "pombo sujo", gíria baiana que significa "vagabundo" ou "mau-caráter", depois de Rui Costa dizer que está abrindo um processo contra pessoas que politizaram a questão da vacina das duas filhas.

Entenda abaixo como a montagem foi feita.

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O vídeo

A imagem em que o governador da Bahia fala e gesticula, usada na montagem que tem 1 minuto e 17 segundos, é real, mas não tem nenhuma relação com o assunto sobre a vacinação das duas filhas mais novas de Rui. A gravação é de uma entrevista coletiva em 28 de dezembro de 2021, na cidade de Ilhéus, durante a visita aos locais atingidos pelas fortes chuvas no final do ano passado. Nela, aparecem, além do governador da Bahia, o ministros do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, da Saúde, Marcelo Queiroga, e da Cidadania, João Roma.

O trecho da coletiva utilizado é o momento em que Rui Costa reclama que a verba liberada pelo governo federal para a reconstrução das estradas nos locais afetados pela chuva era insuficiente. A primeira imagem é do minuto 1:13, quando Rui ouve uma fala do ministro Rogério Marinho. É possível ver um homem ao fundo com a mão na boca, enquanto o governo escuta com a cabeça ligeiramente abaixada.

Para a montagem, a imagem foi espelhada e aproximada, para dar a impressão de que o petista escutava a pergunta de um jornalista antes de respondê-la. O "repórter" que aparece de costas na montagem, segurando um microfone, não existe na imagem original.

Vídeo original do primeiro trecho da montagem: governador de cabeça baixa e homem ao fundo com a mão na frente da boca. Foto: Reprodução

Montagem usa a mesma imagem, só que espelhada e aproximada; "repórter" foi inserido. Foto: Reprodução

No vídeo montado, há uma transição entre o momento da suposta pergunta e a resposta do governador. Esta imagem é do segundo 0:13 do vídeo do trecho da coletiva, quando Rui Costa gesticula ao se queixar que a verba destinada pelo governo federal para reconstrução das estradas é insuficiente. O mesmo homem que coloca a mão na frente da boca aparece agora na imagem olhando para a esquerda, enquanto o ministro Rogério Marinho olha diretamente para a câmera.

Rui Costa gesticula com dedo apontado para baixo; homem ao fundo olha para a esquerda. Foto: Reprodução

Imagem espelhada mostra o mesmo gesto de Rui Costa e homem ao fundo olhando para o lado. Foto: Reprodução

O terceiro corte de imagem mostra Rui Costa olhando para trás enquanto, mais uma vez, aparenta aguardar uma pergunta. Ela aparece no minuto 1:09 da coletiva, pouco antes da fala do ministro Rogério Marinho. O mesmo homem das outras imagens pode ser visto ao fundo com dois dedos na frente da boca. A inserção da imagem do "jornalista" com um microfone fazendo perguntas passa a impressão de que o governador baiano se recusa a respondê-las, mas ele, na verdade, está ouvindo uma declaração de Rogério Marinho durante a entrevista coletiva.

Governador da Bahia olha para trás enquanto ministro pega o microfone; homem ao fundo aparece com dois dedos na frente da boca. Foto: Reprodução

Gestos do terceiro trecho são idênticos, mas montagem tem outro elemento: o suposto jornalista. Foto: Reprodução

O vídeo compartilhado no WhatsApp se encerra com o suposto repórter se virando de frente para a câmera e fazendo um comentário. Não aparece a mensagem final, do post feito no Instagram, de que o vídeo se trata de uma montagem.

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O áudio

O áudio que aparece na peça de desinformação também foi manipulado. Isso porque as respostas do governador Rui Costa são verdadeiras, mas não têm qualquer relação com as imagens. Rui falou sobre a vacinação das duas filhas mais novas no dia 27 de janeiro de 2022 em uma entrevista ao Brasil Urgente Bahia, da TV Band, quando perguntando por um jornalista se as duas filhas mais novas dele já tinham se vacinado.

A resposta é que as meninas ainda não foram vacinadas e que ele procura manter os filhos longe da política. Em seguida, o governador avisa que vai processar criminalmente pessoas que vêm politizando a vacinação das meninas. O áudio é cortado e não mostra a sequência da fala, em que Rui Costa afirma que acredita na ciência e na medicina, e que continua recomendando a vacinação para todos, inclusive crianças.

Ele não chega a afirmar que vai vacinar as duas filhas, mas se manifestou nos dias seguintes à entrevista se comprometendo a fazê-lo. O Verifica entrou em contato com a assessoria do governador para confirmar se as crianças foram imunizadas, mas não recebeu resposta até a publicação deste texto.

A montagem

Nem as perguntas, nem a imagem do suposto repórter fazem parte dos materiais originais, utilizados para a montagem. O falso jornalista que aparece no vídeo montado é um ativista pró-Bolsonaro chamado Emerson Rui Barros dos Santos, que se autointitula nas redes como Mito Show. Ele é figura conhecida em manifestações a favor do presidente da República em Salvador e chegou a ser preso em Brasília (DF), em junho de 2020, junto com Sara Winter, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), no inquérito que investigava atos democráticos.

Mito Show é o autor do jingle utilizado por Bolsonaro na campanha de 2018. Ele tentou se candidatar a deputado estadual pelo PSL em 2018, mas teve a candidatura rejeitada. Em janeiro deste ano, foi indicado pelo presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, para o conselho da instituição.

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No post original feito em sua conta no Instagram, ele incluiu uma mensagem ao final das imagens: "Esse vídeo, é uma produção com montagem editada, dentro de um fato. uma entrevista fora feita com o 'governador' da Bahia, por um repórter oficial de uma emissora baiana (sic)". Outros vídeos no perfil utilizam a mesma "estética", de inserir um falso repórter em um imagens pré-existentes.

 Foto: Estadão

Quem foi Maria Quitéria?

Diferente da montagem feita para o Instagram, o vídeo que foi compartilhado no WhatsApp tem duas frases: a primeira, um 'elogio' ao suposto jornalista: "Precisamos de, pelo menos, mas 10 Repórteres como esse CABRA MACHO". A segunda completa: "Ainda dizem que maior macho da Bahia foi Maria Quitéria".

A frase é uma referência a uma personagem histórica baiana, a soldado Maria Quitéria de Jesus. Ela nasceu em 1792 em uma região que hoje pertence à cidade de Feira de Santana (BA) e deixou a fazenda onde vivia com os pais para se alistar ao exército que lutava pela Independência do Brasil na Bahia, em 1822, já que os portugueses se recusavam a deixar o Brasil mesmo após a proclamação da Independência, em 7 de setembro.

Primeiro, ela tentou convencer o pai a deixá-la se alistar. Diante da negativa, foi à casa de uma das irmãs, usou as roupas do cunhado, cortou os cabelos e se alistou ao Batalhão de Caçadores do Exército Pacificador como Soldado Medeiros, o sobrenome do cunhado, assumindo uma identidade masculina. Quem "desmascarou" Maria Quitéria foi o próprio pai, que procurou o comandante do batalhão para contar que o soldado Medeiros, na verdade, era Maria Quitéria de Jesus.

Como Maria Quitéria se destacava pela habilidade com as armas, o comandante permitiu sua permanência no Batalhão e solicitou que "saiotes e uma espada", para que ela fosse fardada como uma mulher. Após o fim da guerra, em 1823, ela foi condecorada por D. Pedro I com a insígnia de Cavaleiro da Ordem Imperial e, desde 2009, integra o Livro dos Heróis da Pátria.

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