A enganação do momento é 'Ratanabá': haja picareta para desenterrar cidade de 450 milhões de anos!

Boato sobre ruínas na Amazônia foi difundido pelo criador do chamado 'ET Bilu', líder de organização sem fins educativos

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Por Gabriel Belic
Atualização:

Um vídeo conspiratório sobre a existência de uma cidade chamada Ratanabá, que estaria perdida há mais de 450 milhões de anos sob a floresta da Amazônia, virou o assunto do momento no Twitter e no TikTok. O período mencionado é de muito antes da existência de qualquer civilização.

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A "descoberta" da cidade vem sendo reivindicada pelo Ecossistema Dakila, uma organização sem vínculo com universidades e órgãos oficiais de pesquisas. O grupo é também responsável por difundir discurso antivacina e crendices já refutadas, como a noção de que a Terra é plana. No dia 1º de junho, a organização publicou nota em que afirma que Ratanabá foi fundada pelos Muril, supostamente a primeira civilização do planeta, e foi capital do mundo há 450 milhões de anos.

Nessa época, a Terra vivia o período Ordoviciano. O planeta começava a ter seus primeiros animais vertebrados e peixes sem mandíbula. Mas as criaturas dominantes eram os invertebrados marinhos, como os trilobitas. Havia um grande oceano, que hoje chamamos de Pantalassa, e a América do Sul estava unida à Índia, à Austrália e à África no continente Gondwana.

 

 

 

Os primeiros hominídeos surgiriam centenas de milhões de anos depois, na era Cenozoica. A espécie mais antiga que se conhece, o Homo heidelbergensis, tem cerca de 450 mil anos de idade. Já o ser humano moderno, o Homo sapiens sapiens, apareceu há apenas 200 mil anos, na África.

De acordo com o arqueólogo e pesquisador da região amazônica Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP) , "nem a América do Sul existia há 450 milhões de anos, quanto mais a Amazônia". O nosso continente começou a se separar da África há cerca de 220 milhões de anos -- antes, os dois formavam um só pedaço de terra, chamado Pangeia. Por isso, não há nenhum embasamento na arqueologia e na geologia para a existência de Ratanabá.

Alguns vestígios de assentamentos antigos foram encontrados recentemente na região amazônica, mas nada que embase a teoria da cidade perdida. Em um estudo publicado na revista Nature no dia 25 de maio, pesquisadores da Alemanha descreveram a existência de assentamentos humanos datados de um período pré-colonial na região boliviana da Amazônia. De acordo com a pesquisa, os locais foram construídos pela cultura Casarabe, civilização pré-hispânica, entre 500 a 1400 d.C. 

Segundo Eduardo Góes Neves, também existiam lugares assemelhados a cidades no Pará e no Alto Xingu. "Essas cidades têm, no entanto, alguns milênios ou muitos séculos de idade, e não 450 milhões de anos", explica o arqueólogo. Nesses casos, existem evidências de construção de terra, valas, canais e estradas, por exemplo. Ainda que exista pouca arquitetura de pedra na Amazônia antiga, as construções eram feitas de terra, madeira e palha. "Havia cidades na Amazônia, mas elas eram dos indígenas e tinham uma história totalmente diferente", diz Eduardo. 

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Boato foi espalhado por criador do ET Bilu

O líder do instituto Dakila é Urandir Fernandes de Oliveira, conhecido por ser criador do boato sobre o "ET Bilú" e por defender a tese de que a floresta amazônica não queima. Procurado, ele não se manifestou para fundamentar a existência de Ratanabá. 

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