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Postagens antivacina usam imagens de protestos na Europa para denunciar falsamente 'milhares de mortes'

Vídeos de manifestações contra passaporte vacinal em Paris e Estocolmo são tirados de contexto para espalhar inverdades sobre efeitos de imunizantes

Por Projeto Comprova
Atualização:

Esta checagem foi produzida por jornalistas da coalizão do Comprova. Leia mais sobre nossa parceria aqui.

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  • Conteúdo verificado: Dois vídeos que circulam nas redes sociais mostram protestos em diferentes ângulos -- imagens aéreas e terrestres -- com a seguinte legenda: "Prédio da Pfizer cercado em Paris, o povo grita assassinos, devido às milhares de mortes e efeitos adversos das vacinas. Isso a Globo não mostra".

São falsas as informações de dois vídeos compartilhados no TikTok e no Facebook que afirmam que o prédio da farmacêutica Pfizer foi cercado em Paris, na França, em um protesto contra as "milhares de mortes e efeitos adversos das vacinas". Os vídeos mostram dois protestos diferentes -- um na Suécia e outro na França --, mas nenhum dos atos tinha como pauta supostas mortes e efeitos adversos provocados pelos imunizantes. Nas duas ocasiões, as pessoas se manifestaram contra a exigência do passaporte vacinal.

 

O primeiro vídeo, visualizado mais de 63 mil vezes no TikTok antes de ser apagado pelo usuário na quinta-feira (3), foi gravado em Estocolmo, na Suécia, no dia 22 de janeiro de 2022. A legenda inserida na imagem mente duas vezes: primeiro, ao dizer que o ato ocorreu em frente ao prédio da Pfizer em Paris, e novamente ao dizer que o motivo da manifestação eram mortes e reações adversas provocadas pela vacina.

O segundo vídeo, compartilhado no Facebook, realmente mostra uma manifestação em frente à sede da Pfizer em Paris, no dia 29 de janeiro de 2022. Mas a legenda também mente sobre o motivo do protesto. Ele também era contra o passaporte vacinal, instituído na França em 24 de janeiro.

Consultadas pelo Comprova, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), a Food and Drug Administration (FDA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) não identificaram "milhares de mortes" relacionadas às vacinas. E afirmam que a grande maioria dos efeitos adversos são leves e de curta duração, sendo raros os casos graves.

Procurado, o autor da postagem no TikTok afirmou que recebeu o conteúdo por um grupo de WhatsApp e repostou. Após contato do Comprova, o vídeo foi excluído. Já a mulher que fez a publicação no Facebook não respondeu às mensagens.

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O Comprova classificou esses conteúdos como falsos porque alteram a pauta dos protestos de modo deliberado, para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

O Comprova buscou confirmar, inicialmente, a realização dos eventos que aparecem nos vídeos e suas pautas. Buscas reversas na internet a partir das imagens, consultas no Google sobre os protestos e a análise das características dos locais no Google Street View levaram à identificação de manifestações em Paris, na França, e em Estocolmo, na Suécia.

As buscas levaram aos vídeos originais, por meio dos quais foi possível identificar as pautas das manifestações e seus organizadores. Nos protestos, nas reportagens que cobriram os eventos e nas páginas dos responsáveis pelos atos não há qualquer menção a "milhares de mortes e efeitos adversos das vacinas".

Em seguida, o Comprova buscou dados oficiais sobre efeitos adversos das vacinas e possíveis mortes relacionadas aos imunizantes. Foram procurados, por e-mail, a EMA, a OMS, a FDA e o CDC.

Também procuramos o governo francês e a Pfizer, que é citada nas postagens. Tivemos respostas da EMA, da FDA, da OMS e da Pfizer.

Por fim, o Comprova entrou em contato com os autores das publicações.

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O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 4 de fevereiro de 2022.

Verificação

Vídeo no TikTok mostra ato em Estocolmo, não em Paris

Um dos conteúdos checados é um vídeo publicado no TikTok que mostra imagens de um protesto com a legenda "Prédio da Pfizer cercado em Paris, o povo grita assassinos, devido às milhares de mortes e efeitos adversos das vacinas. Isso a Globo não mostra". O vídeo, entretanto, mostra um protesto ocorrido em Estocolmo, na Suécia, e não em Paris.

A partir do mecanismo de busca reversa, o Comprova encontrou o vídeo original, publicado no dia 22 de janeiro pela página de um grupo sueco chamado Frihetsrörelsen -- Movimento de Liberdade, em tradução livre.

Buscando por notícias locais sobre o protesto na Suécia, os resultados retornaram uma matéria do Svenska Dagbladet, que informa que, no dia 22, ocorreram manifestações em Estocolmo e Gotemburgo contra o passaporte da vacina. A primeira reuniu entre 8 e 9 mil participantes, que partiram da praça Norrmalmstorg e marcharam ao longo de Hamngatan até a praça Sergel.

Ao buscar por esses locais no Google Street View, foi possível identificar prédios, placas e outros elementos que correspondiam às imagens do vídeo. Dessa forma, confirmamos que o protesto não ocorreu em frente ao prédio da Pfizer em Paris e, sim, em Estocolmo.

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Além disso, as notícias locais afirmam que as manifestações de Estocolmo e Gotemburgo ocorreram contra o passaporte da vacinação, não pelas "milhares de mortes e efeitos adversos das vacinas", como sustenta o vídeo. As publicações da página do movimento também não fazem menção a mortes supostamente relacionadas às vacinas. Um novo protesto, que também visa a revogação do passaporte da vacina, foi convocado para o dia 19 de março.

Atos na França e em frente ao prédio da Pfizer

O outro vídeo, postado no Facebook, realmente mostra uma manifestação em Paris, em frente ao edifício sede da Pfizer, mas, novamente, as pessoas não protestavam naquela ocasião contra supostas mortes e efeitos adversos das vacinas, e sim contra o passaporte vacinal.

As manifestações aconteceram no dia 29 em diversos pontos da França. Tanto a imprensa francesa quanto a internacional (12, e 3) noticiaram os atos. O jornal Le Parisien publicou que o Ministério do Interior calculou em 30 mil pessoas o número de manifestantes em 162 atos espalhados pelo país naquele sábado.

Na capital, Paris, foram cerca de 5,3 mil pessoas em quatro atos distintos, sendo um deles uma marcha até o prédio sede da Pfizer, na Av. du Dr Lannelongue. Este vídeo da agência Ruptly, mostra os manifestantes próximos ao edifício sede da farmacêutica, mesmo local onde foi feito o material postado no Facebook. O vídeo fala em cerca de 250 participantes.

 
 

Segundo a imprensa local, atos contra o passaporte vacinal já vinham acontecendo no país nas semanas anteriores e os do dia 29 de janeiro aconteceram poucos dias depois de a exigência do documento entrar em vigor, em 24 de janeiro.

Os dados divulgados pelo Ministério do Interior mostraram, contudo, um número menor de manifestantes e de atos em todo o país. Se no dia 29 foram 30 mil pessoas em 162 manifestações, no final de semana anterior tinham sido 38 mil manifestantes em 171 protestos espalhados por toda a França.

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Mortes e reações adversas não foram pauta das manifestações

Diferente do que afirma a tarja inserida nos dois vídeos aqui verificados, "milhares de mortes e efeitos adversos" provocadas pelas vacinas não faziam parte da pauta dos atos realizados no dia 22 de janeiro em Estocolmo e no dia 29 em Paris. Todos os textos encontrados pelo Comprova na imprensa francesa e até as imagens dos cartazes que aparecem no protesto são contrários ao passaporte vacinal.

No caso dos atos ocorridos na França, há pelo menos três organizadores. O grupo Union Citoyenne pour la Liberté, cuja logomarca aparece em faixas nos protestos, os chamados coletes amarelos e o candidato à presidência pelo partido de direita Patriots, Florian Philippot.

Um texto publicado no portal francês InfoDuJour, uma convocação favorável aos atos do dia 29 de janeiro e que se refere à política de saúde da França como "estúpida, restritiva e enganadora", diz que os atos são contra a política sanitária e contra o presidente Emmanuel Macron. Os atos ocorreram a 75 dias do primeiro turno das eleições presidenciais na França, sem mencionar mortes ou reações adversas pelas vacinas.

Dados sobre mortes e reações adversas

Agência Europeia de Medicamentos (EMA)

A informação de "milhares de mortes e efeitos adversos das vacinas", que acompanha os vídeos, não procede. Na página sobre informações de segurança das vacinas autorizadas na Europa, a EMA afirma que "a vasta maioria dos efeitos colaterais adversos conhecidos são leves e de curta duração", e que casos graves são "extremamente raros".

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EMA é responsável pela avaliação científica, supervisão e monitoramento da segurança dos medicamentos em utilização nos países da União Europeia (UE) e do Espaço Econômico Europeu (EEE). São 30 países no total, incluindo França e Suécia, onde ocorreram as manifestações que aparecem nos vídeos aqui verificados.

A agência afirma que todas as vacinas autorizadas para uso na Europa são seguras e efetivas no combate à covid-19. São elas: ComiRNAty (Pfizer/BioNTech), COVID-19 Vaccine Janssen, Vaxzevria (AstraZeneca) e Spikevax (Moderna).

"Elas foram avaliadas em dezenas de milhares de participantes em ensaios clínicos e atenderam aos padrões científicos da EMA para segurança, eficácia e qualidade", diz a agência.

Na página com informações sobre a vacina da Pfizer, à qual se referem os vídeos aqui verificados, a EMA informa que os efeitos adversos mais comuns do imunizante são geralmente leves e moderados, e incluem dor e inchaço no local da injeção, cansaço, dor de cabeça, dores musculares e nas articulações, calafrios, febre e diarreia.

No último boletim da EMA sobre segurança das vacinas, de 20 de janeiro, a agência informa que estudos estão em andamento para confirmar outro possível evento adverso: a síndrome de extravasamento capilar (Capillary leak syndrome) - um distúrbio caracterizado pelo vazamento de fluido dos vasos sanguíneos, causando inchaço dos tecidos e queda da pressão arterial.

Não há alertas da EMA sobre risco de morte relacionado a qualquer efeito adverso da vacina.

Vacina da Pfizer na Europa

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Segundo a EMA, foram aplicadas 545 milhões de doses da vacina da Pfizer na população dos países da UE e do EEE, entre 21 de dezembro de 2020, quando o imunizante foi autorizado, e 2 de janeiro deste ano.

Os dados sobre supostos eventos adversos das vacinas são coletados no sistema EudraVigilance, que recebe notificações espontâneas de indivíduos e agentes de saúde. De acordo com a EMA, esses dados são avaliados pelo Comitê da Farmacovigilância da agência (Prac, sigla em inglês) para a detecção de possíveis comportamentos inesperados.

Segundo dados do EudraVigilance, foram espontaneamente notificados 522 mil casos de supostos eventos adversos após a vacina da Pfizer, sendo 6.490 desses com resultado final morte. Os números aparecem no último boletim de segurança das vacinas, e são acompanhados da seguinte observação:

"O fato de alguém ter tido um problema médico ou ter morrido após a vacinação não significa necessariamente que isso tenha sido causado pela vacina. Isso pode ter sido causado, por exemplo, por problemas de saúde não relacionados à vacinação".

Já o site do EudraVigilance traz a seguinte ressalva em relação às notificações espontâneas de eventos adversos:

"As informações neste site referem-se a efeitos colaterais suspeitos, ou seja, eventos médicos que foram observados após a administração das vacinas COVID-19, mas que não estão necessariamente relacionados à vacina ou tenham sido causados por ela. Esses eventos podem ter sido causados por outra doença ou estar associados a outro medicamento tomado pelo paciente ao mesmo tempo".

A informação é reforçada em troca de e-mail entre a EMA e o Comprova:

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Neste vídeo, a EMA afirma que as notificações de casos suspeitos de efeitos colaterais pós-vacinação "são, frequentemente, não relacionados à vacina".

Sobre a análise desses dados, a agência afirma que:

"A avaliação científica da EMA leva em consideração muitos outros fatores, como o histórico médico do paciente, a frequência da suspeita de reação adversa na população vacinada em comparação com a frequência na população geral e se é biologicamente plausível que a vacina possa ter causado o evento. Apenas uma avaliação detalhada de todos os dados disponíveis permite tirar conclusões robustas sobre os benefícios e riscos das vacinas covid-19".

Food and Drug Administration (FDA)

O Comprova também fez contato com a Food and Drug Administration (FDA), a agência reguladora de medicamentos norte-americana. Por e-mail, a FDA informou que técnicos da agência e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) identificaram, inicialmente, em abril de 2021, três mortes por trombose com síndrome de trombocitopenia (TTS) associada à vacina da Janssen. Os casos foram verificados em um universo de 6,8 milhões de doses aplicadas nos EUA.

A última atualização no site do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, de 31 de janeiro deste ano, aponta nove mortes por trombose com síndrome de trombocitopenia (TTS) associadas à vacina da Janssen, em um total de 18,1 milhões de doses aplicadas do imunizante. O número corresponde a 0,00005% do total de casos.

As vacinas em utilização nos EUA são a ComiRNAty (Pfizer/BioNTech), Spikevax (Moderna) e Janssen COVID-19 Vaccine.

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Assim como a EMA, o FDA e o CDC classificam as vacinas contra a covid-19 como seguras e efetivas no combate à covid-19.

O que diz a Pfizer

Procurada pelo Comprova, a Pfizer informou por e-mail estar ciente dos relatos a respeito da manifestação ocorrida em Paris, em frente ao prédio da farmacêutica, mas que não conhece as razões do ato naquele local.

Sobre mortes e reações adversas provocadas pela vacina, informou que "a Pfizer encara com muita seriedade os eventos adversos potencialmente associados à vacina ComiRNAty. A companhia acompanha de perto todos os eventos e coleta informações relevantes para dividir com autoridades reguladoras globais".

Comunicado da Pfizer

Em nota, acrescentou que "a Pfizer já distribuiu globalmente mais de 2,7 bilhões de doses da vacina ComiRNAty em mais de 168 países ao redor do mundo e não há, até o momento, qualquer alerta de segurança ou preocupação, de modo que o benefício da vacinação segue se sobrepondo a qualquer risco".

Dados no Brasil

No Brasil, a análise sobre possíveis efeitos adversos e mortes relacionadas às vacinas foi divulgada pelo Ministério da Saúde no boletim epidemiológico nº 90, de 20 de novembro de 2021. O documento cita 11 mortes relacionadas às vacinas, 0,3% das reações graves notificadas ao Ministério da Saúde até aquele momento. Os casos estão relacionados à síndrome de trombose com trombocitopenia. Do total de vítimas, oito foram vacinadas com doses da AstraZeneca e três com Janssen, conforme mostrou o Comprova.

OMS: benefícios superam os riscos

Em resposta ao Comprova, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou, por e-mail, que as vacinas contra a covid-19 são constantemente avaliadas em relação aos benefícios versus riscos.

"A observação consistente até agora, em todos os países, foi que os benefícios das vacinas superam em muito os riscos", diz a OMS.

O que dizem os autores

A equipe do Comprova entrou em contato com os autores das postagens. O homem que publicou o vídeo no TikTok, identificado como Marconi Americano, diz que recebeu o conteúdo em um grupo do WhatsApp e que repostou no TikTok. Também afirmou que não é o autor da legenda que aparece no vídeo. Marconi afirma que assim que soube das "inverdades", apagou o post.

O vídeo, de fato, foi apagado do aplicativo após o contato do Comprova. Porém, segue disponível no perfil do Facebook de Marconi com a legenda "Prédio da Pfizer cercado em Paris, o povo grita assassinos, devido às milhares de mortes e efeitos adversos das vacinas. Isso a Globo não mostra." Na publicação, o homem ainda marcou o deputado Carlos Jordy, as deputadas Carla Zambelli e Bia Kicis e o presidente Jair Bolsonaro.

O Comprova também procurou a autora do post no Facebook, Elza Elice Monfradini, mas não tivemos resposta até o momento.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham relação com a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O foco são publicações virais que têm grande alcance nas redes sociais e podem causar desinformação.

As postagens compartilhadas no TikTok e no Facebook aqui verificadas acumulavam mais de 63 mil interações nas duas redes, antes de o vídeo do TikTok ser retirado do ar pelo usuário, na tarde da última quinta-feira, 3. Embora eles mostrassem imagens de protestos que realmente aconteceram, as duas postagens enganavam ao afirmar que as pessoas se manifestaram contra mortes e reações adversas graves provocadas por vacinas. Os atos eram, na verdade, contra o passaporte vacinal.

O MonitoR7 também checou a veracidade do vídeo do protesto ocorrido em frente ao prédio da Pfizer. Publicações que questionam a segurança das vacinas são constantemente checadas pelo Comprova. Recentemente, a equipe mostrou que os efeitos adversos à vacinação são raros e os benefícios superam os riscos e que não há registro de mortes de crianças causadas por vacinas contra a covid-19 no Brasil.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

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