Samuel Lima
10 de julho de 2021 | 18h18
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro estão compartilhando no Facebook a montagem de uma jovem que segura um cartaz com termos como “acabou a mamata” e “Brasil dos sanguessugas”. As frases foram inseridas digitalmente em uma foto tirada durante um protesto de estudantes contra o governo Bolsonaro, em 2019. O cartaz real dizia: “Sem educação, já basta o presidente.”
O Estadão Verifica não conseguiu determinar a origem exata da foto ou quem seria a jovem retratada. Porém, as buscas reversas da imagem no Google mostram uma série de conteúdos publicados em 15 de maio de 2019 como sendo o registro mais antigo na internet. Políticos como a ex-senadora Marina Silva (Rede-AC) e o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) compartilharam a foto em seus perfis no Twitter.
As pessoas vão às ruas de maneira democrática e pacífica contra os cortes na educação. O presidente chama elas de “idiotas úteis”. Só reforça a necessidade de mais educação, inclusive para quem ocupa os mais altos postos da República. #tsunamidaeducação #todospelaeducação #15m pic.twitter.com/Y6oUAxgJjl
— Marina Silva (@MarinaSilva) May 15, 2019
Nessa data, milhares de estudantes, professores e outros profissionais de ensino foram às ruas de 250 cidades brasileiras questionar cortes orçamentários do Ministério da Educação (MEC), que afetaram principalmente as universidades públicas federais. Foi a primeira grande manifestação contra Bolsonaro, cinco meses depois de este assumir seu mandato como presidente da República.
O ministro da época ainda era Abraham Weintraub, cuja passagem ficou marcada por ataques contra as instituições de ensino superior e outras polêmicas. Quinze dias antes dos protestos, em entrevista ao Estadão, Weintraub havia anunciado o bloqueio de 30% nas verbas destinadas a três universidades específicas.
A justificativa veio em tom de ameaça. Segundo ele, o ministério reduziria verbas de universidades que estivessem promovendo “balbúrdia” em vez de buscar o desempenho acadêmico esperado, sem detalhar os critérios. Mais tarde, o MEC divulgou que esse bloqueio valeria para todas as instituições de ensino controladas pela pasta, como forma de ajuste das contas públicas. Em 15 de maio, o corte total chegou a R$ 1,7 bilhão, sobre 63 universidades e 38 institutos.
A foto da crítica da estudante ao governo virou um meme frequente depois disso, o que dificulta identificar o primeiro compartilhamento. Segundo reportagem do G1, a concentração do ato pela educação em 2019 ocorreu em frente ao Museu Nacional, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
Capturas do Google Maps permitem confirmar que a foto foi tirada em frente ao prédio, mas em direção ao outro lado da rua. Ao fundo, aparecem o Teatro Nacional Cláudio Santoro e as sedes da Confederação Nacional do Comércio (CNC), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que ficam na parte oposta do Eixo Monumental.
Fundo da foto é o mesmo que o do lado oposto ao Museu Nacional, em Brasília. / Foto: Reprodução Google Maps
Em relação ao conteúdo manipulado, vários elementos causam estranheza e indicam que se trata de uma montagem. Primeiro, o cartaz apresenta tonalidades diferentes em alguns locais, porque houve desleixo ao apagar as letras. Pelo mesmo motivo, as linhas erradas na borda do papel e a sobreposição nas mãos da jovem. Por fim, a frase elogiosa a Bolsonaro está escrita com uma grafia computadorizada, em vez de rabiscada à mão.
O próprio conteúdo também gera desconfiança: peças de desinformação costumam apelar para as emoções e, muitas vezes, contêm erros gramaticais, letras maiúsculas e alarmismo. O Estadão Verifica fez um compilado de dicas para ajudar a identificar e evitar espalhar boatos nas redes e também um passo a passo para fazer buscas reversas de imagens e descobrir a origem de fotos suspeitas como essa. Recebemos ainda sugestões de checagem pelo WhatsApp: (11) 97683-7490.
O conteúdo checado circula desde 2019, mas viralizou novamente nos últimos dias no Facebook. A Lupa também investigou a peça e constatou que é falsa.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.
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