Projeto Comprova
16 de setembro de 2019 | 11h02
Uma publicação que viralizou no Facebook alega, de forma enganosa, que o governo Bolsonaro liberou R$ 1,6 bilhão para a educação e R$ 1 bilhão para a Amazônia.
A postagem omite, no entanto, que o dinheiro não é do governo e que a liberação da verba para essas áreas não depende exclusivamente do presidente Jair Bolsonaro. Sem o aval da Procuradoria-Geral da República (PGR), dos presidentes da Câmara e do Senado e a homologação do Supremo Tribunal Federal (STF), a transferência de verbas para esses fins não ocorrerá. Atualmente, falta apenas o aval do STF para que a distribuição do dinheiro possa ser realizada.
A verba é proveniente de um acordo firmado entre a Petrobras e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos após as autoridades americanas apontarem violações da estatal no âmbito da Lava Jato e exigirem multa para ressarcir investidores estrangeiros que sofreram prejuízo.
Esse acordo levou a um compromisso entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Petrobras, que chegou a ser homologado pela 13ª Vara Federal em Curitiba. O termo assinado pela força-tarefa da Operação Lava Jato previa a criação de uma fundação privada para administrar os recursos. Contrária a essa forma de utilização do dinheiro, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, acionou o STF. Em março de 2019, o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão do primeiro acordo – entre a Petrobras e os procuradores do Paraná – e, no dia 5 de setembro, foi firmado um novo pacto entre diversos órgãos. O documento ainda não foi homologado por Moraes.
Conteúdo enganoso, para o Comprova, é aquele que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde ou que seja divulgado para confundir, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Esta verificação do Comprova checou informações de uma publicação da página de Facebook Presidente Jair Bolsonaro #2022. A postagem foi feita na quinta-feira, 12 de setembro.
Para esta verificação, o Comprova entrou em contato com o Ministério Público Federal (MPF), o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF). Também analisou os documentos dos acordos que levaram ao depósito do dinheiro na conta judicial e à destinação dos recursos para a Amazônia e a educação, além da movimentação processual envolvendo o fundo da Lava Jato.
Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.
É uma poupança de R$ 2,6 bilhões formada por multas pagas pela Petrobras após as investigações de corrupção na petrolífera. A força-tarefa da Lava Jato tentou usar o dinheiro para criar uma fundação privada idealizada pelos procuradores – a ideia foi criticada porque, por lei, o dinheiro de multas por corrupção deve ir para a conta da União, e não para uma entidade privada. Além disso, críticos afirmavam que o valor, caso fosse para uma fundação privada, não poderia ser fiscalizado por órgãos públicos, como o Tribunal de Contas da União (TCU).
Se o acordo for homologado pelo ministro Alexandre de Moraes da forma como está, sim. Ao todo, serão R$ 1,6 bilhão para programas da área de educação e outros R$ 1,060 bilhão para programas de preservação da Amazônia. A fiscalização deverá ser feita pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Segundo o acordo encaminhado para homologação, a divisão será a seguinte:
O presidente foi ouvido para a decisão, mas a iniciativa não é exclusiva dele. Um pedido para que parte do valor bilionário fosse para a Amazônia foi apresentado pela Câmara dos Deputados no dia 23 de agosto, devido às queimadas na região. Em manifestação ao STF três dias depois, Raquel Dodge defendeu que a sugestão fosse acatada.
O presidente Jair Bolsonaro e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Foto: Dida Sampaio/Estadão
O presidente Jair Bolsonaro concordou com a transferência do dinheiro para a Amazônia e a educação em reuniões com Dodge, segundo ela, em documentos de dois processos relacionados ao Fundo da Lava Jato. A agenda pública de Bolsonaro mostra dois encontros com a procuradora-geral da República, em 7 de maio e 22 de agosto. Questionado pelo Comprova sobre o assunto das reuniões, o Planalto não respondeu.
Por fim, a concordância foi manifestada por meio do advogado-geral da União, André Mendonça – responsável por defender os interesses do governo federal. Ele assinou o acordo que definiu onde o dinheiro seria utilizado.
O acordo do dia 5 de setembro não determina de que forma será feita a transferência do dinheiro para a União nem menciona prazos. Segundo o STF, essas informações dependem da homologação por Alexandre de Moraes. Ao ministro, no dia 10 de setembro, Mendonça defendeu que o destino dos recursos seja a conta única do Tesouro Nacional.
O fundo foi criado a partir de um acordo entre a Petrobras e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (equivalente ao Ministério da Justiça). O governo norte-americano processou a Petrobras porque a estatal perdeu valor de mercado e trouxe prejuízo a investidores estrangeiros devido aos sucessivos escândalos descobertos pela Operação Lava Jato. Segundo o Departamento de Justiça, a Petrobras violou a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA, na sigla em inglês, traduzido como “Lei de Práticas Corruptas Estrangeiras”).
No acordo, a Petrobras se comprometeu a pagar uma multa, demitir de seu quadro de funcionários investigados pela Lava Jato até a data do acordo e manter padrões de compliance reconhecidos pelas autoridades americanas. Em troca, o Departamento de Justiça se comprometeu a não processar a petrolífera criminalmente ou na área cível.
As multas pela violação da FCPA ficaram estimadas em cerca de US$ 853 milhões, dos quais 10% (US$ 85,3 milhões) iriam para o Tesouro dos Estados Unidos, outros 10% (US$ 85,3 milhões) para a Comissão de Valores Mobiliários norte-americana (SEC, na sigla em inglês), e o restante, estimado em US$ 682 milhões, seriam destinados ao Brasil. Este último equivale a R$ 2,6 bilhões e representa o dinheiro do Fundo da Lava Jato, citado na publicação analisada pelo Comprova.
A verba foi depositada em janeiro em conta vinculada à 13ª Vara Federal de Curitiba. O Ministério Público Federal (MPF) sugeriu criar uma fundação privada para aplicar os recursos em projetos de saúde, educação e meio ambiente, mas a iniciativa foi criticada por não permitir a fiscalização de órgãos públicos. O dinheiro, então, foi bloqueado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que proibiu qualquer movimentação de valores sem autorização da Corte.
A criação da fundação estava prevista no acordo homologado na 13ª Vara Federal de Curitiba e, segundo a força-tarefa da Lava Jato, foi a alternativa encontrada porque os procuradores não concordaram em destinar os recursos para o fundo federal de direitos difusos (dinheiro na conta do Ministério da Justiça que financia projetos sociais), para a União ou para outras entidades. No dia 12 de março, foi anunciado que a instituição da organização seria suspensa, após a ação de Raquel Dodge no STF.
O procurador da República Deltan Dallagnol durante anúncio das ’10 Medidas Contra a Corrupção’, em 2015. Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino (20/03/2015)
Ao STF, a procuradora-geral da República afirmou que a criação de uma fundação do Ministério Público com dinheiro da multa da Petrobras era ilegal e contrariava o princípio da impessoalidade por parte dos promotores. Abaixo, a íntegra da ação.
No dia 1º de abril, o procurador Deltan Dallagnol afirmou que a fundação seria da sociedade civil. “Teria uma cadeira do MP lá. O modelo foi o fundo federal dos direitos difusos, que tem uma cadeira do MP, e o objetivo dessa cadeira era permitir uma fiscalização maior e esperar que a estrutura de gestão desse fundo. Agora, seria uma cadeira de 10, 20 pessoas que teriam no conselho curador. Essa fundação não é do MP, não é da Lava Jato, não seria administrada pela Lava Jato, os recursos não iriam para o MP ao contrário do que originalmente se colocou”.
A íntegra do acordo entre a Petrobras e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos pode ser consultado aqui. A proposta de uso do fundo para posterior fundação da Lava Jato está aqui.
Notícias divulgadas por diversos veículos de imprensa – como o portal jurídico ConJur, a Folha de S.Paulo, revista Veja e o jornal O Globo – já mencionavam um acordo para destinação de verbas da Lava Jato para educação e meio ambiente. São mencionados dois processos no STF: ADPF 568 e a Rcl 33667. Ambos tratam da criação do fundo bilionário da Lava Jato, criado pelos procuradores de Curitiba, para a instituição de uma fundação privada de promoção ao combate à corrupção.
Em ambos os processos, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, se manifestou pela transferência dos valores para programas ligados à educação e ao meio ambiente.
O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.
A publicação original na página Presidente Jair Bolsonaro #2022 tinha, no dia 13 de setembro, 390 reações e mais de 660 compartilhamentos.
A checagem acima foi publicada pelo Projeto Comprova, uma coalizão de 24 veículos de mídia, formada com o objetivo de combater a desinformação sobre políticas públicas federais. No ano passado, a iniciativa verificou alegações enganosas durante o período eleitoral. Você pode sugerir checagens por meio do número de WhatsApp (11) 97795-0022.
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