Postagem distorce texto de jornal americano sobre resultados da economia brasileira

'Wall Street Journal' destacou alta do PIB do País, mas não citou números de criminalidade nem construção de fábrica de vacinas

PUBLICIDADE

Por Victor Pinheiro
Atualização:

Uma publicação viral no Facebook e no WhatsApp distorce a reportagem de capa do jornal norte-americano The Wall Street Journal para exaltar o governo Bolsonaro. Publicada na edição de 2 de junho, o texto destaca o crescimento de 1,2% da economia brasileira no primeiro trimestre de 2021, em relação aos três últimos meses do ano passado, e cita que o resultado conduziu o PIB do País a um patamar anterior à pandemia de covid-19.

Leitores solicitaram a checagem deste conteúdo por WhatsApp, 11 97683-7490.

 Foto: Estadão

PUBLICIDADE

Ao contrário do que sugere o boato, a matéria não cita queda da criminalidade "aos níveis mais baixos da história", lucros de estatais, avanços em obras de infraestrutura ou a construção de uma fábrica de vacinas no Rio de Janeiro. 

O artigo do The Wall Street Journal atribui a taxa de crescimento econômico aos impactos do auxílio emergencial, ao desempenho do setor agrícola e ao relaxamento de medidas restritivas de combate à pandemia. A reportagem menciona a safra recorde de soja no primeiro bimestre do ano. Segundo a reportagem, a flexibilização do distanciamento social favoreceu o consumo, às custas da saúde pública no País. "Enquanto brasileiros lotam shoppings e bares, cerca de 77 pessoas ainda morrem de covid-19 a cada hora no País. Mais de 460 mil brasileiros já morreram da doença, até o momento", diz o texto. 

Capa do Wall Street Journal de 2 de junho de 2021 retirada do portal de vendas do site do veículo norte-americano (Imagem: The Wall Street Journal). Foto: Estadão

A reportagem lembra que a economia brasileira encolheu 4% no ano passado, em relação a 2019, mas que o desempenho foi melhor que o de outros países, como México e Argentina. A previsão de economistas, segundo o jornal, é que o PIB brasileiro sofra uma variação negativa no segundo trimestre de 2021, se comparado ao primeiro. Isso porque Estados voltaram a endurecer medidas de distanciamento social entre março e abril deste ano, devido ao crescimento no número de mortes por covid

O artigo afirma ainda que há expectativas de recuperação no segundo semestre do ano, "à medida que o programa de vacinação do Brasil avança lentamente e mais atividades podem ser retomadas".

Lucros de estatais

Publicidade

Além de distorcer a matéria publicada pelo jornal americano, o conteúdo viral analisado pelo Estadão Verifica apresenta informações exageradas e fora de contexto. Uma delas é a alegação de que "Estatais [estão] dando lucros jamais vistos". 

Em 2019, um balanço apresentado pelo Ministério da Economia indicou que as principais estatais brasileiras sob o comando do Governo Federal apresentaram juntas um resultado líquido de R$ 109,1 bilhões no ano. O valor marcou o melhor desempenho financeiro das empresas desde 2008. 

As estatais já tinham registrado resultados positivos nos três anos anteriores. Por outro lado, um levantamento da consultoria Economatica indicou que o lucro das três principais estatais federais (Banco do Brasil, Petrobras e Eletrobrás) no segundo trimestre de 2019, especificamente, foi o maior da história. 

O último balanço publicado pelo governo federal se refere ainda ao primeiro trimestre de 2020. Uma reportagem da Folha de S. Paulo, publicada em março deste ano, indica que a pandemia derrubou o lucro das empresas públicas no ano passado, para cerca de R$ 60 bilhões. 

PUBLICIDADE

Fábrica de vacinas, criminalidade e grãos

A fábrica de vacinas mencionada na publicação do Facebook remete a um empreendimento da Fiocruz, cujo edital para construção foi publicado em fevereiro deste ano. De acordo com um artigo divulgado pela instituição, o Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (CIBS) será construído em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, e terá capacidade de produção estimada em 120 milhões de frascos de vacinas e biofármacos ao ano. "Em doses, a capacidade irá variar conforme o mix de produtos, podendo ser superior a 600 milhões de doses/ano", afirma o texto da Fiocruz.

As obras, no entanto, ainda estão longe de ser concluídas. A construção do estabelecimento deve ser iniciada na segunda metade de 2021, com a conclusão prevista em um prazo de quatro anos.

Publicidade

Sobre o recorde de grãos mencionado no post analisado, um levantamento divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em setembro, indica que a safra brasileira de grãos bateu recorde no período 2019/2020, com 257,8 milhões de toneladas. Em abril deste ano, a Conab divulgou estimativas de mais um recorde para o período 2020/2021, com uma produção esperada de 273,8 milhões de toneladas. 

A postagem afirma que a criminalidade despencou "aos níveis mais baixos da história", mas omite informações de contexto importantes. Um levantamento do Monitor da Violência do portal de notícias G1 mostrou que o número de assassinatos no Brasil caiu 19% em 2019, a menor taxa da série histórica da pesquisa, iniciada em 2007. A mesma análise identificou um crescimento de 5% no número de assassinatos em 2020.

Uma matéria do Projeto Comprova em parceria com o Estadão Verifica mostrou que, apesar das quedas nos números de mortes violentas no primeiro ano de gestão Bolsonaro, não é possível atribuir o declínio a ações de curto prazo do atual governo. Especialistas destacaram que os resultados de políticas públicas de segurança estão geralmente associados a ações nos âmbitos estaduais e municipais e o efeito de medidas neste setor não costuma ser imediato. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.