Motociata com Bolsonaro não rendeu R$ 52 milhões em ICMS ao governo de São Paulo

Também não é verdade que o Ministério Público multou um dos organizadores do evento em R$ 2 milhões; informações estão em um vídeo postado por pastor e influenciador bolsonarista

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Por Daniel Tozzi Mendes
Atualização:

A motociata organizada por simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro em junho de 2021 em São Paulo não gerou receita de R$ 52 milhões em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ao Estado. Também não é verdade que um dos organizadores do evento, o pastor Jackson Vilar, tenha sido multado em R$ 2 milhões pelo Ministério Público (MP). Esse valor, na verdade, se refere ao total aplicado a todos os envolvidos na organização. 

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As informações erradas estão em um vídeo postado em redes sociais do próprio Jackson Vilar no último dia 25 de janeiro. Só no Facebook a postagem já ultrapassou 1,2 milhões de visualizações. No vídeo, o pastor afirma que a multa do Ministério Público teria sido uma ordem do governador de São Paulo, João Doria, e que o evento teria dado "lucro de R$ 52 milhões para o Estado de São Paulo", referindo-se à arrecadação com ICMS. Ele não detalha quais produtos ou serviços consumidos levaram a essa arrecadação. 

Estimativas de ganhos milionários com a motociata, seja por parte de comerciantes e prestadores de serviço ou da arrecadação do governo estadual com impostos, estão baseadas em números inflados e irreais de participantes do evento. O número de veículos na motociata foi de aproximadamente 6.600, o que é incompatível com arrecadação de 52 milhões em ICMS, seja quais forem os produtos ou serviços consumidos.  Para que o valor fosse atingido, cada moto deveria ter gerado receita de quase R$ 8 mil.

Em relação à multa direcionada ao pastor, ela de fato aconteceu, mas foi de pouco mais de R$ 227 mil, e não de R$ 2 milhões, conforme ação assinada pela Promotoria de Justiça do MP-SP. A justificativa foi o dano social causado pelos organizadores do evento, que na ocasião desrespeitaram medidas sanitárias e incentivaram aglomerações.

Documento

Ação Civil MP-SPPDF

Arrecadação e custos da motociata

O ICMS é um imposto que incide indiretamente sobre os preços para o consumidor final de mercadorias em geral e alguns serviços. A arrecadação fica com os Estados, e as alíquotas variam de acordo com cada produto e serviço, conforme a legislação de cada unidade da federação. 

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Após a motociata, postagens que afirmavam que o evento "gerou lucro" calcularam valores de arrecadação a partir de uma estimativa falsa do número de participantes. Uma publicação checada em junho de 2021 pelo projeto Comprova, por exemplo, fez um cálculo levando em consideração que 400 mil pessoas participaram da motociata e que cada uma delas consumiu cerca de R$ 100, fazendo com que a "geração de renda" fosse de R$ 40 milhões. 

O sistema de pedágio da rodovia dos Bandeirantes em um trecho por onde a motociata passou, no entanto, contabilizou a participação de apenas 6.661 veículos no evento. Ainda que fosse possível confirmar que em cada moto havia duas pessoas e que cada um desses participantes gastou, em média, R$ 100 em produtos e serviços, o consumo seria de aproximadamente R$ 1,3 milhão. Como as alíquotas de ICMS em produtos e serviços representam apenas parte do valor final pago pelo consumidor, a arrecadação com esse imposto seria bem inferior a R$ 1,3 milhão. 

Além disso, conforme informou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, foram gastos mais de R$ 1,2 milhão com o reforço do policiamento para a organização da motociata. Na oportunidade, 1.433 policiais atuaram nas medidas de deslocamento dos manifestantes ao longo do trajeto. Cinco aeronaves, dez drones e cerca de 600 viaturas da Polícia Militar de São Paulo também participaram da operação. 

Multa aos organizadores

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No dia 10 de janeiro de 2022 o Ministério Público paulista entrou com uma ação civil pública contra 13 organizadores da motociata em São Paulo. Além de Jackson Vilar, foram denunciados pelo MP-SP nomes como o do ex-ministro da Agricultura Ricardo Salles e do empresário Tomé Abduch. 

De acordo com o MP-SP, a ação se baseia no fato de que os organizadores não estavam apenas desrespeitando as medidas sanitárias então em vigor no estado de São Paulo (como a obrigatoriedade do uso de máscaras e a proibição de aglomerações), mas também incentivando outras pessoas a fazerem o mesmo. "A prática dos requeridos era e ainda é absolutamente inadmissível diante dos efeitos da pandemia que assolou e ainda assola o Estado, configurando-se como grave ato ilícito em desfavor da população paulista, por isso, sendo merecedor de reparação por danos sociais", escreveu o MP-SP. 

Os valores das multas tinham como base o custo diário de uma internação em leito de UTI exclusivo para a Covid-19 segundo o MP-SP (R$ 2.272,76), e variaram de acordo com o tipo de participação dos acusados. O valor da multa direcionada a Jackson Vilar e mais dois participantes foi de R$ 227.276,00. Já para o ex-ministro Ricardo Salles foi o dobro: R$ 454.552,00. Outras nove pessoas apontadas como organizadoras da motociata receberam multas de R$ 113.638. O valor total das infrações aplicadas foi de R$ 2.159.122,00.  O Ministério Público não está subordinado ao governador, ou seja, a determinação não partiu de João Doria.

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