Não, Marco Aurélio Mello não escreveu texto que acusa ministros do STF de 'ameaçar a democracia'

Ex-ministro negou autoria de mensagem que circula no WhatsApp com ataques a Supremo, imprensa e partidos políticos

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Por Victor Pinheiro e Alessandra Monnerat
Atualização:

Circula no WhatsApp um texto falsamente atribuído ao ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello. A mensagem afirma que o presidente Jair Bolsonaro nunca fez ameaças à democracia e argumenta que, na realidade, quatro instituições são antidemocráticas: o STF, os partidos políticos, a imprensa e a "sociedade civil organizada". Não há qualquer registro que o ex-ministro tenha escrito a corrente compartilhada no WhatsApp, ou qualquer outro artigo nesse teor. Ao Estadão Verifica, Marco Aurélio negou ser o autor da mensagem.

Leitores pediram a checagem desse conteúdo por WhatsApp, (11) 97683-7490.

Marco Aurélio Mello, em foto de 2020. Foto: Dida Sampaio/Estadão

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O texto diz que Bolsonaro nunca "prendeu jornalistas" nem fez "pressão econômica", por isso não poderia ser considerado antidemocrático. Adiciona que os apoiadores do presidente nunca "explodiram bombas" ou "mataram inocentes", dessa forma não poderiam ser acusados de atentar contra a democracia. A mensagem faz críticas ao Judiciário, à CPI da Covid e ao consórcio de veículos de imprensa que reúne dados sobre casos e mortes de coronavírus. Ao final, propõe uma "solução" -- ela mesma antidemocrática --, a cassação e substituição dos 11 ministros do STF.

A mensagem chega a citar o próprio Marco Aurélio, em terceira pessoa. A corrente menciona um comentário do ex-ministro dito durante entrevista ao jornal GaúchaZH, em agosto de 2020. "Como já disse em sessão, do caso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o STF está sendo utilizado pelos partidos de oposição para fustigar o governo. Isso não é sadio. Não sei qual será o limite", afirmou.

O magistrado se referia a uma decisão do STF de 13 de agosto de 2020, que impôs limites à atuação da Abin em relação ao compartilhamento de informações com os 42 órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) - entre eles a Polícia Federal, a Receita Federal, o Banco Central e a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça. A maioria dos ministros entendeu que o divisão de dados só deveria ocorrer quando estivesse evidenciado o interesse público.

Marco Aurélio foi o único voto contrário. "Não nos cabe imaginar, não nos cabe, para voltar a jargão carioca, ver chifre em cabeça de cavalo", comentou na ocasião.

A decisão do STF foi motivada por uma ação dos partidos Rede Sustentabilidade e PSB. Isso depois que Bolsonaro anunciou mudanças na estrutura da Abin, com mais cargos de confiança e uma nova unidade, o Centro de Inteligência Nacional. O julgamento ocorreu em meio à repercussão de um dossiê elaborado pela Seopi contra opositores do governo federal que se intitulam "antifascistas". Na época, falou-se de uma "Abin paralela" para atender o presidente.

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Sobre o assunto, Marco Aurélio disse a GaúchaZH: "Dossiê antifascista soa mal. O governo estaria dando um tiro no pé? Admitindo ser fascista?"

Em 20 de agosto, o Tribunal se debruçou novamente sobre o tema. Os ministros decidiram suspender todo e qualquer ato do Ministério da Justiça de produção ou compartilhamento de informações sobre cidadãos "antifascistas". Pelo entendimento da maioria, a pasta, então comandada pelo ministro André Mendonça, ficou proibida de levantar dados sobre a vida pessoal, escolhas pessoais ou políticas e práticas cívicas exercidas por opositores ao governo Bolsonaro que "atuam no limite da legalidade". Marco Aurélio, novamente, foi o único que se posicionou contra. 

Participação de Bolsonaro em atos antidemocráticos

Desde o ano passado, Bolsonaro participou de diversas manifestações antidemocráticas, em que apoiadores pediam o fechamento do Congresso e do STF e intervenção militar. No último 7 de setembro, essa postura se radicalizou ainda mais e, em discurso em ato na Avenida Paulista, o presidente desferiu ataques ao ministro do Supremo Alexandre de Moraes.

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"No nosso Supremo Tribunal Federal um ministro ousa continuar fazendo aquilo que nós não admitimos, um ministro que deveria zelar pela nossa liberdade, pela democracia, pela Constituição e faz exatamente o contrário. Ou esse ministro se enquadra ou ele pede pra sair", disse Bolsonaro.

O presidente do STF, ministro Luiz Fux, respondeu ao presidente no dia seguinte, afirmando que "ninguém fechará esta Corte". "O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do Chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional", afirmou.

Em entrevista à CNN, Marco Aurélio elogiou o discurso de Fux. Disse que o ministro "honrou o Supremo e o Judiciário" e sublinhou a necessidade de "temperança" por parte de Bolsonaro.

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Dois dias depois, ele ensaiou um recuo e, com auxílio do ex-presidente Michel Temer, divulgou nota em que afirmava que as ofensas a Alexandre foram feitas no "calor do momento" e que não teve "nenhuma intenção e agredir quaisquer dos Poderes".

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