PUBLICIDADE

Justiça determina retirada de checagem sobre a pandemia a pedido de senador

Marcos Do Val (Podemos-ES) fez postagem sobre o médico Drauzio Varella que foi considerada enganosa por coalizão que combate desinformação em redes sociais

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

A Justiça do Espírito Santo acolheu pedido do senador Marcos Do Val (Podemos-ES) e determinou a retirada do ar de uma checagem realizada pelo Projeto Comprova, coalizão de 28 veículos para verificação de desinformação nas redes sociais, coordenada pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). A checagem concluiu que uma postagem do senador era enganosa pois mostrava trechos fora de contexto de uma fala do médico Drauzio Varella de modo a sugerir ironicamente que ele minimizasse a gravidade da crise sanitária. O post enganava ao não informar que o vídeo era antigo e que o médico não só assumiu ter subestimado a doença, como alterou seu posicionamento.

Marcos Do Val (Podemos-ES) alega que a checagem feriu a sua honra. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

PUBLICIDADE

O conteúdo foi publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, pelo portal UOL e pela emissora SBT. Na ação contra a Folha, única que já chegou à fase de sentença, o juiz Rodrigo Cardoso Freitas, da 5ª Vara Cível de Vitória, acatou a argumentação da defesa de que a publicação da checagem teria ofendido a imagem e a honra do autor. Ele determinou a retirada da checagem do ar, publicação de retratação e que o jornal se abstenha de republicar o texto ou outro conteúdo semelhante.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) criticou a decisão judicial nesta quinta-feira, 25. Por meio de nota, a entidade disse que "espera que decisão do juiz do Espírito Santo seja revista, pois fere o princípio constitucional da liberdade de imprensa. A ANJ assinala ainda que o trabalho de checagem dos fatos feito pelo Projeto Comprova, assim como outras iniciativas similares, é fundamental no combate aos males da desinformação e deveria ser valorizado e não punido pelas instituições do país.

O uso de conteúdos verdadeiros, mas usados fora de contexto para provocar interpretações diferentes das de seu autor, é algo corriqueiro ao se disseminar desinformação, explica o editor do Comprova, Sérgio Lüdtke. "No caso da postagem do senador, ela tem o poder de confundir as pessoas sobre o comportamento esperado diante dos riscos de contágio. E isso se dá num momento crucial da pandemia em que a população necessita de informação correta e confiável. A autoridade e a capacidade de influência de um senador da República podem dar autenticidade a conteúdos enganosos", completa.

O Projeto Comprova verifica conteúdos suspeitos de serem enganosos ou deliberadamente falsos que tratam de políticas públicas. A terceira edição do projeto, encerrada em mar.2021, verificou boatos sobre a pandemia de covid-19 e a vacinação. Foram analisadas informações compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens, segundo critérios de alcance e importância do tema no debate público.

Conteúdos postados por representantes eleitos têm maior visibilidade e muito poder de viralização. A postagem do senador Do Val aumentou seu compartilhamento em sete vezes desde a publicação da checagem. "Mas, mesmo avisado da descontextualização do vídeo pelo Comprova e por pessoas nos comentários, o senador manteve a publicação", nota Lüdtke.

No processo, a defesa do parlamentar sustentou que a verificação teve o intuito de difamar a imagem dele, afirmando que sua intenção com o vídeo seria a de enganar os cidadãos. Alegou ainda que os veículos teriam ultrapassado os limites da liberdade de expressão ao publicar insultos e praticar crimes contra sua honra. 

Publicidade

Já a defesa da Folha de S.Paulo rebateu dizendo que os jornalistas contataram a assessoria do médico e do político, seguindo padrões de diligência na checagem. Os advogados disseram que a etiqueta "enganosa", atribuída à publicação, diz respeito ao conteúdo e não é julgamento sobre a honra ou má-fé de quem a compartilhou. 

A defesa do jornal argumentou ainda que ao ordenar a abstenção de conteúdo semelhante, o juiz estabeleceu censura prévia, prática vedada pela Constituição. Os advogados reforçaram ainda o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a liberdade de expressão tem sempre posição preferencial quando em conflito com direitos da personalidade, como honra e imagem, por exemplo. 

A assessoria de Marcos Do Val disse que antes de acionar a Justiça, solicitou ao jornal uma retratação e direito de resposta por meio de notificação extrajudicial, mas que não foi atendido. Reiterou ter tido sua honra atingida e que jamais tentou cercear a liberdade de imprensa. "O pedido foi apenas para retirada da matéria e retratação, sem qualquer caráter indenizatório. Não deveria ser causa de espanto um cidadão pedir auxílio ao Poder Judiciário quando se entende injustiçado", afirmou.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) criticou a decisão judicial nesta quinta-feira, 25. Por meio de nota, a entidade disse que "espera que decisão do juiz do Espírito Santo seja revista, pois fere o princípio constitucional da liberdade de imprensa. A ANJ assinala ainda que o trabalho de checagem dos fatos feito pelo Projeto Comprova, assim como outras iniciativas similares, é fundamental no combate aos males da desinformação e deveria ser valorizado e não punido pelas instituições do país.

PUBLICIDADE

Projeto Ctrl-X

Os pedidos de retirada de conteúdo não são uma novidade no Judiciário brasileiro. A Abraji, por meio do projeto Ctrl-X, registrou de 2014 até o momento 5.368 processos judiciais em que é solicitada a retirada de alguma publicação das redes sociais ou de algum meio de comunicação. 

Em 77% dos processos incluídos na base de dados do projeto, a principal alegação apresentada é de difamação ou outra ofensa à honra, semelhante ao que foi argumentado pelos advogados do senador Marcos do Val. Além disso, os integrantes da classe política são os  principais autores desses pedidos, com 3.201 processos contabilizados.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.