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Comentarista da Jovem Pan cita mortes de adolescentes para desencorajar imunização, mas dois deles nem sequer haviam sido vacinados

Em vídeo visto 1 milhão de vezes, Cristina Graeml reproduz casos tirados de contexto nas redes sociais e também desinforma ao falar falsidades sobre bula da Pfizer

Por Pedro Prata e Alessandra Monnerat
Atualização:

Em vídeo com mais de 1 milhão de visualizações no YouTube, a comentarista Cristina Graeml, do programa Os Pingos nos Is, da Jovem Pan, cita cinco casos de adolescentes que morreram recentemente, numa tentativa de lançar dúvidas sobre a segurança da vacina contra a covid-19. Porém, das mortes citadas por ela, duas eram de adolescentes que nem sequer tinham sido imunizados; uma teve a relação com a vacina descartada pelas autoridades sanitárias; e as outras duas seguem sob investigação, sendo prematuro levantar hipóteses.

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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que "não existem óbitos de adolescentes com relação de causa comprovada relacionada à vacina da Pfizer". As secretarias de Saúde dos Estados em que os jovens morreram também confirmaram que não há relação comprovada com a imunização.

A Anvisa, responsável pela aprovação de vacinas e pelo acompanhamento da aplicação na população, investiga todos os casos de eventos adversos graves reportados. Os técnicos comparam, por exemplo, cada caso com notificações semelhantes no País e no exterior, bem como consulta os estudos disponíveis, laboratórios fabricantes e a equipe responsável pelo atendimento do paciente.

O órgão disse que não pode confirmar as identidades dos adolescentes citados porque "nem sempre o nome do paciente está descrito na notificação" e porque é um dado pessoal. De toda forma, não há confirmação de mortes de adolescentes relacionadas à vacina contra covid.

Vídeo com informações falsas sobre vacina tem mais de 1 milhão de visualizações no YouTube. Foto: Reprodução/YouTube

O Estadão Verifica também consultou as secretarias estaduais de Saúde de Bahia, Santa Catarina e São Paulo. Nos dois primeiros Estados, os adolescentes que morreram não tinham tomado nenhuma vacina contra a covid-19. Essa informação está de acordo com manifestações de familiares e de pessoas próximas às vítimas nas redes sociais ou na imprensa local.

Em São Paulo, um dos casos citados já teve relação causal com a vacina descartada pela Anvisa, pela secretaria estadual e pelo Ministério da Saúde. Os outros dois casos seguem sob investigação.

No comentário nos Pingos nos Is, Cristina diz que "todos eles (adolescentes que morreram) com relatos de que tinham se vacinado no máximo uma ou duas semanas antes" -- o que não é verdade. Em seguida, ela questiona: "Morreram por causa da vacina? Não se sabe, precisa investigar". O Estadão Verifica procurou a comentarista, mas não obteve resposta até a publicação.

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A seguir, o Estadão Verifica informa a apuração de caso a caso. Como as vítimas são menores de idade, apenas o primeiro nome de cada uma será utilizado.

Dois adolescentes não tinham tomado vacina

A comentarista cita a morte de Julia, de 15 anos, em Blumenau (SC). Por e-mail, a Secretaria de Saúde de Santa Catarina falou ao Estadão Verifica que "a informação é de que a adolescente foi a óbito por parada cardíaca". Esclarece ainda que ela não havia tomado a vacina contra a covid-19.

A página Obituário Santa Catarina informou que a adolescente morreu em 14 de setembro em Blumenau, Santa Catarina. Ela tinha 15 anos. A cidade só abriu os agendamentos para imunização dessa faixa etária no dia 21 -- sete dias após a morte. Apesar disso, adolescentes com comorbidades já podiam ser vacinados antes.

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Nas redes sociais, uma colega postou uma mensagem de homenagem e despedida a Julia. O post recebeu perguntas de outros usuários questionando se ela havia sido vacinada, ao que a menina respondeu: "Ela não chegou a tomar a vacina."

Outro jovem citado pela comentarista também não tinha tomado a vacina ainda. Nilmar, de 15 anos, passou mal e morreu no Colégio Estadual José de Freitas Mascarenhas em 16 de setembro, segundo o portal Camaçari Fatos e Fotos. O site local publicou que houve especulação sobre a vacina, mas a família informou que o jovem não tinha se vacinado. A Secretaria de Saúde da Bahia confirmou ao Estadão Verifica que investigou o caso e concluiu que "o adolescente teve morte súbita" sem relação com o imunizante porque ele "não havia se vacinado".

A faixa etária de Nilmar só foi chamada para receber o imunizante no dia 18 do mesmo mês -- dois dias após da morte. Nesse caso, adolescentes com comorbidades também já estavam sendo vacinados.

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Investigação de casos em São Paulo está em andamento

A comentarista da Jovem Pan cita três casos no Estado de São Paulo. Um deles, ocorrido em São Bernardo do Campo, já teve a relação causal com a vacina descartada pela Secretaria de Estado de Saúde, pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde, como mostrou o Projeto Comprova.

Sobre os outros dois casos, a Secretaria de Saúde informou ao Estadão Verifica que "não há comprovação de relação da vacina aos óbitos dos jovens de Marília e Jaú, até o momento".

Um dos casos é do adolescente João, de 16 anos, morador de Marília, encontrado morto em casa no dia 21 de setembro. Ele havia tomado a primeira dose do imunizante da Pfizer quase um mês antes, no dia 26 de agosto.

O Estadão Verifica entrou em contato com uma familiar, que informou que o primeiro laudo foi inconclusivo e que a família aguardava uma segunda análise. Ela reclamou da exposição do caso nas redes sociais. "O que ela (a comentarista) dá a entender é que a morte dele foi causada pela vacinação", disse por telefone. "O fato é que a gente desconhece a causa da morte."

O outro caso é de Samuel, de 13 anos, em Jaú. A página Atenção Jaú & Região informou que ele faleceu em 19 de setembro de infarto. A data da morte é a mesma que aparece na página da Funerária Jauense.

O site MonitoR7, iniciativa de verificação de fatos do site R7, da Record, entrou em contato com a secretaria de saúde da cidade. O órgão informou que "foi descoberto que o garoto sofria, desde a infância, de outros problemas de saúde" e que até o momento não há relação da vacina com o óbito. O menino foi vacinado em 25 de agosto, mais de três semanas antes da morte.

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Comentarista passa falsas informações sobre bula de imunizante

Cristina Graeml alega que a Pfizer não recomenda em bula a vacina contra covid para menores de 16 anos. Isso é falso, porque a Anvisa alterou a faixa etária do imunizante a partir de um pedido da própria farmacêutica.

Para isso, a Pfizer apresentou os resultados de estudos de segurança e eficácia na faixa dos 12 aos 15 anos. A Anvisa aprovou o imunizante da norte-americana para essa faixa etária em 11 de junho de 2021.

Os resultados mostram que o imunizante é seguro e eficaz também para esse grupo. Com essa decisão, a bula da Pfizer -- disponível aqui -- passou a recomendar a vacina para pessoas a partir de 12 anos.

A comentarista também diz erroneamente que "a bula da vacina sequer cita casos de miocardite, que são raros, mas que já estão confirmados em pesquisas". Novamente consultando a bula, é possível constatar que o documento alerta que casos "muito raros" de miocardite e pericardite foram relatados após vacinação com o imunizante. Os casos ocorreram geralmente em homens jovens e em até 14 dias após a segunda dose.

"Geralmente são casos leves e os indivíduos tendem a se recuperar dentro de um curto período de tempo após o tratamento padrão e repouso", diz a bula. O texto recomenda que as pessoas que tomarem a vacina fiquem atentas para sinais como falta de ar, palpitações e dores no peito e que procurem atendimento médico imediato, caso ocorram.

Essa informação não é uma novidade. A relação entre as vacinas e os casos de miocardite foi encontrada inicialmente pelo órgão regulador dos Estados Unidos, a Food and Drugs Administration (FDA). Diante desses casos, a Anvisa alertou a população e acrescentou essa informação na bula do imunizante. "A Anvisa ressalta que mantém a recomendação de continuidade da vacinação com a vacina da Pfizer, dentro das indicações descritas em bula, uma vez que, até o momento, os benefícios superam os riscos."

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