PUBLICIDADE

É falso que gráficos de apuração mostrem fraude nas eleições no Brasil

Para especialistas, comportamento dos gráficos é normal e se explica por velocidade de apuração da eleição no Brasil; no primeiro turno, 'virada' de Lula ocorreu com 66,67% de urnas apuradas e no segundo, com 67,76%

Por Clarissa Pacheco
Atualização:

É falso que os gráficos de apuração dos votos no primeiro e no segundo turno das eleições presenciais no Brasil indiquem que houve fraude. Nas redes sociais, usuários compartilharam imagens dos gráficos de apuração nos dias 2 e 30 de outubro e apontam, sem qualquer evidência, que o fato de a virada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre Jair Bolsonaro (PL) ter acontecido em momentos parecidos nos dois turnos indica manipulação.

Especialistas ouvidos pelo Estadão Verifica rejeitam a tese e apontam que isso não prova qualquer fraude nos resultados. Estatísticos defendem que o ponto da virada tanto pode ser interpretado como uma coincidência, como se explica pela velocidade de apuração dos votos no Brasil e pela forma como os votos são totalizados: não por grandes blocos de estados, e sim por urna.

 Foto: Estadão

PUBLICIDADE

Em posts no Facebook e Instagram, apoiadores do atual presidente apontam que Lula ultrapassou Bolsonaro no último dia 30 de outubro no mesmo momento em que o fez no primeiro turno, quando 70% das urnas estavam apuradas. Não é bem assim. No primeiro turno, logo que as urnas foram abertas, às 17h, Bolsonaro saiu na frente, com 48,6% dos votos válidos. No mesmo momento, Lula tinha 41,54% dos votos.

Bolsonaro manteve a frente até as 20h, quando 66,67% das urnas estavam apuradas. Foi nesse momento que o candidato do PT ultrapassou o atual presidente e assumiu a liderança com 45,74% dos votos válidos, contra 45,51% para Bolsonaro. Lula manteve a frente e abriu vantagem. Quando a apuração se encerrou, o petista tinha 48,43% dos votos válidos, enquanto Bolsonaro tinha 43,20%, com uma diferença de pouco mais de 6,1 milhões de votos.

Já no segundo turno, quem saiu na frente da disputa foi o candidato Lula, com 57,3% dos votos, contra 42,7% para Bolsonaro. Lula manteve a posição apenas até 17h07, e na atualização seguinte, Bolsonaro passou a frente com 54,78% dos votos válidos, contra 45,22% para o candidato do PT. O atual presidente ampliou a vantagem até as 17h16, quando a diferença começou a cair. Lula passou novamente à frente às 18h44, ficando com 50,01% dos votos, contra 49,99% para Bolsonaro. Neste momento, 67,76% das urnas estavam apuradas.

A partir daí, Lula manteve a frente e conseguiu ampliar ligeiramente a vantagem sobre o adversário até o final da apuração, que deu a vitória ao petista por 50,9% dos votos contra 49,1% para Bolsonaro. No segundo turno, Lula obteve 60.345.999 votos, pouco mais de 2,1 milhões a mais do que o atual presidente. Embora a diferença de percentual entre eles tenha diminuído, o petista conquistou 3 milhões de votos a mais do que no primeiro turno.

Gráfico não é sinal de fraude

Publicidade

O Estadão Verifica conversou com Neale El-Dash, fundador e diretor metodológico do Polling Data e doutor em Estatística pela Universidade de São Paulo (USP). Ele explica que o comportamento dos gráficos é esperado e não mostra nenhum tipo de fraude. "O gráfico começa com um desbalanço porque depende da hora e de como chegam as urnas para ser apuradas, e depois vai entrando em equilíbrio. O comportamento em si é totalmente esperado, não mostra nada de fraude. Com ou sem 'fraude', esse comportamento dos gráficos seria o mesmo. Com relação ao ponto que de um ultrapassar o outro, eu não vejo nada demais, apenas uma grande coincidência", explica.

El-Dash chama a atenção para o fato de que, se existisse uma fraude, os responsáveis por ela poderiam induzir qualquer tipo de comportamento no gráfico de apuração. "Por que você vai escolher o mesmo momento de corte para cometer a fraude? Não tem muito sentido. Para tentar identificar uma fraude, você tem que pensar como que ela pode ter acontecido e aí você procura evidências daquilo. Mas isso daí? O ponto onde houve a virada? Não quer dizer nada, absolutamente nada, e seria algo extremamente fácil para ser alterado, escondido, se de fato houvesse uma fraude. É como se fosse um cara que faz uma fraude, mas é burro, não faz muito sentido", observa.

Para o também estatístico Carlos Miranda, que atua no curso ASN Rocks, os gráficos também não mostram fraude. "Isso é normal, o que determina essa linha do tempo é a velocidade que os dados chegam pra ser contabilizados", diz.

Por que o gráfico é linear e não mostra oscilações?

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Um argumento comum entre os que apontam fraude com base no gráfico é a "linearidade" dele, ou seja, o fato de não aparecerem altos e baixos, oscilações entre os dois candidatos. Alguns comentários nos posts virais tentam comparar o gráfico de apuração no Brasil com os gráficos nos Estados Unidos, supostamente cheio de oscilações entre os candidatos. Mas essa não é uma comparação plausível, para os especialistas. Primeiro, pelo tempo de apuração, e depois pela forma como os votos são contabilizados aqui e lá.

No Brasil, a apuração acontece rapidamente, já que o voto é feito em urnas eletrônicas. A contagem, então, é feita voto a voto e por seção eleitoral, não por grandes blocos. Ou seja, a totalização é feita à medida que os votos das seções eleitorais vão chegando, e não por colégios, como acontece nos Estados Unidos. Lá, por exemplo, os votos dos delegados de cada estado são enviados em bloco, e quando um estado com maior "peso" na totalização soma seus números, é comum que haja uma oscilação maior.

"Se aqui no Brasil tivesse lugares muito ermos, de difícil acesso, que os votos demorassem a chegar e que significassem uma grande leva, quando esses votos chegassem, eles provocariam um salto mais visível no gráfico - para cima ou para baixo", diz Carlos Miranda. "Aqui, são saltos do tamanho dos boletins de urna", completa.

Publicidade

O tempo de apuração também contribui para o "visual" do gráfico, aponta Neale El-Dash: "Pra você ter uma ideia, lá nos Estados Unidos, os votos do Alasca só chegam dois dias depois.Você tá lá no final da apuração e vai ter um pulinho que vai ser o Alasca. Então, não acho que os Estados Unidos é referência pra prever um comportamento que deveria ter aqui no Brasil, isso aí é uma bobagem", afirma.

Não há nenhum indício de fraude nas eleições

Desde 1996, quando as urnas eletrônicas começaram a ser implantadas no País, nenhum caso de fraude eleitoral foi comprovado. Em 2022, o TSE convidou um número recorde de observadores internacionais, autoridades estrangeiras que contribuem para a transparência do sistema eleitoral brasileiro.

O chefe da missão de observação eleitoral enviada pela União Interamericana de Órgãos Eleitoral (Uniore) ao Brasil, Lorenzo Córdova, defendeu o sistema eleitoral brasileiro e descartou a possibilidade de fraude. Ele ainda disse que o modelo de votação brasileiro é "íntegro e intocado", em contraposição às falas de Bolsonaro, que, sem provas, ataca o sistema eleitoral.

Após o primeiro turno, diferentes auditorias externas comprovaram que não ocorreu qualquer fraude. Em resposta ao Comprova, o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público Federal (MPF), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) afirmaram não terem encontrado vulnerabilidades capazes de trazer insegurança ao processo. Manifestação no mesmo sentido, por parte da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP), Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), foram localizadas em documentos e notas disponíveis na internet.

Este conteúdo também foi verificado pelo portal Yahoo. No primeiro turno, o Projeto Comprova mostrou que a totalização de votos a cada 12% não indicava fraude.


Publicidade

Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.