Fala de Lula sobre Lava Jato é tirada de contexto para sugerir ‘vingança’ após eleição de 2022

Em entrevista de 2020, que nada tinha a ver com a disputa eleitoral de dois anos depois, Lula acusou de parcialidade o juiz Sérgio Moro, o procurador Deltan Dallagnol e o delegado que conduziu seu inquérito; ele disse que “iria atrás” dos responsáveis por sua prisão com provas, documentos e depoimentos

PUBLICIDADE

Por Clarissa Pacheco
Atualização:

É enganosa postagem que viralizou no Facebook com a alegação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez ameaças de perseguição ao candidato ao Senado Sérgio Moro (União Brasil-PR) e a outros ex-integrantes da Operação Lava Jato, caso seja eleito em 2022. O áudio usado no post foi recortado de uma entrevista de Lula à TV Democracia, conduzida pelo jornalista Fábio Pannunzio, em 20 de agosto de 2020, na qual Lula fala sobre querer provar a parcialidade do ex-juiz, do procurador Deltan Dallagnol e do delegado que conduziu o inquérito que o investigou. O petista não comenta sobre a eleição de 2022; o pleito nem sequer é citado na fala.

 Foto: Estadão

PUBLICIDADE

O trecho de áudio tem 37 segundos e capta o momento em que Lula diz: "Moro e a sua trempa (sic), o delegado que fizeram inquérito comigo e que mentiram no resultado do inquérito. Eu não os deixarei quieto (sic). Eles sabem que eu não os deixarei quieto. Ou seja, eu nunca tomei um remédio tarja preta pra dormir, eles vão tomar. Eles vão tomar, porque o inferno que eles acharam que provocaram na minha vida, o veneno que eles jogaram na minha vida, eles vão provar do veneno deles. E aí não adianta a imprensa tentar dar cobertura ao Dallagnol como essa semana. Essa semana, o Dallagnol fez uma via sacra tentando pedir proteção. Não tem problema, eu vou atrás".

O áudio é cortado antes de Lula dizer como "vai atrás", nesse caso, especificamente de Dallagnol. Ele completa dizendo: "Eu vou atrás com provas, eu vou atrás com documento, eu vou atrás com depoimentos para provar que ele não presta como ser humano e muito menos como procurador do Estado brasileiro".

O post usa apenas o áudio de Lula, e não o vídeo da entrevista, mas há um texto escrito na imagem, junto com uma foto do petista: "Ex-presidiário Lula faz ameaças de perseguição caso seja eleito em 2022". Na verdade, Lula não menciona a eleição de 2022. A fala foi feita quando o advogado Marco Aurélio de Carvalho, do Grupo Prerrogativas, perguntou a Lula "quando ele percebeu que estava diante de um juiz parcial", se referindo a Sérgio Moro.

Lula dá uma longa resposta (a partir de 12:04). Primeiro, diz que percebeu desde o início que o objetivo do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT) era chegar nele e o impedir de disputar as eleições de 2018. Depois, ele afirma que, mesmo percebendo que seria condenado, decidiu enfrentar o processo e provar, em sua visão, a imparcialidade de Moro e de Dallagnol. Por fim, Lula diz que os dois o transformaram em um bandido, e que ele iria provar que eles é que eram bandidos. É neste momento que Lula fala que não os deixará quietos, justamente o trecho usado no post aqui investigado.

Veja abaixo a íntegra da reposta de Lula à pergunta de Marco Aurélio de Carvalho (em negrito, o trecho utilizado na postagem):

"Eu queria dizer pra você que esse processo é muito hilariante, porque desde que começou esse processo, eu sabia que o objetivo era o Lula, e eu fui tomando a certeza de que esse processo não era só para fazer o impeachment da Dilma. Este processo teria que terminar em mim porque não era admissível fazer toda a mentirada que eles fizeram, contar todas as mentiras, tirar uma presidenta que não tinha cometido nenhum crime, para depois de quatro anos me deixar voltar à presidência da República. Então, eu fui formando uma certeza de que o objetivo era chegar mim. Como eu tava certo de que eles jamais conseguiriam provar um ilícito na minha [transmissão trava]. Eu tive vários companheiros que eu poderia sair do Brasil, que eu poderia ter saído do Brasil, que eu poderia ter procurado uma embaixada, e eu tomei a decisão que aos 72 anos de idade, depois de ser o melhor presidente da República desse país, sabe, na boca do povo brasileiro, eu não poderia passar para a história com a fotografia Lula fugitivo. Eu resolvi ficar e esperar o resultado, mesmo quando já estava bastante previsível que eu ia ser condenado, Marco Aurélio, eu resolvi ficar resolvi ir para Polícia Federal. Eu precisava tá perto do Moro para provar que ele era não um juiz, que ele era um lacaio em nome de uma causa política, e não um juiz para fazer justiça. Eu precisava provar isso, e hoje, não apenas com o livro de vocês, mas outros materiais já produzidos, o meu advogado, o Cristiano e a Valeska têm trabalhado intensamente para provar, sabe, a mentira da Lava Jato. A quantidade de provas que nós apresentamos, a quantidade documento que a gente apresentava, ele nunca aceitou, ele nunca aceitou um documento. Qualquer documento que a gente entregava provando a minha inocência, ele não aceitava, era uma coisa hilária. E eu eu sabia que o processo era eminente político, era muito visível nas declarações, era muito visível no depoimento. Toda vez que eu ia prestar o depoimento, ele fazia um ângulo, um show de entrevista antes, uma semana antes levava gente para faze depoimento, como o depoimento do Palocci antes das eleições. Eles construíram a mentira e a Rede Globo de televisão, através da CBN, através do Jornal Nacional transformavam aquela mentira em uma verdade aos olhos da opinião pública. Porque, na verdade, as pessoas na Operação Lava Jato não era condenadas no julgamento, todo mundo era condenado antes. Como eu tinha certeza da minha inocência, eu resolvi enfrentar. Eu não submergi como político ladrão, 'ah, eu vou parar de falar, eu vou me esconder, eu vou pra casa da minha avó'. Não, eu vou aparecer, eu vou gritar e eu vou denunciar. E é isto que eles têm que aprender comigo. Eles têm que aprender comigo que eles mexeram com uma pessoa que nunca cometeu um delito, uma pessoa que fez esse país crescer, uma pessoa que distribuiu renda neste país, uma pessoa que fez esse país acreditar que era possível ser uma grande nação, e eles tentaram transformar num bandido. Como eu não sou bandido, eu vou provar que bandidos são eles: Dallagnol e a sua trempa (sic), Moro e a sua trempa (sic) e o delegado que fizerem inquérito comigo e que mentiram no resultado do inquérito. Eu não os deixarei quieto (sic). Eles sabem que eu não os deixarei quieto. Ou seja, eu nunca tomei um remédio tarja preta pra dormir, eles vão tomar. Eles vão tomar, porque o inferno que eles acharam que provocaram na minha vida, o veneno que eles jogaram na minha vida, eles vão provar do veneno deles. E aí não adianta a imprensa tentar dar cobertura ao Dallagnol como essa semana. Essa semana, o Dallagnol fez uma via sacra tentando pedir proteção. Não tem problema, eu vou atrás. Eu vou atrás com provas, eu vou atrás com documento, eu vou atrás com depoimentos para provar que ele não presta como ser humano e muito menos como procurador do Estado brasileiro".

Publicidade


Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.