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Ex-ministro da Educação usa dados incorretos para atacar compra de vacinas pelo governo de SP

Abraham Weintraub insinuou no Twitter que pessoas abaixo de 35 anos não deveriam ser vacinadas contra a covid-19

Por Projeto Comprova
Atualização:

Esta checagem foi produzida pela coalizão do Comprova. Leia mais aqui.

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  • Conteúdo verificado: Publicação de Abraham Weintraub no Twitter questionando a necessidade de vacinação contra a covid-19 para quem tem menos de 35 anos.

É enganoso o tuíte em que o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub questiona se a vacinação contra o novo coronavírus deveria ser para toda a população do estado de São Paulo, insinuando que alguém estaria lucrando com a compra de 46 milhões doses da CoronaVac feita pelo governo paulista.

"Precisa vacinar todos os paulistas? Metade tem menos de 35 anos! Baixo risco", escreveu. Weintraub também pergunta se "não seria prudente 'apenas' 10 milhões de doses para todos com mais de 50 anos?". Os recortes de idade feitos por ele não têm sentido, como explica Renato Kfouri, pediatra, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). "Não há diferença entre quem tem 28, 40, 45, 35 ou 50 anos. O grupo de risco etário no Brasil é acima de 60 anos, mas a covid-19 pode ser grave em todas as idades", diz ele.

Além disso, Weintraub desconsidera que o objetivo do governo de São Paulo não é vacinar toda a população, mas distribuir as doses de CoronaVac entre os brasileiros, priorizando determinados grupos. Contatado pelo Comprova, o Instituto Butantan, parceiro da empresa farmacêutica chinesa Sinovac Life Science no desenvolvimento do imunizante, afirmou que, após aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a vacina "poderá ser disponibilizada para toda a população brasileira" e que "quem define as políticas de distribuição nas campanhas vacinais é o Ministério da Saúde".

Outro ponto levantado pelo ex-ministro é o de que a vacina "pode ter efeitos adversos". Os testes ainda estão sendo realizados, mas, de acordo com o Butantan, "estudos preliminares com 50 mil voluntários na China demonstraram que a vacina é segura e não apresentou reações adversas significativas".

O Comprova entrou em contato com Weintraub, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto.

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Ex-ministro ignora que 23,7% dos óbitos no Estado de São Paulo tinham até 59 anos. Foto: Reprodução

Como verificamos?

Por meio de pesquisas no Google, buscamos reportagens e publicações em fontes oficiais, como o site do Instituto Butantan, do governo paulista e da Universidade Johns Hopkins, referência na covid-19, sobre a vacina em questão.

Por e-mail, entramos em contato com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para obter números sobre projeções da pirâmide etária das populações brasileira e paulista. Também contatamos o governo paulista com alguns questionamentos sobre a verificação e entrevistamos, por telefone, Renato Kfouri, pediatra, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Tentamos fazer contato com Weintraub por meio de mensagens no Twitter e no Instagram, mas ele não respondeu.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 8 de outubro de 2020.

Verificação

Coronavac

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Os testes da vacina produzida pelo Butantan em parceria com a Sinovac estão na fase três, a última etapa para verificar sua segurança e eficácia. Eles envolvem cerca de 9 mil profissionais de saúde que se apresentaram voluntariamente em 12 centros de pesquisa de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Distrito Federal.

O governo paulista pretende iniciar a vacinação contra a covid-19 com a CoronaVac na segunda quinzena de dezembro. Segundo o órgão, a prioridade serão "os profissionais de todas as unidades públicas e privadas de saúde de São Paulo". Questionado, o governo não informou quem mais terá prioridade, mas sabe-se que, depois dos profissionais de saúde, deverão ser imunizadas pessoas que estão nos grupos de risco da doença, como idosos (quem tem mais de 60 anos) e pessoas com doenças crônicas, e, em sequência, agentes de segurança, profissionais da educação e a população indígena.

João Doria, governador paulista, já indicou que quer distribuir a vacina para os outros estados, não apenas para São Paulo. No início de outubro, o governo enviou os dados da CoronaVac ao Ministério da Saúde para agilizar o registro do produto. No dia 30 de setembro, em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, Weining Meng, diretor do laboratório Sinovac, afirmou: "Trabalhando em conjunto com o Butantan, nossa meta é simples: nós vamos trazer vacina suficiente para o Brasil".

Entretanto, vale ressaltar, como o próprio Butantan informou, que quem define o público-alvo e as políticas de distribuição de vacinas no país é o Ministério da Saúde, por meio do Programa Nacional de Imunização (PNI).

Além das 46 milhões de doses já anunciadas, o governo paulista prevê receber mais 15 milhões até março do próximo ano. Outras 100 milhões podem ser adquiridas ainda em 2021, "a depender de suporte do Ministério da Saúde".

Vacina Coronavac é uma parceria do Instituto Butantã com a chinesa Sinovac e está em fase de testes em humanos no Brasil Foto: Divulgação / Governo do Estado de SP

Efeito colateral

Weintraub escreve, na publicação verificada, que "a vacina pode ter efeitos adversos" insinuando que nem todos deveriam se imunizar. A alegação, no entanto, não tem evidências. Conforme o Butantan informou ao Comprova, os resultados demonstrados a partir de estudos preliminares realizados com 50 mil voluntários na China "mostraram um excelente perfil de segurança, com índice de 5,36% de efeitos adversos de grau baixo". Entre as reações mais frequentes estão dor no local da aplicação (3,08%), fadiga (1,53%) e febre moderada (0,21%). As outras reações foram perda de apetite, dor de cabeça e febre.

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De qualquer forma, não é o governo de um estado que libera a distribuição de uma vacina. Ela só poderá ser oferecida com a autorização da Anvisa, que revisa todos os documentos técnicos e regulatórios e verifica os dados de segurança e eficácia, bem como avalia a qualidade da vacina. "O registro, concedido pela Anvisa, é o sinal verde para que a vacina seja comercializada e disponibilizada no país", informa o site do órgão regulador federal.

Perda de doses

Se, como Weintraub sugere, apenas as pessoas com mais de 50 anos fossem receber a Coronavac, seriam necessárias mais de 30 milhões de doses, e não 10 milhões, como ele escreve. Ele ignora o fato de que a CoronaVac é oferecida em duas doses e que há uma margem de perda da vacina, como explica Renato Kfouri, da SBim. "O frasco vem com uma quantidade de doses e, na hora em que você abre e manuseia, perde cerca de 20%", afirma o profissional.

O cálculo das 30 milhões de doses foi feito pelo Comprova considerando essa perda e que a população paulista com mais de 50 anos representa 12,8 milhões de pessoas, segundo projeção da população para o período de 2020 realizada pelo IBGE.

Em seu tuíte, Weintraub insinua ainda que quem já foi infectado pelo novo coronavírus não precisaria se imunizar. Mas, segundo um estudo da Universidade Johns Hopkins sobre alocação e distribuição de vacinas nos Estados Unidos, os "testes de anticorpos podem fornecer evidências de infecção anterior, mas não necessariamente prova de imunidade eficaz". O texto da instituição, que se tornou uma referência mundial sobre a covid-19, conclui que, "neste ponto, não é possível saber se um resultado sorológico positivo deve alterar a prioridade de vacinação de um indivíduo" - inclusive, já foram divulgados casos de reinfecção ao redor do mundo.

estudo da Universidade Johns Hopkins

Outro ponto importante e ignorado no tuíte de Weintraub é que, embora atinja mais os idosos, a covid-19 também mata pessoas com menos de 60 anos. Segundo a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), do governo de São Paulo, dos 36.699 óbitos informados no estado até 8 de outubro, 23,7% eram de pessoas com até 59 anos.

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Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos que trazem desinformação relacionada à covid-19, como o verificado aqui, são ainda mais perigosos pois colocam a saúde da população em risco e podem custar vidas.

Uma vacina é a forma mais eficiente de imunizar a população e esforços estão sendo feitos em todo planeta para chegar a essa solução. A postagem em questão - que teve cerca de 3 mil compartilhamentos no Twitter e quase 12 mil curtidas até 8 de outubro - gera dúvidas sobre o processo de desenvolvimento da vacina e pode levar pessoas a decidirem não se vacinar quando a proteção estiver disponível para os brasileiros.

Publicações que tentam desacreditar a importância da vacina já foram verificadas pelo Comprova, como o post que insinua que a China não usará a própria vacina, o vídeo que afirma que as vacinas produzirão danos genéticos, o tuíte que diz que imunizantes usam células de fetos abortados e uma teoria conspiratória segundo a qual a proteção teria um microchip para rastrear a população.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

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