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Especialistas da USP, UFSCar e UFABC desmentem teoria de 'trava' nas urnas eletrônicas

Relatório apócrifo divulgou tese sem embasamento de que haveria ?limite artificial? para número de votos em Bolsonaro e Lula

Por Talita Burbulhan
Atualização:

Especialistas em computação e cibersegurança da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Universidade Federal do ABC (UFABC) refutaram tecnicamente hipóteses de supostas fraudes nas eleições de 2022 levantadas por um relatório apócrifo, cujo conteúdo reverberou nas mídias sociais após ter sido divulgado em uma live no dia 4 de novembro. Dias depois, a transmissão ao vivo, que chegou a ter 415 mil visualizações simultâneas, foi retirada do ar por determinação da justiça.

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Uma das alegações do relatório desmentida pelos estudiosos é a possível existência de uma "trava artificial" nas urnas eletrônicas, que não deixou que a soma do total de votos dos candidatos à Presidência Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) ultrapassasse determinado número. De acordo com pesquisadores da USP, UFSCar e UFABC, a alegação carece de qualquer fundamento, pois o comportamento que as urnas apresentaram estava exatamente dentro do esperado.

"Trata-se de uma consequência natural de haver um número máximo de eleitores aptos a votar em cada urna", explica o documento Comentários sobre alegações infundadas ou falsas sobre as urnas eletrônicas brasileiras, redigido pelos especialistas e divulgado nesta quarta-feira, 16.

Comentários sobre alegações infundadas ou falsas sobre as urnas eletrônicas brasileiras

Ainda de acordo com o documento, para reduzir o número de equipamentos no pleito e evitar a formação de longas filas, as urnas utilizadas nas eleições costumam ter um número máximo próximo de 400 eleitores. O gráfico a seguir, retirado da análise feita pelos estudiosos, ilustra esse fato:

Fonte: Comentários sobre alegações infundadas ou falsas sobre as urnas eletrônicas brasileiras. Feito com base nos dados disponíveis no TSE  

Para provar a existência da suposta "trava", o autor do relatório compara dois gráficos de dispersão. Esses gráficos são úteis para mostrar o relacionamento entre duas variáveis numéricas. Nesse caso, as variáveis são: no eixo X, a quantidade de votos recebida por Bolsonaro e no eixo Y, a quantidade de votos recebida por Lula. Cada ponto do gráfico corresponde a uma urna eletrônica.

Ou seja, um leitor que escolhe um ponto qualquer do gráfico, na verdade está olhando para o desempenho de uma única urna eletrônica. Ao ver onde o ponto parou no eixo X, ele saberá quantos votos foram computados para Bolsonaro naquele equipamento, e se observar a posição do mesmo ponto no eixo Y, saberá quanto votos foram computados para Lula.

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De acordo com imagem retirada do relatório apócrifo, a suposta fraude ficava evidente ao comparar dois gráficos de dispersão:

Fonte: Relatório apócrifo. Atenção: imagem contém desinformação.  

O relatório afirma que o gráfico da esquerda foi gerado com informações das urnas de modelo mais recente (UE 2020). A mancha visual desse gráfico supostamente apresenta um desenho mais "natural", portanto confiável. Ainda de acordo com o documento apócrifo, o gráfico da direita foi gerado com as informações das versões mais antigas do equipamento (UE 2015, UE 2013, UE 2011, UE 2010 e UE 2009). O aspecto triangular dele, evidenciaria um comportamento artificial, portanto programado, ou seja, supostamente fraudado. Nenhuma dessas afirmações faz sentido, de acordo com os professores da USP, UFSCar e UFABC.

Cabe destacar que a separação entre os modelos carece de embasamento técnico, conforme explicou checagem o Comprova. Não é verdade que apenas o modelo mais novo de urna tenha passado por auditoria - na realidade, todas as versões da urna passaram por Testes Públicos de Segurança promovidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Portanto qualquer conclusão feita a partir dessa separação entre modelos de equipamento não se sustenta. Mas mesmo que a premissa estivesse correta, a comparação entre os dois gráficos não prova fraude.  

Modelo UE 2020, o mais recente da urna eletrônica, esteve presente em 224.999 seções eleitorais dos 26 estados e do Distrito Federal. Do total de equipamentos utilizados no pleito (577.125), o UE 2020 correspondeu a aproximadamente 39% do total. Foto: Antonio Augusto / Secom TSE

Sobre a imagem que compara os dois gráficos, os especialistas explicam que área triangular com uma zona limite concentrada na região próxima a 400 do gráfico da direta, referente às Urnas Eletrônicas anteriores a 2020, tem tal comportamento porque a maioria dos equipamentos mais antigos possui um número máximo de eleitores aptos a votar próximo de 400, como evidencia o gráfico de barras apresentado acima.  

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A resposta para o aspecto mais "disperso" do gráfico da esquerda (referente somente aos modelos de 2020) também está no gráfico de barras. Ao observá-lo, vemos que as "UE2020 são as mais comumente usadas em seções nas quais o número de eleitores aptos supera a faixa dos 400, podendo chegar a números mais próximos de 500", explicam os especialistas. Por isso, aparecem votos na região que fica após a linha que limita o número de eleitores a 400.

O documento dos estudiosos refutou duas outras hipóteses do relatório apócrifo. A primeira, de que não haveria documentos de auditorias dos modelos mais antigos da urna eletrônica (UE 2015, UE 2013, UE 2011, UE 2010 e UE 2009), o que, como já mostrou checagem do Comprova, não é verdade. A segunda, de que existem dois códigos fontes diferentes da urna eletrônica. Tal hipótese foi didaticamente desmentida em um vídeo, gravado pelo engenheiro e aluno de mestrado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) Felipe Kenzo Shiraishi, um dos autores do estudo.  

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