Em vídeo viral, médico desinforma ao associar exames de anticorpos à proteção da Coronavac

Com base em resultado de exame de anticorpos neutralizantes, médico aponta não estar protegido contra o novo coronavírus, mas teste é inadequado; ainda não existe exame de rotina para medir proteção vacinal em indivíduos

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Por Victor Pinheiro
Atualização:

Um vídeo enganoso em que um médico sugere não estar protegido após tomar duas doses da Coronavac porque seu exame sorológico identificou volume baixo de anticorpos tem sido compartilhado nas redes sociais para desqualificar a vacina. O discurso do profissional de saúde, entretanto, é sustentado em uma interpretação equivocada. Agências regulatórias e especialistas apontam que testes sorológicos não são válidos para atestar se uma pessoa vacinada está protegida contra a doença. 

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Em junho, uma checagem do Estadão Verifica explicou que os exames de anticorpos neutralizantes não são capazes de avaliar todos os mecanismos imunológicos que envolvem o processo de vacinação. Os produtos também apresentam risco de resultados falsos negativos, ou seja, podem indicar incorretamente que a pessoa testada não tem anticorpos para o vírus.

Ensaios clínicos da Coronavac demonstraram que o imunizante possui eficácia global de 50,38% em prevenir casos sintomáticos de covid-19. O uso emergencial da vacina no Brasil foi aprovado pela Anvisa em janeiro e, recentemente, a eficácia do imunizante foi referendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)

Após a repercussão do vídeo, o médico publicou um novo conteúdo em que reconhece que o teste não pode ser interpretado isoladamente para avaliar a eficácia do imunizante. Apesar disso, a gravação original ainda é compartilhada no Facebook. Uma postagem na qual a legenda afirma enganosamente que a Coronavac não tem serventia nenhuma foi compartilhada mais de 800 vezes na rede social.

 Foto: Estadão

Anvisa diz que exames não servem para medir proteção vacinal

Um comunicado da Anvisa, divulgado no mês passado, alerta que os exames sorológicos disponíveis no Brasil não devem ser utilizados para verificar o nível de proteção de indivíduos contra o novo coronavírus, seja após receber a vacina ou após uma infecção natural. 

A agência destaca que a comunidade científica ainda não estabeleceu o volume mínimo de anticorpos neutralizantes que seriam necessários para indicar que um indivíduo está efetivamente protegido. "Por isso, os testes para diagnóstico não podem ser utilizados para determinar proteção vacinal", diz a Anvisa.

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Os exames sorológicos analisam o volume de anticorpos capazes de se ligar a uma determinada proteína ou parte do vírus em amostras de sangue de pacientes. O procedimento realizado pelo médico no vídeo detecta a concentração de anticorpos neutralizantes, que recebem esse nome porque são capazes de bloquear os mecanismos do vírus para invadir a célula e se multiplicar. 

Segundo a Anvisa, a avaliação da proteção ao novo coronavírus é complexa, multifatorial e ainda requer estudos que verifiquem a capacidade de neutralização dos anticorpos, bem como a quantidade necessária para gerar proteção e o tempo que as células de defesa ficam ativas no organismo. 

"Para isso, é necessário que mais pesquisas científicas sejam realizadas. Isso porque as informações quanto à proteção imunológica ao SARS-CoV-2 não foram estabelecidas pela ciência até o momento", reforça a agência.

Nas redes sociais, o Instituto Butantan, que produz a vacina no Brasil, ressaltou que "os testes de anticorpos detectam a presença de anticorpos em determinado momento, sendo úteis apenas para identificar pessoas que foram expostas ao vírus, não para garantir se alguém está protegido ou não contra a doença.".

A Sociedade Brasileira de Imunologia (Sbim) também desaconselha o uso dos exames para medir a proteção vacinal.

Imunidade celular

Outro fator limitante corresponde à incapacidade dos exames sorológicos em detectar o impacto da vacinação sobre a imunidade celular. A produção de anticorpos representa somente parte dos mecanismos de defesa que nosso corpo dispõe para combater vírus e outros agentes invasores. 

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A imunidade celular compreende, entre outros fatores, a atividade de células de memória que treinam o sistema imunológico para identificar e combater o vírus em infecções futuras. Além disso, essa resposta imune é caracterizada pela ação de linfócitos que contribuem na eliminação de células já infectadas com o vírus. 

Ainda que um paciente não tenha, no momento de aplicação do exame sorológico, níveis elevados de anticorpos neutralizantes no sangue, a imunidade celular do paciente pode ter sido estimulada pela vacina para responder a infecções futuras. Por isso, os resultados de testes como o representado no vídeo enganoso não são evidências confiáveis de que a Coronavac não funciona. 

De acordo com a infectologista e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Raquel Stucchi ainda não existe um exame de rotina capaz de indicar adequadamente se um paciente está protegido ou não contra o coronavírus. "Para imunidade celular, só é possível avaliar em protocolos de pesquisa sofisticados", esclarece a especialista.

O imunologista da Universidade de São Paulo Eduardo Silveira também ressalta que os exames sorológicos "não têm serventia nenhuma" para aferir a proteção vacinal. Segundo ele, já existem evidências de que a Coronavac também estimula a imunidade celular. "A falta de anticorpos positivos no exame de sorologia para quem recebeu a vacina não significa qualquer prejuízo de imunidade", reforça o cientista.

Nesta quinta-feira, 15, pesquisadores do Chile recomendaram a aplicação de uma terceira dose da vacina Coronavac após detectarem que os níveis de anticorpos gerados pelo imunizante foram baixos seis meses após a segunda aplicação. Stucchi ressalta, no entanto, que a conclusão dos cientistas é baseada em um estudo científico, e não em um teste rápido individual.

Uma outra pesquisa recente sobre a efetividade da Coronavac no programa de imunização do país indicou que a vacina foi  65,9% eficaz na prevenção de covid-19 sintomática, 87,5% para a prevenção de hospitalização, 90,3% na prevenção de internações em UTI, e 86,3% na prevenção de morte relacionada à doença.

As agências Aos Fatos e Lupa também desmentiram o mesmo conteúdo.

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