Em meio a boatos sobre vazamento de óleo no Nordeste, imagens fora de contexto são usadas para insinuar envolvimento da França

Pacotes encontrados em praia de Pernambuco continham luvas que foram distribuídas aos voluntários e foram reaproveitados para armazenar parte do óleo recolhido

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Por Projeto Comprova
Atualização:

Publicações que circulam em redes sociais sugerem que o vazamento de óleo em praias nordestinas tenha envolvimento de uma empresa francesa. As imagens são verdadeiras, mas foram usadas fora de contexto e levam a uma interpretação errada. As embalagens que aparecem nas fotos são da empresa Mapa, uma multinacional francesa que produz luvas de látex, e não óleo. 

O texto verificado pelo Comprova inicia com a pergunta "E agora Lacron...????", em uma referência ao presidente da França, Emmanuel Macron, crítico ao presidente Jair Bolsonaro. Na sequência, o boato afirma que "a possibilidade de ecoterrorismo vem se confirmando" no Nordeste brasileiro. As imagens mostram duas embalagens plásticas que continham óleo, encontradas nas areias do Cabo de Santo Agostinho, cidade do Grande Recife, em Pernambuco. 

 

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A Marinha, que investiga os responsáveis pelo desastre ambiental, esclareceu na segunda-feira, 21, que a Mapa não faz parte das investigações porque os sacos plásticos na verdade foram reutilizados pelos voluntários para guardar o óleo encontrado nas praias. "O material citado era uma embalagem de luvas de proteção que foi reutilizado para colocar os resíduos", disse a Marinha, em nota. 

Nota Marinha

Em outra manifestação, o comandante de Operações Navais da Marinha, almirante Leonardo Puntel, afirmou que os voluntários receberam luvas para se protegerem na limpeza das praias e que uma pessoa usou a embalagem vazia para colocar óleo dentro. 

Contatada pelo Comprova, a assessoria de imprensa da Marinha destacou que o óleo ao redor das embalagens pode grudá-las, o que dá a impressão de que os sacos estavam lacrados. 

A Mapa diz que os sacos são de "luvas de proteção química, indicadas para trabalhos em contato com produtos químicos". A assessoria da empresa informou que o modelo do produto deixou de ser vendido no Brasil, mas que "algum de nossos distribuidores poderia ter em estoque".

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O produto foi fornecido pela Prefeitura do Cabo de Santo Agostinho para voluntários que atuavam na limpeza da praia. A informação foi confirmada ao Comprova pela gestão municipal. 

O Comprova também entrou em contato com Danilo Andrade, um morador do Cabo de Santo Agostinho que trabalhou voluntariamente no mutirão de limpeza. Ele confirmou ter visto a retirada dos sacos da praia pela Marinha e disse que a embalagem é a mesma de outros equipamentos entregues pela prefeitura no mesmo dia, também entre as praias do Paiva e Itapuama.

Esta verificação do Comprova analisou publicação do perfil @DomdasThreads no Twitter e vídeo da página República de Curitiba no Facebook. 

O Comprova entrou em contato com @DomdadThreads, que informou que a fonte do tuíte era uma reportagem do SBT. De fato, o apresentador Cardinot, da TV Jornal, afiliada do SBT em Pernambuco, compartilhou em seu programa, na segunda-feira, 21, um vídeo com imagens das embalagens da Mapa e mencionou a possibilidade de terrorismo ecológico. 

No dia seguinte, Cardinot veiculou coletiva de imprensa com o almirante da Marinha, Leonardo Puntel, esclarecendo que as embalagens não têm relação com o vazamento. Um trecho do comentário de Cardinot na segunda-feira está sendo veiculado para endossar a narrativa de culpa da empresa francesa. O perfil @DomdasThreads foi informado pelo Comprova do comunicado da Marinha que desmente o boato.

Para o Comprova, falso é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira. 

Como verificamos

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O Comprova entrou em contato com a Marinha, a empresa Mapa, a prefeitura de Cabo de Santo Agostinho e um voluntário que atua no mutirão de limpeza. Também consultamos reportagens publicadas pela imprensa sobre o desastre ambiental. 

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais.

Havia óleo nos sacos da empresa francesa?

Sim, ele foi colocado nos sacos pelos próprios voluntários. Em, nota, a Marinha explicou que os sacos plásticos foram reutilizados por voluntários para guardar o óleo encontrado nas praias. 

Ou seja: voluntários usaram luvas da Mapa para proteger as mãos enquanto limpavam as águas e aproveitaram para guardar o óleo recolhido nos sacos onde antes estavam as luvas. 

Como os sacos chegaram em Pernambuco? 

A Prefeitura de Cabo de Santo Agostinho informou ao Comprova que distribuiu, desde domingo (20), mais de 8 mil kits de equipamentos de proteção individual, de várias marcas diferentes, a serem usados pelos voluntários. É aqui que entra a francesa Mapa, uma empresa de luvas de látex embaladas em sacolas plásticas e que estava dentre as marcas distribuídas pela prefeitura. 

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Nas fotografias e vídeos compartilhados, é possível ver que o produto foi produzido na Malásia. Sacolas com o logo da empresa foram encontradas próximo à praia do Paiva, no Cabo de Santo Agostinho, na segunda-feira (21). 

Após terem sido encontradas por voluntárias que faziam a limpeza do óleo, as embalagens foram recolhidas por militares que estavam na praia. O material foi levado para a Capitania dos Portos, no Recife, para análise, como noticiou o G1.

Em coletiva de imprensa no dia seguinte, o Comandante de Operações Navais da Marinha, almirante Leonardo Puntel, informou que as luvas foram distribuídas aos voluntários e uma pessoa utilizou um saco plástico vazio para colocar o óleo recolhido no mar. 

"Uma embalagem de cerca de 30 centímetros era de EPIs (equipamentos de proteção individual) que foram distribuídos para os voluntários. Esses sacos continham luvas dentro", afirmou. "Essas luvas foram retiradas do saco, distribuídas para os voluntários, que estavam usando essas luvas, e alguém pegou o óleo que estava no local e encheu esse saco que estava vazio". 

O Comprova contatou um dos voluntários que faz parte do mutirão de limpeza. De acordo com Danilo Andrade, a embalagem é a mesma de equipamentos distribuídos pela prefeitura no dia 21. "Quando fui pegar EPIs, notei que a embalagem era a mesma que estava [em meio ao] petróleo", disse ao Comprova. O voluntário enviou ao Comprova fotos que corroboram seu relato.

Fotos de sacos de luva encontrados com óleo. Foto: Danilo Andrade/Comprova

A voluntária que encontrou as embalagens (uma vazia e uma com óleo) preferiu não comentar o assunto. Em entrevistas no dia em que os sacos plásticos foram encontrados, ela afirmou que, quando foi retirar o petróleo da praia, viu as embalagens sujas e usou óleo vegetal para limpá-las. Assim, viu as etiquetas que identificavam a marca francesa. Ela tirou fotos e entregou o material a representantes da Marinha que estavam na praia.

O que é a Mapa? O que ela diz sobre o assunto?

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Criada em 1957, a Mapa é uma multinacional francesa que produz luvas de látex - não é, portanto, uma empresa que produza ou transporte petróleo. Em nota enviada ao Comprova, a empresa afirma que as luvas retratadas nas imagens são vendidas para proteção contra produtos químicos. A assessoria de imprensa acrescentou que o modelo que aparece na embalagem - Technic 401 - era vendido no Brasil e saiu da linha, mas algumas lojas e distribuidoras poderiam ainda tê-lo em estoque. As luvas podem ser encontradas no Mercado Livre.

A Mapa acrescenta que doará luvas de proteção para serem usadas na remoção de óleo nas praias do Grande Recife. A Prefeitura de Cabo de Santo Agostinho informou nesta quinta-feira (24) já ter recebido donativos da multinacional francesa.

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

O texto verificado foi publicado no perfil @DomdasThreads no Twitter e em vídeo na página República de Curitiba no Facebook. O tuíte foi feito no dia 22 de outubro e, no dia 24, tinha 2,7 mil retuítes e 6,8 mil curtidas. O vídeo no Facebook tinha 2,2 mil compartilhamentos e 39 mil visualizações

Fato ou Fake  e Aos Fatos também checaram esse boato.

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