Viralizou no Facebook uma postagem que afirma que a jornalista Eliane Cantanhêde, colunista do Estadão, foi filmada fazendo críticas à política econômica do Partido dos Trabalhadores (PT) sem saber que a câmera estava ligada. No entanto, ao contrário do que o post dá a entender, o comentário não foi feito nos bastidores, mas sim durante uma transmissão ao vivo nas eleições 2018, em um momento em que todos os participantes sabiam que estavam sendo filmados.
O vídeo em questão apresenta um trecho de uma live organizada pelo Estadão no primeiro turno das eleições, em 7 de outubro de 2018, também transmitida pelo portal Terra. Por cima da gravação, foi acrescentada a legenda falsa: "Atenção. Quando o câmera deixa o equipamento ligado e vai tomar café. Jornalista explana tudo". A postagem alcançou mais de 700 mil visualizações no Facebook.
No trecho, Eliane Cantanhêde fala em tom crítico à política econômica adotada pelo governo PT, especialmente a partir do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2006-2010). Ela está ao lado do apresentador William Waack e do cientista político Rodrigo Augusto Prando.
Como é possível observar em um dos links originais do programa, o trecho do comentário de Cantanhêde fez parte da transmissão ao vivo, e todos os participantes sabiam que estavam sendo filmados -- eles comentam resultados das eleições, se dirigem ao público e olham para a câmera. O comentário tirado de contexto se inicia a partir de 1 hora, 23 minutos e 53 segundos de transmissão. Cantanhêde está apenas respondendo a uma pergunta de William Waack, que começa a ser feita com 1 hora, 22 minutos e 55 segundos de transmissão.
Waack cita um editorial do Estadão que critica o plano de governo do então candidato à Presidência Fernando Haddad (PT). Ele pergunta a Cantanhêde se as propostas petistas poderiam beneficiar o presidente Jair Bolsonaro na disputa pelo segundo. A colunista comenta:
"O PT realmente pegou os melhores momentos internacionais, o grande boom das commodities. O Lula com aquela popularidade imensa, ele poderia ter feito reforma da Previdência, reforma Tributária, reforma Trabalhista, mas não fez nada disso, porque entre as reformas e a popularidade dele, ele sempre optou pela popularidade dele. No momento de decidir a guinada da política econômica, ele fez uma política tipicamente populista".
O vídeo que viralizou no Facebook omite a parte do comentário de Cantanhêde que também critica o programa de governo de Bolsonaro.
"O programa do Bolsonaro preocupa. Você tem o que o Pérsio Arida, economista pai do Plano Real, definiu muito bem. Você tem três cabeças, o Bolsonaro corporativista, estatizante, e ele joga tudo para o Posto Ipiranga, o Paulo Guedes, que é antiestatizante e anticorporativista. Isso é lindo na campanha, mas na hora que você chega no governo e as pressões vêm... quem vai prevalecer? O pragmatismo do Paulo Guedes ou a imensa alegria de estar eleito do Bolsonaro?"
Em uma coluna recente publicada no Estadão, Cantanhêde comenta o paradoxo de ser chamada de direitista e comunista ao mesmo tempo: "Como alguém pode ser acusado de ser, ao mesmo tempo, responsável pela eleição de Bolsonaro, fanático por Lula, direitista, petista, comunista, tucano e fazer campanha para Sérgio Moro? Pois é. Muitos, incontáveis, são atacados assim. Eu, inclusive".
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.