É falso que homem que aparece em vídeo com Lula em Salvador seja suspeito de tiroteio em Paraisópolis

Rapaz que aparece nas imagens é presidente da Associação Cultural Nordeste de Amaralina (ACNA) e, antes de ser alvo de desinformação sobre tiroteio em Paraisópolis, foi falsamente apontado como líder do tráfico em bairro de Salvador

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Por Clarissa Pacheco
Atualização:

É falso que um homem que aparece em um vídeo ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha sido preso como suspeito pelo tiroteio ocorrido próximo a um ato de campanha de Tarcísio de Freitas, candidato do Republicanos ao governo de São Paulo. O tiroteio aconteceu em Paraisópolis na última segunda-feira, 17, e a polícia paulista identificou dois suspeitos. Nenhum deles, contudo, é o rapaz que aparece em um vídeo com quase 2 milhões de visualizações no TikTok.

 Foto: Estadão

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O vídeo viral usa imagens de duas situações diferentes. A primeira mostra um rapaz de camiseta verde limão e cavanhaque próximo a uma picape que transporta Lula durante um ato de campanha em Salvador (BA), no dia 12 de outubro deste ano. Ele é Anderson Mamede, conhecido como Dakola ou Rasta, atual presidente da Associação Cultural Nordeste de Amaralina (ACNA), um complexo formado por quatro bairros em Salvador: Nordeste de Amaralina, Santa Cruz, Vale das Pedrinhas e Chapada do Rio Vermelho.

A segunda imagem é uma fotografia de três homens aparentemente detidos e sentados no fundo de uma viatura. O homem que aparece à esquerda também tem cabelo rastafari e usa cavanhaque, o que fez com que os autores da peça de desinformação dissessem que ele é o mesmo do vídeo com Lula. Imediatamente, o homem do vídeo e os três que aparecem na foto foram apontados nas redes como sendo os presos suspeitos pelo tiroteio de Paraisópolis, o que não é verdade.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou ao Estadão Verifica por telefone que consultou a Polícia Militar sobre as imagens. A PM-SP, por sua vez, disse não reconhecer a prisão como sendo de suspeitos do tiroteio em Paraisópolis. Além disso, a viatura que aparece na imagem não é do Estado de São Paulo.

Até o momento, foram identificados dois suspeitos de participação no tiroteio, mas ninguém foi preso: o primeiro é Felipe da Silva Lima, que pilotava uma moto flagrada no local. Ele morreu no local. O segundo é Rafael Almeida Araújo, que foi baleado e conseguiu fugir. Nenhum deles se assemelha aos três homens da foto ou ao rapaz do vídeo com Lula. Por enquanto, a polícia considera "prematura" a tese de que o tiroteio tenha sido um atentado ao candidato, o que não impediu que isso se espalhasse entre os bolsonaristas. Para a Polícia Civil foi a presença de policiais na comunidade que provocou o tiroteio, já que policiais à paisana e PMs que fazia a segurança da campanha foram acuados no local. A polícia trabalha com 20 suspeitos.

Narrativa inventada

Para ligar o rapaz que aparece no vídeo ao lado de Lula ao tiroteio em Paraisópolis no mesmo dia do ato de campanha de Tarcísio em São Paulo, os autores do vídeo viral criaram uma narrativa falsa. Primeiro, exibiram um vídeo que mostra o homem tentando se aproximar de Lula em um caminhada ocorrida em Salvador no dia 12 de outubro de 2022. As imagens foram feitas entre os bairros de Ondina e Barra pelo próprio rapaz que aparece no vídeo viral. Os autores da peça de desinformação inserem um texto na imagem: "Preste atenção no homem de Cavanhaque e regata verde limão".

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Vídeo original foi gravado durante campanha de Lula em Salvador no dia 12 de outubro de 2022 Foto: Estadão

Em um momento do vídeo, Lula chega a tocar na cabeça do rapaz, e outro texto aparece na tela: "Lula faz carinho nele". É possível ouvir ao fundo o jingle da campanha do candidato petista ao governo da Bahia, Jerônimo Rodrigues. O político baiano também aparece no vídeo em cima do mesmo carro que Lula, assim como o atual governador, Rui Costa (PT).

Textos foram inseridos em peça de desinformação Foto: Estadão

À esquerda, candidato do PT ao governo da Bahia, Jerônimo Rodrigues; à direita, o atual governador, Rui Costa Foto: Estadão

Alguns segundos depois, surge outro texto na imagem: "Preso, Envolvido no atentado contra o candidato ao Governo de São Paulo. Tarcísio". A legenda é seguida de uma fotografia com três rapazes sentado na mala de uma viatura. O da esquerda também usa cavanhaque e tem o cabelo trançado, o que é usado para afirmar que ele e o rapaz do vídeo com Lula são a mesma pessoa.

A viatura que aparece na foto tem a lateral em um tom de azul parecido com o das viaturas da Policia Militar da Bahia. Procurada, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) disse que não era possível afirmar que a foto foi feita no Estado por não ser uma imagem oficial, dentro de uma delegacia. Também não seria possível identificar os homens que aparecem na imagem por conta da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Reprodução do trecho do vídeo que viralizou no TikTok Foto: Estadão

Anderson Mamede é líder comunitário

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O homem do vídeo com Lula é Anderson Mamede, conhecido no Nordeste de Amaralina, bairro popular de Salvador, como Dakola ou Rasta. Ele é o atual presidente da Associação Cultural Nordeste de Amaralina. De acordo com reportagem do site de notícias da comunidade Nordeste Eu Sou, Anderson nasceu no Nordeste e dirige a associação que oferece aulas de boxe e capoeira a moradores da região.

Antes de ser falsamente apontado nas redes sociais com suspeito de um suposto atentado contra Tarcísio de Freitas em Paraisópolis, Anderson foi vítima de outra desinformação: a de que ele era traficante e que liderava esse tipo de crime no Nordeste de Amaralina. A mentira começou a se espalhar no sábado, 15.

"Minha imagem ficou circulando como sendo liderança do tráfico do Complexo do Nordeste de Amaralina, então, para quem não me conhece, eu posso estar correndo risco, sim. Minha imagem ficou circulando em vários grupos de WhatsApp de Salvador e de outros estados, é meio complicado, ainda mais para a gente que mora em periferia, sabe como é o tratamento...", disse.

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Somente dois dias depois de a imagem de Anderson ser disseminada como sendo traficante é que aconteceu um tiroteio que interrompeu um ato de campanha do candidato Tarcísio de Freitas, em São Paulo, na segunda-feira, 17. A imagem de Anderson, então, passou a ser usada com outra conotação: a de que ele tinha sido preso em Paraisópolis suspeito de participar do tiroteio. Nesta terça-feira, Anderson gravou um vídeo para tentar esclarecer a história. O conteúdo foi postado nas redes sociais do site Nordeste Eu Sou:

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia confirmou que o rapaz que aparece no vídeo com Lula não é traficante. "A SSP informa que é fake news a informação de que uma pessoa de apelido 'Rasta' lidere uma organização criminosa, no Complexo do Nordeste de Amaralina. Destaca ainda que um homem que tem a sua imagem atribuída, nas redes sociais, a esse suposto criminoso, registrou um Boletim de Ocorrência na 28ª Delegacia Territorial (DT) do Nordeste de Amaralina", diz a nota.

General Heleno não fez alerta sobre atentado a Tarcísio

Outro vídeo supostamente ligado a um atentado contra Tarcísio de Freitas se espalhou nas redes sociais ainda na segunda-feira, mesmo dia do tiroteio. Um vídeo de 2018 em que o general Augusto Heleno - atual ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo federal - falava sobre ameaças de atentados contra Jair Bolsonaro foi difundido como se ele alertasse a respeito de um atentado contra Tarcísio.

Na época, às vésperas do segundo turno das eleições de 2018, o general Heleno justificou que Bolsonaro não vinha participando de debates com o então candidato à Presidência pelo PT Fernando Haddad porque havia sido identificada uma ameaça de atentado contra ele, e que sair de casa com horário marcado era um risco. O vídeo não tem qualquer relação com Tarcísio.

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