Samuel Lima, especial para o Estado
26 de junho de 2020 | 14h51
Não há evidências que o empresário Jack Ma, fundador do e-commerce Alibaba e homem mais rico da China, tenha comprado “hidrelétricas” e “centenas de fazendas” no Brasil. As alegações constam em boato compartilhado mais de 3,5 mil vezes no Facebook no mês de junho e são falsamente atribuídas a uma suposta reportagem da revista Forbes.
O Estadão Verifica consultou, por e-mail, a redação da Forbes no Brasil e questionou se a revista havia publicado alguma notícia a respeito. “Não publicamos nada sobre isso”, respondeu a editora executiva, Gabriela Arbex. A informação também não aparece em nenhum portal de notícias em uma pesquisa simples no Google pelo nome do empresário e os termos “hidrelétricas”, “fazendas” e “Brasil”.
Postagens falsas nas redes sobre supostos negócios do empresário chinês Jack Ma apresentam tom alarmista e erros de português. Foto: Reprodução / Arte Estadão
A mensagem alega ainda que o empresário seria xenófobo e teria a intenção de “trazer chineses para trabalhar em seus negócios” — novamente, afirmações sem qualquer fundamento em fontes confiáveis. A China foi acusada de querer “comprar o Brasil” pelo presidente Jair Bolsonaro, repetidamente, durante a campanha eleitoral.
Em dezembro de 2018, o Estadão mostrou, a partir de dados oficiais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que a China tem atuação quase irrelevante no mercado de compra ou arrendamento de terras para produção agrícola no País. Os chineses detinham apenas 664 propriedades rurais, somando 10.126 hectares, equivalente a 0,28% do total de terras em nome de estrangeiros à época.
A situação é diferente no setor elétrico, em que a China liderava a geração privada de energia no Brasil, pelos dados da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC) de 2018. O cenário é consequência de aportes bilionários de empresas como CTG, Spic e State Grid — três companhias estatais chinesas.
O empresário chinês Jack Ma é fundador de um dos maiores sites de comércio eletrônico do mundo, o Alibaba. De acordo com perfil da revista Forbes, é o homem mais rico da China e o 17º do planeta, com fortuna estimada em 43,2 bilhões de dólares. Em 2014, a empresa bateu o recorde de maior oferta pública inicial de açõesdo mundo, ao levantar 25 bilhões de dólares. Além do Alibaba, Jack Ma é conhecido pelas participações nas indústrias chinesas de entretenimento Huayi Brothers e Beijing Enlight Media.
Em 2019, o empresário gerou polêmica ao afirmar que a cultura de várias horas de trabalho extra em empresas de tecnologia era “uma grande benção” para os jovens da China. Ele defendeu o cronograma de trabalho da indústria conhecido como “966”, que se refere a uma carga horária das 9h às 21h, seis dias por semana. Poucos meses depois, recuou sobre a posição, ao declarar que “as pessoas deveriam trabalhar três dias na semana por quatro horas” em debate sobre os avanços na inteligência artificial nos negócios.
Ainda no ano passado, Jack Ma deixou o comando da Alibaba. O patrimônio de 460 bilhões de dólares da companhia passou a ser administrado pelo CEO Daniel Zhang. Neste ano, ele também renunciou ao assento no conselho do japonês Softbank. Em meio à pandemia de covid-19, virou notícia internacional ao anunciar a doação de máscaras, testes e respiradores artificiais a uma série de países, entre eles o Brasil.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.
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