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É enganoso post que atribui morte de idoso à CoronaVac

Exame molecular indicou que paciente estava infectado com Covid-19; fabricada a partir de vírus inativados, vacina do Instituto Butantan não é capaz de provocar a doença

Por Projeto Comprova
Atualização:

Feito em parceria com o Projeto Comprova. Leia mais aqui.

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  • Conteúdo verificado: em um post no Facebook, um homem dizia que seu pai, um idoso, teria morrido por conta da CoronaVac

É enganoso um post no Facebook em que um usuário alega que a CoronaVac, vacina de covid-19 produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, tenha provocado a morte de seu pai. Publicada no dia 6 de fevereiro, a mensagem já havia sido compartilhada mais de 25 mil vezes na plataforma até esta quinta-feira, 11, antes de ser removida da rede social.

Conforme apurou o Comprova, a publicação se refere ao óbito de um idoso de 76 anos na cidade de Guaratinguetá, no interior de São Paulo. Por telefone, o autor do post, Samuel Abreu Batista, afirmou que seu pai recebeu a primeira dose da vacina em 25 de janeiro, posteriormente apresentou sintomas semelhantes aos da covid-19 e faleceu no sábado, 6.

Segundo ele, na certidão de óbito consta morte por choque séptico com suspeita de covid-19. A prefeitura de Guaratinguetá confirmou à reportagem as datas de vacinação e falecimento do idoso.

 

A relação do óbito com a vacina, porém, foi descartada pela administração municipal após exames de diagnóstico confirmarem que o pai de Samuel apresentava quadro de infecção de covid-19 no dia anterior ao óbito, posteriormente à vacinação. Porém, ao passo que a CoronaVac é um imunizante de vírus inativado, a vacina não poderia ter desencadeado a doença.

Além disso, uma apuração da prefeitura indicou um surto de infecções pelo novo coronavírus na casa de repouso Lar dos Velhinhos São Francisco de Assis, onde o idoso morava.

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Como verificamos?

O Comprova acessou o perfil de Samuel Batista, autor do post, no Facebook e verificou que o usuário era pastor na Comunidade Evangélica Projeto Vida em Cunha, São Paulo. A reportagem obteve o número de telefone de Batista e entrou em contato com ele por chamada telefônica e WhatsApp.

A partir do relato do pastor, apuramos o nome do idoso e a cidade em que morava. O passo seguinte foi questionar a Prefeitura Municipal de Guaratinguetá e o Instituto Butantan para averiguar mais informações sobre o caso. A administração da cidade retornou ainda na segunda-feira, 8. Já o Instituto Butantan ainda não havia sido notificado naquela data.

A reportagem ainda consultou o virologista da Universidade Federal de Minas Gerais Flavio Fonseca Guimarães para confirmar se o exame positivo de covid-19 do idoso de fato exclui a possibilidade de efeitos adversos da vacina. Também entramos em contato com a Santa Casa Guaratinguetá para confirmar as datas do envio de resultados dos exames do idoso.

Ainda tentamos conversar com representantes da instituição de longa permanência em que o falecido residia, mas não conseguimos nos comunicar com representantes da entidade beneficente, que também não responderam aos e-mails enviados pela reportagem.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 12 de fevereiro de 2020.

Verificação

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De acordo com a prefeitura municipal de Guaratinguetá, um exame RT-PCR coletado no dia 5 de fevereiro, cujo resultado foi confirmado à pasta no dia 9, apontou que o pai do autor da publicação investigada pelo Comprova estava infectado com a doença quando ocorreu o óbito.

O filho revelou à reportagem que o idoso era residente do Lar dos Velhinhos São Francisco de Assis de Guaratinguetá, onde recebeu a primeira dose da CoronaVac em 25 de janeiro. A instituição de longa permanência consta no cadastro estadual de entidades parceiras do estado de São Paulo.

Um comunicado da prefeitura atualizado no dia 10 de fevereiro afirma que a apuração da equipe técnica da secretaria de saúde do município constatou que o idoso foi hospitalizado com sintomas de covid-19 e que o mesmo ocorreu com outros idosos que moravam na mesma instituição.

"Durante a investigação também recebemos informações de que funcionários da instituição estavam afastados por suspeita de contaminação pelo covid-19, sendo que já foi possível constatar que três dos funcionários afastados testaram positivo recentemente, o que possibilitou estabelecer uma linha do tempo de contágio e vínculo epidemiológico e consequentemente resultou na abertura de um registro de surto por covid-19 na referida instituição", diz o comunicado.

Com o diagnóstico de covid-19 confirmado, a prefeitura descartou as hipóteses de um evento adverso da vacina, "pois caso fosse reação vacinal não haveria presença de vírus na amostra coletada, uma vez que a vacina CoronaVac é inativada e não pode causar a doença".

Ao Comprova, o virologista do Centro de Tecnologia de Vacinas da UFMG Flávio Fonseca afirmou que a nota da prefeitura é precisa. Ele explica que o teste RT-PCR detecta o RNA do vírus na amostra do paciente, mas o vírus inativo aplicado na vacina não contém o RNA viral. Dessa forma, a inoculação do imunizante não permitiria ao exame detectar o material do coronavírus.

Imunidade não é imediata

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Fonseca ainda destaca que somente a primeira dose não confere imunidade. Ele alerta que após vacinadas as pessoas ainda precisam manter a "guarda elevada" contra o vírus e seguir regras de prevenção, como o uso de máscaras e a prática do distanciamento social.

O site do Instituto Butantan também ressalta que, mesmo após a segunda aplicação, a imunidade contra o novo coronavírus não é desencadeada imediatamente. "Caso uma pessoa tenha covid-19 logo após se imunizar, isso não significa que a vacina não funcionou, mas que seu o sistema imunológico ainda não teve tempo para criar a resposta imune", diz o instituto paulista.

A página reafirma a necessidade de manter medidas de segurança, como o uso de máscara e a higienização constante das mãos. Nesta quarta-feira, 10, o Butantan também emitiu uma nota destacando que a morte do idoso ocorrida em Guaratinguetá não tem relação com a Coronavac.

A assessoria da administração municipal justificou que o laboratório responsável pela análise enviou o resultado do exame diretamente à Secretaria de Saúde.

E-mail enviado pela assessoria de imprensa da Prefeitura de Guaratinguetá ao Comprova  

Procurado novamente nesta quinta-feira, Samuel Batista ainda não se manifestou sobre a nota de esclarecimento da prefeitura.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos duvidosos relacionados a informações sobre a pandemia do novo coronavírus, principalmente as que têm grande alcance nas redes sociais. A publicação investigada nesta reportagem alcançou mais de 25 mil compartilhamentos, quase 10 mil interações e foi replicada em outras páginas na rede social.

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Os imunizantes e a vacinação contra a covid-19 são alvos frequentes de desinformação. O comprova já desmontou um boato enganoso que usava vídeo de 2018 para afirmar que idosa morreu após tomar vacina, outro afirmava que a imunogenicidade da CoronaVac apresentava riscos à saúde de pacientes. Também desmentimos uma mensagem enganosa repercutida por um assessor da Presidência da República com informações incorretas sobre a eficácia do imunizante.

Enganoso, para o Comprova é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano

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