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Boatos sem fronteiras: conheça desinformação 'importada' de outros países

Neste ano, Estadão Verifica checou ao menos 18 peças de desinformação que circularam em outras línguas além do português

Por Alessandra Monnerat
Atualização:

Estudos apontam que a desinformação viaja muito rápido. Os conteúdos enganosos compartilhados nas redes sociais até atravessam fronteiras -- neste ano, o Estadão Verifica desmentiu ao menos 18 boatos que já haviam circulado em outras línguas e foram adaptados ao português. O exemplo mais recente de checagem é o de uma foto de uma mulher usando cocaína que foi usada para atacar parlamentares de esquerda na Argentina, na Espanha e no Brasil

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Além deste boato, entre os conteúdos desmentidos pelo Estadão Verifica, outros ganharam impulso por conta do contexto político do Brasil. A ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner, alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro, foi personagem de dois deles. Em um dos casos, uma imagem falsificada procurou associar Cristina e a ex-presidente Dilma Rousseff ao traficante colombiano Pablo Escobar

Em um exemplo mais recente, publicações enganosas nas redes sociais procuraram justificar a censura imposta pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, a uma revista em quadrinhos com beijo gay. Neste caso, disseminadores de conteúdo falso se valeram do boato de que um livro com cenas adultas estaria sendo vendido para crianças, mentira que já havia circulado no Peru e na Argentina. 

Visitantes protestam contra tentativa de apreensão de livros LGBT na Bienal do Rio Foto: Wilton Junior/Estadão

A pesquisadora britânica Claire Wardle, diretora da organização First Draft, diz que os agentes de desinformação observam o que é bem sucedido em outros lugares e ficam "inspirados". Às vezes, esses produtores de falsidades utilizam exatamente o mesmo conteúdo, especialmente imagens ou vídeos que podem fazer sentido no contexto local. "Por que reinventar algo se você já tem evidências que aquilo enganou pessoas em outros lugares?", aponta Wardle. 

Dos 18 "boatos sem fronteiras" compilados pelo Estadão Verifica, metade dizia respeito a saúde. Três dessas checagens esclareciam fatos relacionados ao câncer -- um dos boatos alegava, sem base na realidade, que o bicarbonato de sódio poderia curar a doença. A teoria foi importada de um médico italiano que perdeu a licença em 2006.

De acordo com Wardle, preocupações com nossa própria saúde e com as de pessoas que amamos são medos universais. "É por isso que a desinformação sobre a saúde é tão eficaz", afirma ela. "Somos todos humanos e nossos medos mais profundos estão relacionados à nossa saúde, por isso temos respostas emocionais profundas a esse tipo de conteúdo -- que é o tipo de conteúdo que viaja mais rapidamente nas mídias sociais".

Outros exemplos incluem teorias de conspiração sobre vacinas, zika vírus e até energéticos. Uma das mentiras tem quase 40 anos: é a crença falsa de que os Estados Unidos teriam inventado a Aids. Parte do rumor se originou em uma campanha de desinformação soviética conhecida como Operação Infektion. A tática de inventar boatos foi aplicada no contexto da Guerra Fria entre URSS e EUA.

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No entanto, o caso da teoria falsa sobre o HIV, em que há um claro agente por trás da desinformação, é raro. O professor do curso de Gestão em Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) Pablo Ortellado disse que a importação de boatos, principalmente os relacionados a política, sugere articulação de grupos de diferentes países, mas não há como afirmar isso de maneira definitiva. 

Segundo o professor, também há a possibilidade de que a prevalência de assuntos similares em diferentes países seja consequência de uma polarização que afeta o mundo inteiro. Nesse caso, produtores de conteúdo falso "caçam" campanhas de desinformação que foram implementadas no exterior para reproduzi-las no Brasil.  

 

Veja os boatos "importados" de outros países:

Foto de mulher consumindo cocaína já foi falsamente associada a deputadas de partidos de esquerda na Argentina e na Espanha. Boato também circulou em Portugal.

Vídeo que mostrava um verme dentro de um pimentão verde foi desmentido pelo Ministério da Saúde e por agências de vários países. Boato circulou nos Estados Unidos, na Argentina, na Índia e na Espanha.

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Mentira sobre livro para adultos ser vendido para crianças circulou no Peru e na Argentina antes de ser usado no Brasil para justificar censura a beijo gay em história em quadrinhos.

Clipe do videogame Grand Theft Auto V enganou político paquistanês e também circulou em inglês.

Crença falsa foi plantada pela organização soviética de serviço secreto KGB em um jornal indiano em 1983. Desde então, a teoria de conspiração circulou pelo mundo.

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Artigo viral inventa uma fala do presidente americano e faz alegações falsas sobre vacinas; mentira já havia sido desmentida por agências de checagem dos EUA.

Um artigo viral usava como fonte o site de extrema-direita americano Breitbart. A alegação já havia sido considerada falsa por agências de checagem dos EUA.

Texto circulava pelo menos desde 2017 e já havia sido desmentido pela Procuradoria de Justiça de Estado de Baja California, no México.

Procuradoria de Bajo California desmentiu história no Facebook. Foto: Reprodução/Facebook

Esse boato ganhou o mundo e teve que ser desmentido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). 

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O texto sobre a morte de uma das principais vozes do movimento anti-vacina nos Estados Unidos circulou primeiramente em inglês.

A teoria de conspiração de que bebidas energéticas contém sêmen de touro já foi desmentida por agências de checagem nos Estados Unidos.

Teoria de que câncer é um fungo e pode ser curado com bicarbonato foi criada por médico italiano.

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Vários sites de fact checking já haviam verificado este boato, em países como Estados Unidos e Índia.

Foto do casal Kirchner foi divulgada na Argentina com uma associação falsa a Pablo Escobar. No Brasil, foi adaptada para incluir Dilma Rousseff.

Notas falsas que parecem parcialmente queimadas já haviam sido falsamente atribuídas a políticos de Camarões, Rússia e Haiti. 

Desinformação sobre câncer distorce um estudo publicado no Canadá e já havia circulado em inglês.

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A boneca Momo virou uma espécie de lenda urbana em todo o mundo. Sua origem é o Japão.

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