Após Érika Kokay se tornar ré, boatos contra deputada voltam a circular nas redes sociais

Informações distorcem projeto de lei da parlamentar sobre identidade de gênero e retiram de contexto uma frase sobre incesto; petista é alvo de denúncia sobre desvio de salário

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Por Paulo Roberto Netto
Atualização:


A deputada federal Érika Kokay (PT-DF) durante discurso na Câmara dos Deputados, em Brasília. Foto: Dida Sampaio / Estadão (07/02/19)

Boatos sobre a deputada Érika Kokay (PT-DF) distorcem projeto de lei apresentado pela parlamentar sobre identidade de gênero e retiram de contexto uma frase dela sobre o “tabu do incesto”. As desinformações circulam há pelo menos cinco anos e voltaram a ser usadas como ataque à petista após ela se tornar ré, neste ano, por desvio de salário de uma assessora.

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De acordo com texto que circula em redes sociais, Kokay "tentou que fosse aprovado um projeto onde crianças independente idade e permissão dos pais pudessem mudar de sexo". A publicação também atribui a ela a frase "temos que quebrar o tabu do incesto". Ambas as informações são distorcidas.

O projeto de lei em questão é o 5002/13, de autoria de Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Kokay, atualmente arquivado. O texto informa, no artigo 5º, que pessoas menores de 18 anos de idade poderão solicitar a retificação registral de sexo e a mudança do pronome e da imagem "através de seus representantes legais e com a expressa conformidade de vontade da criança ou do adolescente".


PL JOÃO W. NERYPDFDocumento

Segundo o projeto arquivado, se o pedido fosse negado pelos pais, o menor de idade poderia "recorrer a assistência da Defensoria Pública para autorização judicial".

A primeira vez que este boato circulou foi em 2014, durante a campanha de reeleição de Kokay à Câmara dos Deputados. À época, a parlamentar disse ser vítima de "mentiras criadas por fundamentalistas".

"Ao contrário do que querem fazer crer, o projeto não propõe, não autoriza e muito menos impõe cirurgia de mudança de sexo para adolescentes e crianças sem o consentimento dos pais", afirma a deputada. "O projeto busca, nos casos em que a família não aceite a identidade de gênero do adolescente (e não da criança como estão dizendo), que estes possam procurar a Defensoria Pública Estadual para, mediante processo judicial, mudar o seu registro civil e, se for o caso, ter acesso aos serviços de saúde para o processo transsexualizador."

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O projeto foi arquivado no dia 31 de janeiro deste ano, após o fim da legislatura anterior.

Incesto. Érika Kokay também é acusada de ser a autora da frase "temos que quebrar o tabu do incesto", dita em vídeo compartilhado nas redes sociais desde 2016. A desinformação retira do contexto a fala da petista e induz ao erro ao dizer que a parlamentar defende a prática.

A frase em questão foi dita durante o seminário "Por uma escola sem machismo, racismo e LGBTfobia", realizada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-PR), em maio de 2016. Nele, a petista comentou o que considerava estratégia de grupos de extrema-direita de utilizarem o conceito de "ideologia de gênero" contra a laicidade do Estado, criticando o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). (Assista a partir dos 15min09s)

"É uma tentativa de sair do discurso essencialmente religioso e fazer a ponte com o discurso ideológico da extrema-direita neste país. Porque eles dizem: 'Defender a sociedade patriarcal é defender a sociedade de classes. Porque se destrói a família patriarcal, se destrói a propriedade e se destrói a própria sociedade de classes, remontando à análise de Engels, da história da origem da sociedade, do Estado, da propriedade e da família, e daí se constrói uma anarquia. E essa anarquia vai invadir e enfrentar a ordem e os tabus, por isso será uma sociedade incestuosa'", afirma Kokay.

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"Se constrói uma discussão que a partir da família patriarcal, da eliminação da família patriarcal, nós construímos uma sociedade incestuosa. Se eu construo a anarquia, e eu destruo a ordem, eu também vou destruir um dos tabus mais universais da Humanidade, que é o tabu do incesto, e vou construindo a concepção da ideologia de gênero para promover os diálogos entre os fundamentalismos que foram articulados em grande medida por Eduardo Cunha", conclui a petista.

À época, a frase retirada de contexto levou até a um abaixo-assinado contra a parlamentar. Em novembro de 2017, Kokay fez um vídeo no Facebook repudiando o boato. Em nota, afirmou: "Nunca defendi o incesto, tampouco a destruição da família. Trata-se de uma edição criminosa, feita pelas forças do atraso e do que há de mais obscurantista em nossa contemporaneidade, com o único objetivo de difamar e caluniar a nossa atuação parlamentar".

Estes boatos foram selecionados para checagem por meio da parceria entre o Estadão Verifica e o Facebook. Os jornais Gazeta do Povo e O Globo também desmentiram estas desinformações. Recebeu algum conteúdo suspeito pelo WhatsApp? Encaminhe para nosso número, (11) 99263-7900.

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Ré. Os boatos sobre a parlamentar ganharam força após Kokay se tornar ré, em março deste ano, por desvio de salário de uma assessora na época em que era deputada distrital do Distrito Federal.

A denúncia da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi apresentada em dezembro de 2017 e aceita em março deste ano pelo juiz Newton Mendes Filho, da 7ª Vara Criminal de Brasília.


DENÚNCIA DA PGRPDFDocumento

Em depoimento, a assessora relatou que o então chefe de gabinete de Kokay disse a ela que, ao ocupar uma nova função, precisaria repassar à conta da petista a diferença salarial entre o cargo antigo e o que assumiria. A procuradoria afirma que foram transferidos R$ 13,1 mil para Kokay e outros R$ 1,8 mil para a conta do chefe de gabinete entre dezembro de 2006 e outubro de 2007.


RECEBIMENTO DA DENÚNCIAPDFDocumento

Em nota, Kokay afirma que as acusações são “infundadas” e diz ter “convicção de que a verdade e a Justiça irão prevalecer”. “As contribuições da ex-servidora, a que se refere a denúncia, eram contribuições destinadas ao partido, as quais foram devidamente reconhecidas e comprovadas por meio de recibos”, afirmou.

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