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Ainda é cedo para tirar conclusões sobre efeito de vacinação em massa em Serrana (SP)

Cidade foi escolhida para estudo que analisará impacto da imunização, mas primeiros resultados só serão obtidos a partir de maio; aumento no número de óbitos em março não pode ser ligado a vacinas, pois parte dos voluntários ainda não recebeu a segunda dose

Por Pedro Prata
Atualização:

São enganosas as postagens nas redes sociais que sugerem alguma relação entre o aumento no número de óbitos entre fevereiro e março em Serrana, no interior de São Paulo, e uma campanha de vacinação em massa na cidade. O município, de população estimada em 45 mil habitantes, foi escolhido para fazer parte de um estudo do Instituto Butantan para ver qual seria o impacto da campanha de imunização no número de casos e óbitos por covid-19. Apesar disso, ainda é cedo demais para obter quaisquer resultados, tendo em vista que quase 35% dos voluntários ainda não tomaram a segunda dose.

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De acordo com o Butantan, as pessoas vacinadas adquirem imunidade cerca de duas semanas após a aplicação da segunda dose. Por isso, os efeitos da campanha devem ser observados a partir deste mês. Os resultados da pesquisa no município devem sair em maio, segundo a prefeitura de Serrana.

Este conteúdo ganhou tração ao ser comentado no YouTube pelo blogueiro Gustavo Gayer. No vídeo, ele fala do estudo dizendo que a cidade foi escolhida para "vacinar todo mundo da cidade no espaço mais curto de tempo" e que "foram lá e vacinaram quase todo mundo. Todo mundo tomou a primeira dose". Em seguida, o blogueiro questiona o fato de, em março, o município ter registrado 20 óbitos ante 2 óbitos no mês anterior. "Tivemos um aumento de 1.000% no mês em que foi vacinada a maior parte da população", diz.

Serrana realmente registrou aumento de 1.000% nos óbitos por covid-19 no período? Quase. Foram 2 óbitos em fevereiro e 20 em março, aumento de 18 registros (ou aumento de 900%). Já o número de casos confirmados foi de 484 para 692 (alta de 42,9%).

Serrana (SP) foi escolhida para estudo pioneiro de vacinação em massa contra a covid-19. Foto: Instituto Butantan/Divulgação

O Projeto S é uma iniciativa do Instituto Butantan, responsável no Brasil pelo desenvolvimento da vacina Coronavac, que promoveu a vacinação em massa da população adulta de Serrana para monitorar o seu impacto nos registros de óbitos e casos.

É possível fazer alguma relação entre o número de óbitos e mortes em março e o Projeto S? Os envolvidos com a pesquisa projeto afirmam que não. Como mostrou o Estadão no final de março, ainda é cedo para tirar conclusões sobre o estudo e os seus primeiros resultados só poderão ser observados a partir de maio.

O público-alvo foi dividido em quatro grupos, que tiveram acesso à primeira dose do imunizante de forma escalonada. Isso foi feito para que os pesquisadores pudessem comparar as diferenças identificadas entre cada grupo. Os voluntários do grupo verde foram os primeiros, em 17 de fevereiro, ao passo que os do grupo azul foram os últimos, em 10 de março. No total, foram imunizadas 28.380 pessoas.

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Como é preciso aguardar um intervalo de 21 a 28 dias para a segunda dose, a injeção só começou a ser aplicada em 17 de março no primeiro grupo. Os voluntários do grupo azul, o último, só receberão a segunda dose a partir desta quarta-feira, 7 de abril. Até este domingo, 4, 18.535 pessoas (65,3%) haviam recebido a proteção completa.

O Instituto Butantan emitiu nota afirmando que a proteção conferida pelo imunizante só começa a valer, em média, 15 dias após a segunda dose. Portanto, não é possível relacionar os resultados de março com o Projeto S, tendo em vista que a imunidade só passará a proteger as pessoas do primeiro grupo vacinado a partir de abril. E como a imunização com as duas doses só terminará em todos os grupos em abril, os resultados só deverão ser obtidos em maio.

Importante destacar que o aumento expressivo de mortes em março não foi exclusividade de Serrana. Este foi o mês mais letal da pandemia em todo o País, com 66.573 vidas perdidas. Isso é mais que o dobro das mortes registradas no segundo pior mês, julho de 2020 (32.881 óbitos), e uma alta de 118,7% com relação a fevereiro de 2021.

Em vídeo gravado no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, o prefeito de Serrana, Léo Capitelli (MDB), e a vice-prefeita e secretária da Saúde, Leila Gusmão, rebateram as informações do vídeo de Gayer e disseram que "os números têm mostrado que o resultado da vacinação é altamente satisfatório".

"Nos últimos 15 dias em Serrana já temos visto melhoria no número de infectados", disse a secretária. "Inclusive, na última semana, não tínhamos nenhum entubado na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) ou na Santa Casa. Isso foi motivo de felicidade porque foi prova da eficácia da vacinação. Há quinze, vinte dias atrás, os números eram bem diferentes."

Dados da Secretaria Estadual de Saúde desta terça-feira, 6, mostram que o número de novos casos por 100 mil habitantes recuou na última semana em 46,7%. O registro novos óbitos mostrou diminuição semelhante no mesmo período: 50%.

Serrana apresentava, no começo de abril, redução no número de casos e óbitos. Foto: Seade/Reprodução

O Instituto Butantan divulgou nota na qual chama de "maldosas e levianas" as informações que circulam sugerindo que "as vacinas que estão sendo aplicadas pelo Butantan no projeto Serrana não estão surtindo efeito ou concorrendo para o aumento de mortes". O centro de pesquisas afirma que "compartilhar informações sem embasamento científico é um desserviço à saúde".

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Leitores solicitaram a checagem deste conteúdo pelo WhatsApp do Estadão Verifica11 97683-7490. A verificação é baseada em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis em 6 de abril de 2021.

Nas redes sociais

O blogueiro Gustavo Gayer foi candidato à prefeitura de Goiânia nas eleições de 2020 pelo Democracia Cristã. No vídeo, ele nega estar "fazendo juízo de valor", apenas "mostrando que é estranho e deve ser investigado". "Temos que ter cuidado porque as informações que passamos aqui podem prejudicar o combate à pandemia e eu sei disso. Por isso que nesse vídeo, não quero fazer uma afirmação. Quero mostrar informações que foram divulgadas pela imprensa e pela própria secretaria de saúde de uma determinada cidade do Brasil e trazer a atenção para que alguém possa explicar o que está acontecendo, pois não faz sentido", fala.

A publicação do vídeo estimulou postagens no Facebook que utilizavam as informações ali apresentadas para negar a importância das vacinas para o combate da pandemia. Uma postagem analisada dizia que "a vacina sempre foi uma fantasia", enquanto outra falava que "a vacina não pode ser vista como o 'elixir salvador', pessoas vacinadas pegarão e o tratamento é a única coisa que realmente salva". Como o Estadão Verifica já mostrou, até o momento não existe medicamento que previna a covid-19.

O Estadão Verifica não encontrou um contato para solicitar a Gayer um posicionamento diante das explicações do Instituto Butantan e da prefeitura de Serrana. O espaço fica aberto para se posicionar, caso assim deseje.

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