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A análise atenta dos principais depoimentos e documentos obtidos pela CPI da Covid na visão do especialista em saúde pública Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP

Ricardo Barros na CPI: só João Coragem nos ajuda a compreender

Por Mário Scheffer
Atualização:
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), durante depoimento na CPI da Covid - Foto: GABRIELA BILO/ESTADÃO

"Os intolerantes, os que não sabem compreender, nem pensar, nem entender, vão festejar comigo", protestou João Coragem contra a ganância, antes de destruir a golpes de martelo o diamante da discórdia.

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O soberbo Tarcísio Meira, de quem o Brasil acaba de se despedir, deixou a cena antológica, criação de Janete Clair, exibida em 1970. Na CPI da Covid o passado irrompe no interior do presente, e a realidade insiste em parodiar a ficção. Na novela, o rival dos Irmãos Coragem era Pedro Barros, o chefe político arrogante, latifundiário e dono do comércio de diamantes local.

Outro Barros, um arcaísmo político da vida real, Ricardo arrepiou a audiência no seu depoimento, um dos mais aguardados da comissão de inquérito, que chega à sua 43.ª reunião pública.

"Luis Miranda faz teatro", debochou do deputado que relatara ter ouvido Bolsonaro aproximar o nome do líder do governo na Câmara às irregularidades no caso da Covaxin.

O suposto envolvimento de Ricardo Barros seria, nas suas palavras, um "mal-entendido".

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Para a plateia, bem entendidas restaram suas posições em defesa da permanência do general Pazuello no Ministério da Saúde, da atuação de intermediadores nas compras de vacinas, e do pagamento antecipado do governo a fornecedores.

"Se vocês não querem entender como funciona, isso é um mercado selvagem", arrogou, sem sustentar com provas as acusações que fez à Anvisa e à multinacional farmacêutica Sanofi.

No mercado civilizado de Barros, ele é amigo dos donos da Belcher, de Maringá, sua cidade natal, mas contrapôs a suspeita de ter auxiliado a empresa, que flertou com o governo de olho nas vacinas da chinesa CanSino.

Ele foi também o autor da emenda parlamentar que facilitava importação de vacinas da Índia, mas negou favorecimento à Precisa Medicamentos, representante da indiana Covaxin.

Mais complexa foi a justificativa para sua autorização, na condição de ministro da Saúde, do pagamento antecipado de R$ 20 milhões para medicamentos contra doenças raras. A beneficiada, a empresa Global, é do mesmo grupo da Precisa.

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Após tumultos, escalados para arruinar os planos da cúpula da comissão, a sessão foi suspensa, assim que o conflito se tornou mais ácido. Barros imputou à CPI a subtração de vacinas da população, pois as investigações teriam afastado empresas interessadas em vender imunizantes ao Brasil.

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Na sua exposição inicial, em ritmo um tanto nervoso, Ricardo Barros ensinou que "há dois tipos de políticos, os que querem servir a comunidade, e os que querem se servir da comunidade". Embora tenha se colocado na primeira tipologia, é preciso advertir sobre sua fama de frasista, seu hábito de criar expressões de efeito contrário ao que pretende.

À frente da pasta da Saúde, de 2016 a 2018, sua principal realização foi, por meio de frases controversas, unir contra si qualquer grupo entendedor dos temas alvo de seus despautérios, como esses: "homens trabalham mais, por isso não acham tempo para cuidar da saúde"; "a maioria das pessoas chega ao posto de saúde com efeitos psicossomáticos"; "vamos parar de fingir que pagamos os médicos, e os médicos parar de fingir que trabalham".

Um ex-ministro da Saúde foi à CPI da Covid sem ter nada a dizer sobre a pandemia.

Com quase nenhum conhecimento técnico sobre o SUS, sua falta de apreço pela saúde pública é coisa antiga. Um dos lances mais ousados do então ministro foi o afago às empresas de planos de saúde, que já compareceram em suas campanhas eleitorais. Não fosse a forte repercussão negativa, confabulado com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Barros quase entregou às operadoras a liberação da venda de planos com drásticas restrições de cobertura e atendimento, que ele chamava de "acessíveis" ou "populares".

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Ricardo Barros é de uma categoria de políticos essencial para a compreensão do baixo compromisso do País com políticas públicas universais, com a saúde e a vida.

João Coragem estava certo. Só os que não sabem compreender vão festejar.

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