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A análise atenta dos principais depoimentos e documentos obtidos pela CPI da Covid na visão do especialista em saúde pública Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP

Prevent Senior na CPI da Covid: haja estômago para engolir

O início da 57ª reunião da CPI da Covid foi marcado pela solidariedade à senadora Simone Tebet, alvo de explosão machista na oitiva do dia anterior.

Por Mário Scheffer
Atualização:

Agora publicado no Brasil, Homens Justos, do historiador francês Ivan Jablonka, um importante estudo sobre o patriarcado, descreve o pavão viril, um tipo de homem que, em sua agressividade e sexismo, se faz também mentiroso, fanfarrão e bravateiro. O autor demonstra que a presença de mulheres num ambiente de poder não é garantia nenhuma de igualdade.

O diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Batista Júnior. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

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A masculinidade de dominação, centro da pesquisa do professor Ivan, é uma invariante que se impôs na CPI, na sua composição original 100% masculina, na arguição de senador que subjugou testemunha mulher e, agora, na discriminação do depoente contra a senadora.

O tempo seguiu anuviado na CPI com o depoimento, nesta quarta-feira, 22, de Pedro Batista Júnior, diretor-executivo da Prevent Senior.

No fabuloso mundo da Prevent, houve o simples "ajuste" de pesquisas e de atestados de óbito para confirmar o sucesso do "tratamento precoce" em pacientes internados com covid.

Um dos legados da CPI é o ensinamento de que encaixar a realidade na fantasia é uma atividade criativa.

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Mas haja estômago para engolir a quimera de um plano de saúde que tem 550 mil clientes e faturou R$ 4,3 bilhões no primeiro ano da pandemia, conforme revelou o Estadão.

O dossiê de ex-funcionários, o áudio e os arguidores delinearam traços de monstruosidade: experimento com cobaias humanas sem aprovação em comitê de ética, alteração de CID (o código internacional usado para classificar doenças) de pacientes, denúncia de ocultação de mortes, seguida de ameaças aos denunciantes, coação a médicos para aderir a práticas terapêuticas com potencial iatrogênico (com risco de efeitos nocivos), empenho da Prevent em divulgar resultados fraudulentos de um tratamento já sabidamente ineficaz.

Tais aberrações não podem esperar o relatório da CPI, exigem atuação imediata do Conselho Regional de Medicina de São Paulo e de órgãos governamentais de controle.

Desde o início da semana, com novos fatos e provas, o comportamento da Prevent Senior passou a suscitar discursos indignados.

Mas a imagem da empresa de plano de saúde desalmada, lamenta-se constatar, não condiz com a do bode expiatório ou a da laranja podre no cesto.

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O perigo de ir a um estabelecimento de saúde e sair pior do que entrou, o que costuma ilustrar a má qualidade de muitos serviços do SUS, ronda também clientes de planos de saúde privados.

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Planos de saúde, apresentados como solução, têm mostrado engrenagens suscetíveis a "ajustes", desde os velhos "jeitinhos", tipo não internar ou não solicitar exames para evitar gastos, até novos subterfúgios, como o envolvimento interesseiro com ideologias e partidos políticos.

Não foi apenas a Prevent Senior, considerada pelo senador Aziz "um plano não tão bom", que aderiu à cloroquina como alavanca.

Outras empresas da saúde suplementar, laboratórios farmacêuticos de menor categoria, governos estaduais e municipais. hospitais, inclusive frequentados por senadores e seus parentes, se perfilaram na tropa pró "tratamento precoce" e anti-distanciamento social, duas bandeiras puídas, tremuladas por Bolsonaro na última reunião da ONU, para escárnio mundial.

A pandemia mostrou a existência de distintas cepas de médicos e empresários da saúde, os que se apegaram aos argumentos científicos e racionais desde o início, os menos escrupulosos, mas que desertaram no meio do caminho, e os que se esconderam atrás do teatro de sombras de Bolsonaro.

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É preciso tentar captar o surgimento e acompanhar composições do solo em que se desenvolvem plantas daninhas.

Coube ao senador Randolfe Rodrigues questionar o lema nazista "obediência e lealdade", usado por um ex-diretor da Prevent.

Os estudos sobre a irrupção do nazismo na medicina alemã mostram que a tomada do poder por Hitler, em 1933, não pegou de surpresa parte dos médicos e de empresas da saúde, que já compartilhavam a ideologia do Partido Nazista.

Antes do uso de prisioneiros como cobaias - para "estudar" de queimaduras de fósforo a eutanásia, de tifo a malária, passando pela inoculação de germes fatais e pela resistência do corpo humano ao gás e ao combate físico - diretores médicos de serviços e até professores universitários participavam de "gabinetes paralelos". Elaboravam, a pedido do governo com o qual se alinhavam, protocolos para liberar leitos para a guerra iminente, o que resultou no assassinato de idosos, pessoas com transtornos mentais e crianças com deficiências.

Os médicos tinham como propósito alimentar os argumentos de Hitler, apoiar o esforço de guerra e colaborar com empresas farmacêuticas (Bayer, Höchst, Schering, etc.) no desenvolvimento de produtos lucrativos.

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Depois da guerra, a maioria dos médicos que tinham colaborado diretamente com as atrocidades seguiu uma carreira normal, clínica ou de pesquisa, foi para a universidade ou para a vida tranquila no exterior.

Tantas décadas depois, que o capítulo da CPI dedicado aos colaboracionistas possa escrever uma história diferente.

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