Nesta terça-feira, no Senado Federal, a sabatina do procurador-geral da República, Augusto Aras, que deve ser reconduzido ao cargo, deixou a CPI da Covid sem nenhum atrativo.
Não fosse a certeza de que sabatinas são tomadas por cínico arranjo com prazo de validade, não fosse o receio visceral da maioria sobre as intenções finais do PGR, até que soaria bem a palavra de Aras, na hora em que se comprometeu com a análise do relatório final da CPI em 30 dias, assim que receber o documento.
Depois da audiência de Francisco Maximiano, dono da Precisa Medicamentos, na semana passada, a CPI da Covid ouviu, desta vez, Emanuel Catori, um dos sócios da Belcher Farmacêutica.
No mundo corporativo, um modelo de negócios pode generalizar soluções ou ser um protótipo de condutas, seguido por diferentes empresas que miram alvos semelhantes.
Nas últimas sessões públicas da CPI eclodiram similaridades que convergem para um tutorial sobre como tentar fechar negócios lucrativos com o SUS federal.
A chinesa CanSino Biologics e a indiana Bharat Biotec, envolvidas nos escândalos das vacinas, são farmacêuticas com extenso portfólio de produtos, sediadas em potências exportadoras de imunobiológicos e medicamentos genéricos.
Pode-se supor que as duas fabricantes têm dedo podre para casamentos comerciais, pois fizeram más escolhas de representantes, autorizados a vender suas vacinas ao governo brasileiro.
Para negociar em seus nomes, Bharat e CanSino elegeram, respectivamente, Precisa e Belcher, assíduas frequentadoras da bancada da CPI.
A Precisa, que nasceu de uma farmácia na cidade de Santos (SP), e a Belcher, sediada em Maringá (PR), são empresas tipicamente medianas, com características personalistas de gestão e proximidades com linhas de alta tensão do tráfico de influências e da corrupção política de Brasília.
Ambas arregalaram os olhos diante das oportunidades únicas oferecidas pela pandemia. Além de se jogarem no mercado bilionário de vacinas, a Precisa passou a importar testes de covid, enquanto a Belcher comercializava também máscaras, luvas e termômetros.
Entre fatos curiosos, não explorados pela CPI, um lote de máscara cirúrgica descartável importada pela Belcher provocou alergia em profissionais de saúde e, por isso, foi recolhido e destruído, conforme alerta (n º 3467) da Anvisa. Já a Precisa, encrencada com o TCU, vendeu ao governo do Distrito Federal 150 mil testes, sem licitação, a R$ 140 a unidade.
Ao pavimentar o caminho da intermediação na venda de vacinas para o Ministério da Saúde, Belcher e Precisa percorreram as mesmas trilhas.
Foram recebidas por embaixadores, juntaram-se a representantes de câmaras de comércio e associações culturais bilaterais, levaram à tiracolo estridentes empresários governistas e contaram com os serviços de "facilitadores políticos" , que é como depoentes da CPI passaram a chamar parlamentares lobistas que se metem em compras governamentais.
A cereja do bolo, nos dois casos, é o preço superfaturado que seria cobrado pelos imunizantes. Nas cartas de intenções a Belcher desejava emplacar US$ 17 por unidade da vacina Convidencia, numa encomenda de 60 milhões de doses; e a Precisa oferecia a Covaxin por US$ 15 a unidade, em compra de 20 milhões de doses.
Desses dois casos, obsessões da CPI, despencam investigados, de altas patentes que passaram pela pasta da Saúde ao onipresente deputado Ricardo Barros.
Todo elo é de ligação, mas Barros pode ser merecedor do pleonasmo, se comprovada a aposta de senadores de que ele é o anel da corrente que une modelo de negócios, vendedores de vacinas e o governo.
No Senado, no mesmo dia, os sinais ficaram invertidos. Partidos de senadores anti-Bolsonaro, aguerridos na CPI, votaram a favor de Augusto Aras na CCJ.
A essa altura, o mais relevante é que a CPI encerre logo seus trabalhos, entregando ao País o que investigou e prometeu. Antes que a ameaça no ar se torne real, antes que a realidade seja substituída pelo iminente.