PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

A análise atenta dos principais depoimentos e documentos obtidos pela CPI da Covid na visão do especialista em saúde pública Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP

Cinismo e provocação, é Luciano Hang na CPI

Em troca de manter-se em evidência, a CPI inevitavelmente emite sinais de que poderá usar seu prazo máximo, até 4 de novembro, para a claudicante finalização dos trabalhos.

Por Mário Scheffer
Atualização:

As duas últimas sessões abasteceram a prorrogação com gasolina batizada, o que pode fazer o carro render menos. A CPI sabe onde está se metendo ao permitir alteração na qualidade do combustível nos quilômetros finais.

O empresário bolsonarista Luciano Hang em depoimento à CPI da Covid. Dida Sampaio/Estadão  

PUBLICIDADE

O recente depoimento da advogada Bruna Morato manteve senadores sob holofotes e a Prevent Senior sob a mira, mas não rendeu muito ao inquérito, seja porque as informações já constavam do dossiê dos médicos anônimos, seja pela ação de órgãos de polícia e justiça que se anteciparam às eventuais recomendações de um relatório final sem data de entrega.

A cúpula da CPI faz graça com os adágios "enquanto tiver bambu tem flecha" e "puxa-se uma pena e vem a galinha".

Mas é outra expressão popular, "mais vale um pássaro na mão do que dois voando", que se aplica melhor ao contexto.

Feito um canário do reino, vestido de verde e amarelo, o empresário Luciano Hang flanou livremente na CPI nesta quarta-feira, 29.

Publicidade

Irrequieto, Hang apresentou-se como um comerciante que trabalha "debaixo de sol e chuva", considera-se "verdadeiro herói", por ser um empreendedor no Brasil, e vítima da imprensa, "por não ter medo de falar a verdade".

O seu engajamento pró-Bolsonaro deu-se porque "política é a base de tudo" e, por isso, decidiu não seguir conselhos de que não seria bom misturar vida empresarial com disputa eleitoral.

Ao mencionar seu grande número de seguidores, jactou-se de ser porta-voz "do que está entalado na garganta da maioria dos brasileiros".

Garantiu que não sairia chamuscado da sessão, enquanto se conectava com admiradores, ao falar do orgulho de ter dado aos pais boa condição de vida.

Quando passou a chamar senadores pelo primeiro nome já não restava mais dúvida que Hang possivelmente usava o palco da CPI para uma espécie de pré-lançamento de sua candidatura ao Senado, por Santa Catarina, nas eleições de 2022, conforme muito se comenta.

Publicidade

Hang ganhou o palanque que queria e a CPI perdeu o fio da meada, ao exibir em tela a declaração de óbito da mãe do depoente , ex-paciente da Prevent Senior, em clara violação de sigilo médico, e ao mostrar espanto com o fato ordinário, de um empresário brasileiro ser beneficiado com subsídios e linha de crédito barato junto ao BNDES.

Em quase tudo aquilo de incriminador, que a CPI já falou de Hang nas sessões desde abril, ficou o dito pelo não dito.

Negou ser facilitador de negócios com vacinas, mesmo diante do vídeo em que apela a Bolsonaro para liberar o decreto da compra de imunizantes pelo setor privado, mesmo admitindo proximidade com Ricardo Barros, com quem tomou café antes de depor na CPI.

Negou ser financiador de fake news e atos antidemocráticos, mas revelou ter gasto R$ 250 milhões com anúncios direcionados nas redes sociais, e ter pago impulsionamento ilegal na campanha de Bolsonaro em 2018.

Negou ter participado das decisões de governo na pandemia, mas duvidou do número de mortes, distribuiu e usou, ele próprio e a família, o "kit covid", e repetiu a cartilha do chamado gabinete paralelo, ao explicar a diferença entre "tratamento precoce", cloroquina na fase inicial da doença, e "tratamento preventivo", cloroquina antes da infecção.

Publicidade

O que é mais notável é a consistência com a qual ele foi facilmente apanhado mas se safou, na CPI, de responder por tantas atitudes asquerosas.

Hang personifica um grupo grande de empresários e apoiadores que compartilhavam com Bolsonaro a ideia de que havia uma disputa a ser feita, entre salvar empregos e salvar vidas. O resultado está aí: 595 mil mortos até hoje e um tombo histórico no PIB que fez a economia regredir a patamares de 2009.

Hang valeu-se de cinismo e provocação para realçar na CPI uma retórica de recuperação da identidade nacional, de defesa do pensamento de "pessoas comuns", de aposta na luta entre amigo e inimigo, entre verdadeiro e falso.

Governos sempre recorreram a empresários, que geralmente preferiam se manter discretos. A novidade é a aparição espalhafatosa de quem antes não era convidado para a festa da elite empresarial.

Disfarçado de representante do povo, Hang chegou a bodejar uma plataforma nada original, de redução do Estado, de baixa regulamentação, de reforma da previdência, de menos impostos.

Publicidade

Quem ligou a TV Senado nesta manhã achou que assistiria a um programa exótico, mas o que se viu foi mais uma estreia do que há de pior na temporada política.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.