O depoente do dia, William Santana, entrou na relação das testemunhas que respiram engajamento e zelo ao protegerem a coisa pública.
Acidentalmente, a atuação elogiada do consultor técnico, que não integra a carreira do funcionalismo, chamou a atenção para os vínculos terceirizados e precários via organismos internacionais, tão comuns na burocracia federal.
Subordinado a Luis Ricardo Miranda, outro servidor do Ministério da Saúde que denunciou irregularidades no contrato da vacina Covaxin, Willian relatou seu estranhamento com o conteúdo de uma invoice, espécie de nota fiscal internacional.
Diferente do contrato inicial previsto entre o Ministério da Saúde e o laboratório Bharat Biotech, a entrada da empresa Precisa na história revelou-se uma caixa de muitas surpresas: pagamento de US$ 45 milhões em nome de uma offshore, frete no valor de R$ 5 milhões, redução de um milhão de doses de vacinas.
A trilha da prevaricação, segundo externaram senadores, pode conduzir ao coronel Élcio Franco, que foi braço direito do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, e ao ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência que, em coletiva de imprensa, exibiu outra versão, supostamente adulterada, do documento testemunhado por Willian.
A reunião da CPI desta sexta-feira deve adensar mais fumaça na cortina de Bolsonaro, que atiça as Forças Armadas contra o Congresso Nacional, ofende o TSE e ameaça as próximas eleições, tudo para desviar-se do cerco da comissão de inquérito e da queda drástica de popularidade.
Embora esteja no epicentro da crise política, esta é uma CPI criada no roldão de uma crise sanitária. Argumentos complementares contribuem para localizar o tema da aquisição de vacinas no plano original da comissão, que previa apurar o "enfrentamento da pandemia" e a "execução do plano nacional de imunização".
Não só a CPI, mas agora o Ministério Público Federal afirmou ter provas cabais de que o ex-ministro Pazuello atrasou de forma deliberada as tratativas com a Pfizer para o fornecimento de vacinas.
Bem encaminhado o caso de polícia e de justiça às perdas passadas, o que mais mereceria atenção são os possíveis novos atrasos e novos impedimentos na compra de vacinas.
O governo federal precisa hoje, urgentemente, obter mais de 200 milhões de novas doses de vacinas para completar a imunização de 130 milhões de brasileiros. São 78 milhões de pessoas que não tomaram nenhuma dose até o dia 9 de julho, além daqueles que acessaram a primeira dose, mas ainda não receberam a segunda.
Essa demanda inicial refere-se à meta de vacinar todos os adultos acima de 18 anos até o final de 2021, mas não inclui a possível futura imunização de adolescentes e crianças, nem a eventual necessidade de terceira dose ou de reedição anual da vacinação.
Em julho, a previsão de 42 milhões de doses foi reduzida para 40,4 milhões, mas o governo federal anunciou a entrega de 135 milhões de unidades entre agosto e setembro, sendo a metade adquirida da Pfizer.
Os quantitativos da vacina Coronavac, via Butantan e da Astrazeneca, via Fiocruz, foram complementados com imunizantes comprados da Pfizer, da Jasen e do fundo Covax Facility, da OMS. Mas não são, por ora, suficientes.
Para o último trimestre deste ano o Ministério da Saúde promete mais 200 milhões de doses, mas nessa conta estão as vacinas Covaxin e Sputinik, ainda não aprovadas pela Anvisa e cujas respectivas representantes dos fabricantes no Brasil, a Precisa e a União Química, são pivôs dos contratos esfarelados após as denúncias de irregularidades.
Embora a vacinação no País esteja em andamento, a demanda continuará superando a oferta por algum tempo.
Sem poder contar exclusivamente com os grandes laboratórios que abastecem prioritariamente os países ricos, Nações de renda baixa e média dependerão da produção local e de vacinas vindas principalmente da China, da Índia e da Rússia.
Nada no horizonte autoriza supor que será substituído o fluxo de abastecimento de imunizantes que liga o Brasil ao Oriente.
O já bem dissecado escândalo da Covaxin é relevante para sanear falcatruas.
Paralelamente, é imprescindível a retomada de boas relações diplomáticas e comerciais com todos os centros produtores. O imenso poder de compra do Brasil deve ser usado para abastecer o SUS de imunizantes a preços justos.
O desafio é romper os elos da corrupção sem deixar de garantir a oferta adequada e continuada de vacinas.