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A análise atenta dos principais depoimentos e documentos obtidos pela CPI da Covid na visão do especialista em saúde pública Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP

CPI da Covid produz mais fumaça na cortina de Bolsonaro

Na CPI que escrutina maus feitos do governo, já despontaram servidores públicos com preferências e influências suspeitas, alguns tiveram sigilos quebrados, outros são investigados por condescendência criminosa.

Por Mário Scheffer
Atualização:

O depoente do dia, William Santana, entrou na relação das testemunhas que respiram engajamento e zelo ao protegerem a coisa pública.

Acidentalmente, a atuação elogiada do consultor técnico, que não integra a carreira do funcionalismo, chamou a atenção para os vínculos terceirizados e precários via organismos internacionais, tão comuns na burocracia federal.

O depoimento de William Santana nesta sexta, 9, na CPI da Covid. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

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Subordinado a Luis Ricardo Miranda, outro servidor do Ministério da Saúde que denunciou irregularidades no contrato da vacina Covaxin, Willian relatou seu estranhamento com o conteúdo de uma invoice, espécie de nota fiscal internacional.

Diferente do contrato inicial previsto entre o Ministério da Saúde e o laboratório Bharat Biotech, a entrada da empresa Precisa na história revelou-se uma caixa de muitas surpresas: pagamento de US$ 45 milhões em nome de uma offshore, frete no valor de R$ 5 milhões, redução de um milhão de doses de vacinas.

A trilha da prevaricação, segundo externaram senadores, pode conduzir ao coronel Élcio Franco, que foi braço direito do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, e ao ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência que, em coletiva de imprensa, exibiu outra versão, supostamente adulterada, do documento testemunhado por Willian.

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A reunião da CPI desta sexta-feira deve adensar mais fumaça na cortina de Bolsonaro, que atiça as Forças Armadas contra o Congresso Nacional, ofende o TSE e ameaça as próximas eleições, tudo para desviar-se do cerco da comissão de inquérito e da queda drástica de popularidade.

Embora esteja no epicentro da crise política, esta é uma CPI criada no roldão de uma crise sanitária. Argumentos complementares contribuem para localizar o tema da aquisição de vacinas no plano original da comissão, que previa apurar o "enfrentamento da pandemia" e a "execução do plano nacional de imunização".

Não só a CPI, mas agora o Ministério Público Federal afirmou ter provas cabais de que o ex-ministro Pazuello atrasou de forma deliberada as tratativas com a Pfizer para o fornecimento de vacinas.

Bem encaminhado o caso de polícia e de justiça às perdas passadas, o que mais mereceria atenção são os possíveis novos atrasos e novos impedimentos na compra de vacinas.

O governo federal precisa hoje, urgentemente, obter mais de 200 milhões de novas doses de vacinas para completar a imunização de 130 milhões de brasileiros. São 78 milhões de pessoas que não tomaram nenhuma dose até o dia 9 de julho, além daqueles que acessaram a primeira dose, mas ainda não receberam a segunda.

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Essa demanda inicial refere-se à meta de vacinar todos os adultos acima de 18 anos até o final de 2021, mas não inclui a possível futura imunização de adolescentes e crianças, nem a eventual necessidade de terceira dose ou de reedição anual da vacinação.

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Em julho, a previsão de 42 milhões de doses foi reduzida para 40,4 milhões, mas o governo federal anunciou a entrega de 135 milhões de unidades entre agosto e setembro, sendo a metade adquirida da Pfizer.

Os quantitativos da vacina Coronavac, via Butantan e da Astrazeneca, via Fiocruz, foram complementados com imunizantes comprados da Pfizer, da Jasen e do fundo Covax Facility, da OMS. Mas não são, por ora, suficientes.

Para o último trimestre deste ano o Ministério da Saúde promete mais 200 milhões de doses, mas nessa conta estão as vacinas Covaxin e Sputinik, ainda não aprovadas pela Anvisa e cujas respectivas representantes dos fabricantes no Brasil, a Precisa e a União Química, são pivôs dos contratos esfarelados após as denúncias de irregularidades.

Embora a vacinação no País esteja em andamento, a demanda continuará superando a oferta por algum tempo.

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Sem poder contar exclusivamente com os grandes laboratórios que abastecem prioritariamente os países ricos, Nações de renda baixa e média dependerão da produção local e de vacinas vindas principalmente da China, da Índia e da Rússia.

Nada no horizonte autoriza supor que será substituído o fluxo de abastecimento de imunizantes que liga o Brasil ao Oriente.

O já bem dissecado escândalo da Covaxin é relevante para sanear falcatruas.

Paralelamente, é imprescindível a retomada de boas relações diplomáticas e comerciais com todos os centros produtores. O imenso poder de compra do Brasil deve ser usado para abastecer o SUS de imunizantes a preços justos.

O desafio é romper os elos da corrupção sem deixar de garantir a oferta adequada e continuada de vacinas.

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