PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

A campanha eleitoral na internet e nos tribunais

Explicando uma paródia eleitoral

Por Conexão Eleitoral
Atualização:

Por Eduardo Magrani* e Pedro Campos**

PUBLICIDADE

Recentemente o vereador reeleito de Altamira, no Pará, João do Biscoito, viralizou no Facebook com seu vídeo de campanha. A personagem Elza do filme Frozen da Disney aparece no vídeo cantando sua famosa música "Let it Go", com a letra modificada voltada à promoção do candidato. O vídeo atingiu centenas de milhares de visualizações e coloca em discussão a legitimidade deste tipo de uso de obras artísticas para fins eleitorais.

Em todos os anos de eleições é comum a realização de jingles para candidatos. Por vezes os jingles são completamente originais, por vezes são inspirados em músicas populares. Carros com autofalantes os tocam na rua, na televisão, se escuta durante o horário eleitoral obrigatório e, dependendo da criatividade da obra nova, seja música ou vídeo, viralizam na internet.

Em meio a tantos casos similares ao do candidato João do Biscoito, muitos perguntam-se se é legal fazer esse tipo de propaganda ou se isso viola direitos autorais, sendo necessária uma autorização prévia e expressa para essa finalidade. Perguntado por um jornalista do jornal digital ZH, do Rio Grande do Sul, sobre se tinha medo que a Disney o processasse, o candidato respondeu: "Nunca passou pela minha cabeça estar cometendo um crime. A gente é ciente que direitos autorais têm que ter, mas em nenhum momento imaginaria uma situação dessas".

Muitos candidatos utilizam obras, mesmo considerando estarem agindo de forma ilegal, por saberem que suas campanhas têm impacto apenas regional e dificilmente chegará ao conhecimento do proprietário do direito. Nos tempos de internet, essa realidade se modifica. O vídeo de um candidato a vereador no Pará chegou ao alcance de brasileiros em todos os Estados.

Publicidade

A lei de direitos autorais (9.610/98) protege criações intelectuais destacando a necessidade de se ter autorização para os mais diversos usos enquanto a obra ainda não estiver no domínio público. Contudo, a própria lei ao tratar das limitações aos direitos de autor traz a possibilidade de se realizar paródias sem a necessidade de uma autorização prévia e expressa mesmo tratando-se de obras protegidas. A exceção está prevista no artigo 47 da lei, que define: "são livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito". Cabe então a pergunta, os vídeos como o do candidato João do Biscoito, podem ser enquadrados na exceção do artigo 47, como paródias?

Responder a essa pergunta passa a ser uma tarefa difícil se considerarmos ao mesmo tempo a amplitude conceitual do termo paródia e a divergência de interpretações desta matéria no judiciário brasileiro.

O STJ possui apenas um acórdão sobre este tema. A maioria das discussões sobre esse assunto são travadas nos tribunais inferiores. No ano passado, o TJ-SP decidiu que não se enquadra como paródia. No caso, o titular dos direitos patrimoniais da obra "O portão" de Roberto Carlos e Erasmo Carlos processou o Deputado Tiririca por utilizar a música como base para seu jingle. Na decisão, o juiz alegou que "O material publicitário, como seria de se esperar, busca a promoção do candidato, a exclusiva satisfação de seus interesses eleitorais. Não tem como finalidade o humor, o lazer, a diversão dos telespectadores". A decisão não remete a decisões de outros tribunais e pareceu ter como elemento definidor o fato da música modificada ter sido usada para fins de campanha.

Há uma dificuldade inerente de se fazer qualquer juízo definitivo para a caracterização da paródia levando em conta se tratar, em último grau, de uma discussão estética. Para tanto deve-se levar em consideração a presença do elemento de escárnio e o grau de originalidade da obra nova. No entanto, os elementos que vêm embasando o judiciário brasileiro para fundamentar as decisões nesta matéria não se referem a esta problemática. Os elementos invocados para descaracterizar a legitimidade do uso costumam ser o intuito de lucro e a finalidade eleitoral perfazendo, em sua maioria, interpretações equivocadas.

O enquadramento como paródia na exceção da lei autoral não pode ser desconsiderado por estar atrelado a finalidades eleitorais ou mesmo pelo intuito de exploração econômica. Estas restrições não se encontram na redação do artigo justamente para permitir criações novas com um grau maior de liberdade nos usos pretendidos pela sociedade. Outra falha na fundamentação destas decisões é não fazer o menor esforço de ponderação da proteção autoral com a liberdade de expressão. As paródias em tempos eleitorais devem ser compreendidas à luz da liberdade de expressão e das limitações aos direitos de autor, deixando a falta de humor para as decisões judiciais equivocadas.

Publicidade

 Foto: Estadão

Foto: Reprodução Estadão

*Professor e Pesquisador da FGV DIREITO RIO.

** Assistente de pesquisa da FGV DIREITO RIO.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.