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“Eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa.” (Guimarães Rosa)

Provocações despertam os descontentes

Por Carlos Melo
Atualização:
 Foto: Léo Souza/Estadão

Não foi inocente passeio de moto. Foi ato político e eleitoral, tentativa de demonstração de força. O TSE pode não admitir, mas Jair Bolsonaro não desceu do palanque, onde permanecerá enquanto as instituições permitirem. Está em campanha e faz enfrentamentos que erroneamente julga serem inibidores de qualquer reação. Seus gestos são tomados pelo cálculo eleitoral, mas essa obsessão pode despertar seu contrário.

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Conflitos são potencializados. O primeiro, contra a realidade da pandemia. O vírus é transmissível e mata. Como não soube lidar com a crise, a ilusão do presidente é negá-la, como se ao fazê-lo a superasse. Ao externar isso, torna-se mais vulnerável: a tragédia afetou milhões de pessoas, vidas que poderiam ser poupadas. Bolsonaro faz lembrar disso a toda hora.

Bolsonaristas externam a rebeldia como tática de ataque. A opção por motocicletas não é gratuita; os símbolos controlam os homens e expressam uma revolta contra o sistema, que já não faz sentido. Bolsonaro não só faz parte dele, como capitulou docemente à sua lógica. Não mais se trata de salvar o Brasil. Subverteu-se o lema numa nova inscrição: "bolsonaristas acima de tudo, Bolsonaro acima de todos". Milhões percebem o farisaísmo da encenação.

É o enfrentamento com a maioria da sociedade, categoria sociológica que Bolsonaro não compreende. Maniqueísta, tudo o que não reluz a negacionismo é esquerdismo. Essa visão binária não compreende que as provocações que Bolsonaro hoje semeia excedem palanques e candidaturas e criam um sentimento essencial de proteção. As críticas progridem para o ressentimento e podem, por fim, unificar os descontentes.

É o que se ensaia hoje na vasta oposição despertada contra o bolsonarismo. Manifestações para além do jogo eleitoral estão programadas e têm mobilizado mais que ativistas e militantes. A questão supera a "eleição", tornando-se vital: a recomposição do nervo ético e político perdidos; a superação do caos. Bolsonaro desperta, assim, seus maiores inimigos: o esclarecimento e a unidade.

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Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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