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“Eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa.” (Guimarães Rosa)

O desconcerto do governo Bolsonaro

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Por Carlos Melo
Atualização:
 Foto: Marcelo Camargo - Agência Brasil.

A CPI explicita o déficit de liderança, qualidade e coesão do governo Bolsonaro. À exceção do gerente-geral da Pfizer, Carlos Murillo, os depoentes são antigos ou atuais aliados de Jair Bolsonaro e revelaram o modo como as salsichas são feitas no bolsonarismo: até aqui, o que emergiu foi o caos que combina ideologia, burocracia e verborragia, num todo improdutivo e ineficaz. A disfuncionalidade é marca do governo.

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Sem saída, os depoimentos de Fabio Wajngarten, Ernesto Araújo e Eduardo Pazuello têm em comum afirmações de que não recebiam orientações diretas do presidente da República; teriam autonomia no âmbito de cada ministério; dali para fora, a responsabilidade não lhes cabia. Jogando o embrulho para o outro lado, lavam as mãos.

Pazuello ponderou que "o governo é uma orquestra", afinal. Mas, na prolixidade de um raciocínio contraditório, revelou que os gestos do maestro são miragem; "uma postagem na Internet não é uma ordem", é apenas a "posição de um agente político". Referia-se a Bolsonaro, cuja batuta, as redes sociais, seria fantasia. Conforme o Datafolha, apenas 14% acreditam sempre no que o presidente diz. Pazuello indica não ser um desses.

É claro, tenta-se poupar Jair Bolsonaro dos erros do governo e dos seus diretamente. Mas, revela-se também que o presidente, supostamente, passaria ao largo das questões da pandemia. Não haveria conexão, coordenação, articulação e comando entre ministérios, papel do chefe de governo. Os constrangimentos de admitir uma liderança alienada parecem menores que os temores de futura atribuição de crimes de responsabilidade.

Da plateia, ouve-se uma espécie de funk carioca: Flávio Bolsonaro provoca, prestes a "chutar os paus da barraca". A CPI, no entanto, finge ignorá-lo. E revela que, no ensaio de orquestra de Jair Bolsonaro, a música primitiva não ressoa o choro das famílias na pandemia. Definitivamente, desafinação assim provoca imensa dor. Na política, dissonâncias são percebidas, e todo desconcerto, cedo ou tarde, é revelado.

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Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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