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“Eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa.” (Guimarães Rosa)

No segundo turno não basta agir na bolha. É hora de dizer ao que veio.

Por Carlos Melo
Atualização:
Pesquisa foi realizada com 1.001 eleitores entre os dias 16 e 18 de novembro Foto: Estadão

 

No primeiro turno, Bruno Covas foi favorecido pelo cargo e por possuir notáveis instrumentos de campanha. Sua decidida adesão à política de distanciamento social foi reconhecida como o que podia ser feito diante do drama da pandemia e das recomendações da ciência. Além disso, os fantasmas de Celso Russomanno e Jair Bolsonaro o tornaram uma espécie de bote salva-vidas da democracia, na cidade.

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Já Guilherme Boulos foi levado pelas mãos de uma parcela tradicional do eleitorado paulistano. A esquerda procurava um candidato e viu em Boulos a possibilidade de preencher a lacuna deixada pelo PT. Ele se saiu bem, deixou a linha auxiliar dos petistas e colocou os pés no cenário nacional. Foi a surpresa da eleição.

Ambos aproveitaram as circunstâncias, mas essa fase passou. No segundo turno, muitas vantagens perdem importância ou centralidade. Não basta agir na bolha, jogar no erro do adversário ou explorar sua rejeição - quando, é claro, ela não está em níveis intransponíveis. É a hora de demonstrar qualidades superiores; dizer ao que veio e para onde pretende ir. O país parece cansado de campanha apenas negativa, de candidatos -- e, depois, governantes -- falastrões que nitidamente nada sabem a respeito do que falam.

Assim, superado o temor diante do bolsonarismo, o conjunto da gestão de Covas será escrutinado de um modo, antes, deixado ao largo da atenção dos eleitores. Seu desafio é mostrar que merece a confiança; que há mérito no que fez, coerência e credibilidade no que promete. Para Boulos, já não basta a suposta herança simbólica do lulismo; tampouco desqualificar o adversário. Seu desafio é reduzir a desconfiança e convencer a maioria de que está apto: que seus planos são tangíveis, não ilusão ou demagogia.

A primeira pesquisa de segundo turno, realizada pelo Ibope/Estadão/TV Globo, mostra que Covas apresenta, ainda, relativo favoritismo. Mas o resultado está em aberto: numa megalópole como São Paulo, problemas não faltam assim como a incapacidade para resolvê-los tem sido constante há décadas. A verve e a loquacidade, que saem pelos poros de Guilherme Boulos, não deixarão que dramas e mazelas da administração tucana passem despercebidos, naturalmente.

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Por outro lado, respostas e soluções demasiadamente simples - quase simplórias - muito comuns em Boulos, tampouco passarão impunes pela atenção dos eleitores e pela crítica da imprensa em geral. Superação e algum tipo de equilíbrio entre realidade e promessas pode se impor, num embate político sob medida para profissionais. O substantivo ficará acima dos adjetivos? É bom que o país se reencontre com disputas de nível. Até porque elas têm feito falta.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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