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“Eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa.” (Guimarães Rosa)

História

"Mais uma flechada em São Sebastião"? Claro que não. O processo está mais para o espancamento da história.

Por Carlos Melo
Atualização:

Adivinhar o futuro é tarefa tão custosa quanto vã; mas o futuro não é a Deus que pertence. Ele é fruto do processo que se delineia sempiternamente, minuto a minuto no constante no presente. Mais ou menos, o que dizia o Velho Marx: "os homens fazem a história, mas não sabem a história que fazem". O que será o destino do governo Dilma ou do ex-presidente Lula? Quem saberá dizer... só mesmo o processo é que permite indagar, como uma bola de cristal um tanto menos inconfiável, que esse destino não será nenhum pouco brilhante quando construído de todas estas sombras do agora.

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Vistos com olhos de hoje, é impossível não admitir que Dilma e Lula estão metidos numa consistente e indesmentível enrascada. Não se trata de simples "armação da mídia" ou da estupefata, nefelibata e inofensiva oposição. A tergiversação de Lula não consegue omitir o óbvio: as justificadas prisões de José Carlos Bumlai e de Delcídio do Amaral desenham um abismo que olha para a atual e para o ex-presidente como que os convocando. Negar isto não implica apenas em "petismo" ou "torcida" ou teimosia, mas em remata da tolice.

A situação que estava distante de ser favorável ou caminhar para uma melhora - ler aqui "equilíbrio instável" --, evidentemente, piorou muito e aceleradamente. O nome dado à operação que colocou Bumlai atrás das grades - "Passe Livre" - é uma ironia não com o agora detento que, antes, tinha livre circulação nos Palácios de Luiz Inácio, mas com o próprio ex-presidente. Uma estocada indireta de quem já provoca, mas ainda não quer ir às vias de fato, já que, ao que parece, nos cálculos de Sérgio Moro e de sua turma, não é hora de um enfrentamento direto e em mar aberto contra Lula. Momento que chegará, pelo rumo dos ventos.

Dizem os mais crentes que isso tudo é irrelevante, que Lula é forte e os fatos apenas "mais uma flechada em São Sebastião". Com efeito, São Sebastião morreu açoitado. E a quantidade de pancadas que o ex-presidente tem levado, a vulnerabilidade (inclusive familiar) a que tem sido exposto, não o fortalecem - nem adianta insistir com mitificações ou sofismas: a situação de Lula está longe de qualquer controle; a diminuição de sua densidade política é inegável; Lula está "despoderado" ou em processo de franco "despoderamento". Nem mesmo sua base histórica -- já não tão jovem e nem tão petista -- parece acreditar em sua mitologia.

Com Dilma não é diferente. Seu governo não consegue encontrar saídas; nem mesmo o remédio amargo parece viável -- quanto mais o doce ajuste com crescimento!!! Se um é impraticável pela política, o outro é improvável pela economia. O beco é escuro e as poucas luzes se apagam. Agora foi o caso de Delcídio do Amaral. Não é pouca coisa: o senador era ativo líder do governo; estava longe de ter papel decorativo. No processo de negociação parlamentar -- já tortuoso e dificílimo --, possuía maior trânsito que qualquer outro líder (sic!) petista. Seu recolhimento forçoso e sua desmoralização não abrem lacuna, expressam-se num rombo na articulação do Planalto.

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E se fosse apenas isso... Sua prisão, assim como a do banqueiro André Esteves, estabelece nova rodada de pânico. Ninguém é capaz de saber qual a decorrência disto; o que será "encontrado" nos arquivos, nos celulares, nas anotações. Se estarão dispostos a colaborar; quem será implicado; quais as ramificações de mais esta lambança em que meteram o país e, sim, o governo. O mínimo que se pode dizer de ambos é que são indivíduos muito (mas MUITO) bem relacionados; o grau e o raio de irradiação dessa fonte de energia é ainda imensurável. Quem estaria contaminado pelo contato? Delcídio, por exemplo, era das poucas pessoas a ter, ele também, uma espécie de "passe livre" com Dilma. O que pode resultar? É claro que esse futuro não cabe a Deus.

Como tenho assinalado, o país está condenado a uma crise crônica, com momentos de piora. Vive, no momento, mais uma fase aguda. O corpo sofre e a alma parece querer se libertar; já não estar nesse mundo. Mas, ninguém vai antes da hora. O timing é o da política e o processo é o da história. Vivemos a história, sem saber a história que está sendo feita.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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