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Volta às aulas na fase ômicron: por que seguir defendendo o retorno presencial?

A pandemia do coronavírus no Brasil revelou uma série de deficiências nas nossas políticas públicas, mas provavelmente a área que mais sofreu com a negligência de gestores ao redor do país foi a educação. Desde 2020, estudantes brasileiros vivem na incerteza se vão voltar a frequentar suas escolas e já acumulam impactos não apenas em sua aprendizagem, mas também em suas saúdes física e emocional. Esses reflexos negativos vêm sendo medidos pelas pesquisas e censos educacionais, mas a dúvida em relação ao retorno presencial para ano letivo de 2022 ainda paira em diferentes municípios ao redor do país.

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Por Marcela Trópia é graduada em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro , pós-graduada em Liderança , Gestão Pública pelo CLP ? Centro de Liderança Pública. Em 2020 e foi eleita vereadora pelo p
Atualização:

Em 2020, quando a comunidade internacional já discutia o retorno seguro das aulas presenciais antes do início da vacinação em massa, grande parte dos gestores públicos decidiu aguardar a imunização do grupo de professores. Ainda que organizações que são referência na educação como a Unicef e a Unesco não condicionassem a reabertura a esse fator, só vimos gestores públicos cogitarem a reabertura em meados de 2021. 

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Depois, houve quem argumentasse que o ano letivo já estava no fim e que não valia a pena retornar para ter apenas dois meses de aula. Nessas idas e vindas, em que a urgência de garantir o acesso à educação para crianças e adolescentes foi colocada em segundo plano, o Brasil alcançou uma média de 279 dias de escolas fechadas, como confirmou o Censo Escolar de 2021. Para se ter ideia, Chile e Argentina registraram 199 dias. No México, foram 180 dias de paralisação, enquanto França e Portugal contabilizaram 43 e 67 dias, respectivamente. 

A chegada da variante ômicron trouxe de volta a incerteza sobre o retorno presencial. Enquanto deveríamos estar focados em recuperar o tempo perdido, investindo no reforço escolar e fazendo a busca ativa dos jovens que abandonaram seus estudos, os municípios adiam o retorno das aulas. Mais uma vez, a realidade nos mostra que priorizar a educação ainda permanece como um discurso floreado e vazio, que não se consolida nas decisões de políticos e gestores públicos.

Duas semanas fazem muita diferença 

Há quem defenda que uma ou duas semanas de adiamento, a fim de aguardar a vacinação completa dos estudantes, não fará diferença. Mas, para crianças como as de Belo Horizonte, essas semanas se somam a mais de 400 dias sem pisar na escola. Em um contexto em que grande parte das famílias não têm estrutura para garantir o acesso ao ensino remoto com qualidade - nem equipamentos, nem conectividade - como é o caso do Brasil, ficar tanto tempo fora da escola significa uma inevitável queda de aprendizagem. Além da tremenda frustração de iniciar mais um mês de fevereiro sem o retorno presencial garantido.

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Um estudo da Fundação Getúlio Vargas, que analisou dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), revelou que os alunos brasileiros nitidamente deixaram de aprender em matemática e em português em 2020, sendo que os mais prejudicados foram os do Ensino Fundamental. Os estudantes dos anos finais dessa fase tiveram, em média, uma queda equivalente a voltar para a proficiência brasileira de três anos atrás em Português e Matemática.

É preciso pensar não apenas no número de dias letivos adiados, mas principalmente no processo educacional interrompido por mais duas semanas. Outra análise da Fundação Getúlio Vargas identificou que a alfabetização no Brasil retrocedeu 15 anos durante a pandemia, com alunos de 5 a 9 anos acumulando os piores números de queda de aprendizagem. 

Apenas esses dados deveriam ser mais do que suficientes para reforçar a urgência de colocar a educação em primeiro lugar, mesmo em cenários mais instáveis da pandemia. Mais do que nunca, precisamos que o setor público esteja comprometido com a recuperação dessa perda de aprendizagem, garantindo mais tempo e recurso investido no reforço escolar dessas crianças e adolescentes. 

A educação brasileira não tem tempo a perder

Os impactos da negligência com a educação são evidentes e críticos nos estudos que medem a aprendizagem dos alunos, como citado acima. Mas, há uma outra face dessa história que preocupa os especialistas: a evasão e o abandono escolar. Conseguir manter os jovens na escola até o final da educação básica já era um problema antes da pandemia. Agora, com os desafios impostos pelo ensino remoto, a incerteza do ensino presencial e a necessidade de compor a força de trabalho das famílias, o aumento do número de jovens que desistem de estudar é alarmante.

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No entanto, outra estatística do abandono escolar no Brasil traz preocupação. Dados do Censo Escolar 2021 (INEP), revelam que mais de 650 mil crianças de até 5 anos deixaram as escolas e creches brasileiras entre 2019 e 2021. Pela primeira vez, desde 2005, as matrículas caíram na educação infantil, colocando o Brasil mais longe de alcançar a meta do Plano Nacional de Educação de ter 50% das crianças de zero a três anos matriculadas nas creches. Esse dado escancara o desafio de alfabetização que temos pela frente.

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Adiar a volta às aulas não pode ser uma opção 

Diante desse cenário tão preocupante, não restam dúvidas de que adiar o retorno presencial do ano letivo de 2022 não deveria sequer ser cogitado pelos gestores públicos. Se a justificativa é incentivar a vacinação, por que não aproveitar a escola como ambiente de conscientização a respeito da importância da imunização? A comunidade escolar pode ser uma parceira importante nesse processo.

A volta às aulas presenciais precisa acontecer em conjunto com o plano de vacinação, em vez de ser condicionada ao seu encerramento. É preciso relembrar que, mesmo sem vacinas, a reabertura já deveria ter sido prioridade, como garante o Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Segundo porque, como vimos acontecer ao longo da pandemia, a vacinação pode atrasar por fatores que fogem do controle dos gestores estaduais e municipais, e a educação das nossas crianças e adolescentes não pode ser colocada de escanteio de novo. 

A experiência de reabertura do ano passado comprovou algo que era a expectativa de muitos: a sala de aula e os ambientes escolares são espaços seguros e controlados, que respeitam os protocolos e são capazes de evitar ou controlar surtos de contaminação. Afastar o aluno da escola mais uma vez é passar uma mensagem clara para a sociedade que, ainda que famílias, alunos e professores tenham feito a sua parte, a educação segue em segundo plano, sendo negociada sem qualquer constrangimento por alguns atores políticos. É chocante pensar que, começando o terceiro ano de combate à Covid-19, precisamos trazer de volta o mote que repetimos desde o início: a escola deve ser a primeira a abrir e a última a fechar. Mas faremos isso enquanto for necessário, pois nossas crianças e adolescentes não podem mais esperar.

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