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Transformando a gestão pública brasileira e fortalecendo a democracia

Quando menos é muito mais!

Ainda no período eleitoral surgiram dúvidas sobre a possibilidade de convivência entre um credo liberal na economia e as tendências autoritárias e estatizantes do então candidato. Ao longo deste primeiro ano de mandato, a contradição saiu do campo das ideias. Foi transferida para as dificuldades que a gestão política trouxe para a tramitação de reformas. As diferenças conceituais foram sendo aplainadas, ou colocadas em segundo plano. A exemplo das divergências na previdência de servidores públicos, no programa de privatização, no imposto sobre movimentação financeira e no tempo adequado para a reforma administrativa. Na medida em que os resultados na economia não foram sendo entregues, pelo menos na velocidade prometida, foi ocorrendo uma convergência.

Por Cézar Rogelio Vasquez é engenheiro de produção pela UFRJ , com mestrado em engenharia de produção pela COPPE/UFRJ , MBA em finanças pelo IBMEC/RJ , pós-graduado pelo Master em Liderança e Gestão Pública
Atualização:

E aos poucos vai surgindo uma outra identidade entre o Posto Ipiranga e o Planalto. A sensação de que ambos, cada qual a seu modo e em sua seara, têm uma visão genérica sobre como as coisas funcionam, mas não uma proposta coerente e integrada para os caminhos do país. Tanto num caso como no outro, há inequívocos posicionamentos corretos. Buscar um novo relacionamento do executivo com o legislativo, por exemplo. Partindo de uma visão genérica correta, de evitar o toma lá dá cá, o Governo gerou crises sucessivas. E nessa forma atabalhoada acabou ajudando a criar um novo protagonismo, mais saudável, do poder legislativo.

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Na economia há semelhanças. A chamada "agenda liberal" incorpora temas que, embora polêmicos, são inevitáveis. Responsabilidade fiscal, melhoria do ambiente econômico, simplificação tributária, melhorar e baratear o acesso à serviços financeiros, privatização e concessões públicas, aumento da produtividade, abertura comercial e maior competitividade e a revisão de subsídios. Não são temas exclusivos de uma agenda liberal. O problema é que a equipe econômica não alinha de forma coerente esses e outros elementos. Algumas vezes de forma muito genérica e de outras contraditória. Como certos aspectos do programa "Carteira verde-amarela", do tabelamento do cheque especial, ou de uma suposta abertura comercial para a China, por exemplo.

Fica a impressão de que falta algo. O ingrediente capaz de levar o país a um ciclo de desenvolvimento sustentado. Não que a lista acima não seja em si mesma um "programa". Muito além do que o governo talvez seja capaz de encaminhar, ou que sejam temas simples de serem enfrentados. A injunção de cada um deles com o cenário político pode ser suficiente para gerar a rápida perda de popularidade para qualquer Governo.

Fica também a sensação de que há "distância entre intenção e gesto". Como se a visão declarada não fosse para valer. Um interessante alerta sobre essa falta de coerência foi feito por Edmar Bacha, no artigo "Liberalismo tropical" (O Globo 03/12/2019), ao criticar a postura do ministro Paulo Guedes, e do Governo, em adiar a abertura econômica, "para quando tivermos uma infraestrutura supimpa e um sistema tributário de primeiro mundo"... "postergar a abertura apenas favorece os interesses de empresas que são incapazes de competir, e que subsistem porque podem impunemente explorar os brasileiros com seus produtos caros e de baixa qualidade. Tal é a realidade de nosso liberalismo tropical".

Talvez esteja faltando, ou por convicção não se julgue necessário, uma visão que articule os necessários elementos listados com uma estratégia de inserção e posicionamento do país no processo de Globalização. No livro "Meeting Globalization's Challenges - Polices to Make Trade Work for All", organizado por Maurice Obstefeld e Luis A. V. Catão, é apresentado um bom painel para reflexões sobre estratégias de diferentes países no processo de globalização. O desafio para países em desenvolvimento, em especial os de renda média como o Brasil, é que o modelo asiático de abertura comercial e industrialização baseada em baixos custos de produção, parece esgotado em função dos avanços tecnológicos recentes. Mesmo países como o Vietnã, que tiveram fortes aumentos na exportação de manufaturados, correm o risco de enfrentar futuros processos de "desindustrialização" e arriscam não ter sucesso ao perseguir esta trilha, e de não conseguir alcançar um padrão de desenvolvimento como a Coréia do Sul, por exemplo.

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No capítulo III, "Trade Strategy, Development, and the future of the Global Trade Regime", escrito por Dan Rodrik, há uma passagem sobre os desafios e oportunidades de países como o Brasil. "Países de renda média, como os da América Latina, podem ter maiores oportunidades porque já possuem muitas empresas extremamente produtivas em seus setores avançados. Eu acho que a chave será a formulação de políticas industriais, ou políticas de desenvolvimento produtivo, como são chamadas na região, que aumentam os vínculos dessas empresas de fronteira com o resto da economia - usando mais fornecedores domésticos, aumentando o investimento a montante, e melhor treinamento dos trabalhadores. Será tão importante diminuir a heterogeneidade produtiva e o dualismo nesses países quanto garantir que você possa ir além com o comércio e a globalização. Essa imagem leva a uma visão um pouco diferente de como pensamos sobre a política industrial, que também será cada vez menos relacionada à manufatura em si. Vai ser muito mais sobre serviços, muitos dos quais podem não ser negociáveis. Isso remonta ao pensamento em termos de esforços em toda a economia, em vez de simplesmente fabricação orientada para a exportação." (Tradução livre).

Uma agenda muito mais ampla, que inclui, obrigatoriamente, uma política voltada para o empreendedorismo e a inovação. E, nesse caso, será inevitável falar de uma política de desenvolvimento na qual pequenas e médias empresas serão protagonistas de primeira grandeza. E aqui, mais uma vez, vemos um discurso contraditório. Ao mesmo tempo em que o Governo ensaia uma agenda de competitividade e produtividade, ele reduz os recursos do SEBRAE (MP 907) e os destina para a criação de uma Agência de Promoção Internacional do Turismo em substituição à Embratur. E parece não conseguir definir claramente o que seria uma política para o empreendedorismo, que acaba confundida com uma política de compensação ao desemprego.

Existem duas agendas sobre empreendedorismo que competem. Uma voltada para o crescimento e a competitividade, e outra voltada para a redução da informalidade e a melhoria da produtividade média das pequenas empresas. Não chegam a ser contraditórias, mas precisam ser pensadas separadamente. Em primeiro lugar, é preciso desmistificar o universo das pequenas empresas. Por mais importante que elas sejam para o emprego, para a oferta de bens e serviços e para a distribuição de renda, a maioria esmagadora nasce e permanecerá pequena. E muitas terão poucos anos de vida. Um número elevado de empresas, em particular aquelas com poucos empregados ou o chamado por conta própria, não é um sinal necessariamente positivo. Não é nem mesmo um indicador a ser perseguido. Para esse universo de empresas, a questão é assegurar a melhoria de processos básicos de gestão, a introdução de técnicas conhecidas e a possibilidade de acesso a mercados que ultrapassem o círculo de conhecimento do próprio empreendedor. Trata-se de uma mobilização do poder local e da sociedade para estimular e facilitar o acesso à informações e serviços. É uma vertente de atuação que, num quadro de crescimento econômico, pode ter impacto na produtividade média, na qualidade dos postos de trabalho e no ambiente de negócios em geral. Indiretamente, contribui positivamente para uma política de desenvolvimento, mas não pode ser o seu foco.

Num interessante trabalho intitulado "Institucional Reform for Innovation and Entrepreunership: An Agenda for Europe" há uma passagem que explicita bem esta separação de focos e as possíveis consequências. "Os pesquisadores enfatizam cada vez mais a necessidade de se concentrar em medidas que capturem adequadamente o empreendedorismo inovador e orientado para o crescimento. Eles também se concentram na distinção entre empreendedorismo de oportunidade e necessidade - ou seja, se alguém se torna um empreendedor por causa de uma ideia de negócio potente ou por outros motivos, como falta de meios melhores para ganhar a vida. O que importa são os aspectos qualitativos do empreendedorismo, e as evidências empíricas sugerem que uma economia que promove (algumas) empresas de alto crescimento e empresas de alto impacto cresce mais rapidamente do que uma economia que tenta maximizar o número de pequenas e médias empresas (PME) ou a taxa de auto emprego." (tradução livre)

A articulação das novas oportunidades nessa fase da Globalização com uma política que combine empreendedorismo de crescimento e alto impacto requer mudar o tratamento dado às pequenas e médias empresas e a construção de um novo papel para o SEBRAE. Surgido como um bureau de serviços na década de 70, o SEBRAE precisa mudar para continuar sendo útil ao Brasil. Precisa ser uma instituição voltada para a competitividade e o crescimento. Uma verdadeira agência, que se justifica não pelos números de CNPJ atendidos, mas por promover o protagonismo das pequenas e médias empresas com vocação de crescimento e inovação. E que incentive e assessore a elaboração e convergência de agendas locais que promovam a formalização, a melhoria do ambiente regulatório e o acesso à serviços empresariais e financeiros para as milhões de pequenas empresas de todo o país. Fazer aparentemente menos do ponto de vista operacional para realizar muito mais. Agendas separadas e complementares, onde o foco dos milhões é terceirizado, para que o SEBRAE, atuando num segundo nível, cumpra um papel chave para o futuro do país.

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