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Transformando a gestão pública brasileira e fortalecendo a democracia

Para afastar falsas lideranças...

Título em homenagem ao antológico samba "Para afastar a solidão", de Dona Ivone Lara e Délcio de Carvalho.

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Por Cézar Rogelio Vasquez é Engenheiro de Produção pela UFRJ , Mestrado em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ , MBA em Finanças pelo IBMEC/RJ. Pós Graduado no Master em Liderança e Gestão Pública ? MLG
Atualização:

 

Não sei se é uma questão particular. E talvez seja mesmo uma manifestação pessoal de depressão. Mas está difícil não se abater com o rumo que as coisas tomaram no Brasil. Sabe aquela impressão de que não estamos à altura dos desafios do país e de que estamos condenados ao fracasso? Rodando em círculo e nos agarrando a saídas fáceis, abraçando repetidamente lideranças populistas, negando os fatos e, principalmente, evitando encarar de frente nossos problemas?

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E isso tudo num ambiente de polarização e intolerância. Até entre os mais chegados a gente tem que ter cuidado para não fazer, ou sofrer, uma provocação. Outro dia, uma pessoa convidou uma amiga para um almoço com um casal de amigos seus, mas desconhecidos da amiga. Sabe o que quis saber a convidada? "- Eles são 'bolsonaristas'? Se forem, eu não vou! Obrigada!" Nada de cardápio, horário, bebida ou se alguma celebração era o motivo do encontro.

Casos não faltam. E mesmo entre pessoas acostumadas ao debate político, está ficando difícil estabelecer um diálogo produtivo. A palavra (irritante) da moda é a tal da narrativa. Como se até mesmo para questões pacificadas pela ciência, ou problemas com soluções técnicas disponíveis, houvesse uma pluralidade de alternativas adequadas. Se a pandemia escancarou uma onda de negacionismo e de fake news, a polarização política ajuda na criação de bodes expiatórios para os verdadeiros problemas nacionais.

E tudo acaba numa cacofonia de argumentos, que mistura problemas reais com soluções descabidas. A campanha contra o STF por parte de apoiadores radicais do Presidente da República é um bom exemplo. É difícil não se incomodar com o excesso de privilégios da Justiça. Ou aceitar que alguns magistrados se coloquem, ou se julguem, acima dos simples mortais. Ou assistir a excessiva politização de certas decisões da suprema corte. Há muita coisa errada na justiça brasileira, mas isso não é argumento que justifique fechar o STF e perseguir seus Ministros.

E neste ponto começa o verdadeiro desafio. Os nossos principais problemas são complexos. E para eles não há receitas prontas. As respostas dependem de saber técnico, de bom diagnóstico, mas dependem também de valores. Baixo crescimento, restrições fiscais, inflação, pobreza, alta desigualdade, ameaças ao meio ambiente, crise hídrica, violência, corrupção, preconceito. A lista pode crescer ou ser redesenhada segundo as preferências. E segundo nossos valores tendemos a priorizar certos aspectos, ou a ordenar de forma distinta as prioridades. 

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"Com valores diferentes, selecionamos a realidade em busca de informações diferentes e colocamos os fatos em um quadro diferente", segundo Ronald A. Heifetz no Livro "Leadership without easy answers".

E aqui começo a prestar uma homenagem ao CLP, em especial ao seu programa Master em Liderança e Gestão Pública, que tem como um de seus pilares o conceito de liderança adaptativa. No qual a liderança não significa fazer seguir a visão do líder, mas ajudar os liderados a enfrentar seus próprios e reais problemas.

Ao contrário de "mitos" infalíveis, de "salvadores da pátria" ou "falsos profetas", precisamos de lideranças capazes de inspirar a sociedade para somar na busca de soluções. 

Em primeiro lugar, ainda segundo Heifetz, porque a liderança não pode ser considerada uma atividade livre do julgamento de valores. Ou seja, não dá para colocar no mesmo saco Nelson Mandela e Pablo Escobar, e considerar que pelo fato de ambos exercerem influência e autoridade possam igualmente ser considerados líderes no sentido positivo que comumente o termo carrega. A liderança deve ser atribuída aos valores que professa e aos resultados aos quais sua atividade pode conduzir. Neste sentido, um líder político que conduz uma comunidade ao encontro do desastre em função de seus delírios e preconceitos, talvez não devesse ser considerado como tal. As consequências de Hitler para a Alemanha e para a Humanidade como um todo, por exemplo,  o desqualificam como uma verdadeira liderança. Independente da influência, do número de seguidores e poder que possa ter tido.

É preciso um outro olhar sobre as noções convencionais de liderança:

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  1. Ao invés de falar com autoridade e influência, é preferível pensar numa liderança que mobilize. E que desta forma, motive, organize, oriente e dê foco no enfrentamento de problemas reais.
  2. No lugar de pensar a liderança como uma posição de autoridade ou um conjunto de características pessoais, a liderança deve ser encarada como uma atividade. Como uma atividade, ela abarca tanto a atuação de um Presidente como a de uma liderança comunitária ou do executivo(a) de uma empresa, e ajuda a evitar o risco da pretensão de infalibilidade e fanatismo contida na noção de que existem líderes natos.
  3. Liderar significa mobilizar para objetivos úteis socialmente. Não se trata de fazer as pessoas fazerem aquilo que "eu quero que elas façam". Mas de gerar resultados a partir de objetivos que atendam às necessidades de líderes e liderados.

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Mas é aqui que mora a verdadeira questão. Como definir o que são objetivos socialmente úteis? Como dissemos anteriormente, nossos problemas são complexos. E a percepção que cada um de nós tem deles,  ou a forma como hierarquizamos prioridades e objetivos, dependem fortemente de nossos próprios valores.

Heifetz trabalha com o conceito de liderança adaptativa, segundo a qual "o trabalho adaptativo consiste na aprendizagem necessária para lidar com o conflito nos valores que as pessoas defendem, para diminuir a lacuna entre os valores que as pessoas defendem e a realidade que enfrentam". Em outras palavras, buscar um caminho para romper sobretudo com um tipo de liderança que exalta a oposição do "nós contra eles". Que por sua vez acaba inviabilizando a própria mudança de valores e mesmo a sua complementaridade.

Ter ojeriza  à existência de privilégios no setor público, por exemplo, não é incompatível com a crença de que o SUS é um avanço civilizatório importante da sociedade brasileira. Ser radicalmente contra a politização da justiça, não é contraditório com ser absolutamente intolerante com a corrupção que dominou a política brasileira.

O Brasil está precisando de outro tipo de liderança. Que saiba dialogar com os valores predominantes na sociedade, mas que não concilie com o atraso e aponte  para a necessidade de mudanças.  Que tenha como princípio a adição, sem que isso signifique tolerância. 

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E não só para que possamos voltar a conversar com mais tranquilidade.

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