Um ano mais tarde, John Kirlin, então Professor da Universidade da Carolina do Sul argumentou que a despeito do importante ponto levantado por Behn de que o campo de pesquisa em Administração Pública precisava de grandes questões norteadores, tais questões não podiam ser pensadas sem se considerar o ambiente social e político mais amplo, no qual se insere o Estado e o labor da gestão pública. Ao fazê-lo, Kirlin impôs uma premissa incisiva, isto é, os grandes desafios da Administração Pública só podem ser adequadamente equacionados se inseridos e intrinsecamente comprometidos com um valor maior, o valor da democracia.
Nesta perspectiva, Kirlin desenvolve quatro critérios norteadores. O primeiro deles é que a Administração Pública deve alcançar um governo e uma comunidade democrática. Em segundo lugar, o fazer gestão pública deve superar o âmbito organizacional e elevar-se ao âmbito da sociedade. O terceiro critério diz que a Administração Pública deve confrontar a complexidade dos instrumentos de ação coletiva e o quarto diz que deve encorajar um aprendizado social mais efetivo.
O trabalho do gestor público, alerta Kirlin, não se limita à simples performance da gestão de agências e órgãos, devendo preocupar-se com a finalidade última de sua ação. Em perspectiva semelhante, o Professor Ricardo Carneiro da Fundação João Pinheiro e a Professora Telma Menicucci da UFMG afirmam em texto elaborado para o IPEA que a Administração Pública não pode restringir-se a meios e instrumentos, uma vez que exige fundamentalmente a articulação de objetivos alternativos e a facilitação e moderação da expressão e implementação de interesses sociais.
Mas como articular, facilitar, moderar, implementar e decidir sobre interesses sociais alternativos? Diversas são as saídas encontradas ao longo das experiências históricas de Administração Pública. De maneira geral, no entanto, para atingir-se legitimidade na atuação pública, deve-se considerar ao menos três critérios: o critério legal, isto é, as decisões devem estar de acordo com o que ditam as leis; o critério gerencial, as decisões devem otimizar os resultados da forma mais "eficiente" possível; e o critério político, a saber, as decisões devem pautar-se pela construção coletiva e democrática, incorporadas todas as perspectivas.
As discussões eleitorais deste ano revelaram que a percepção geral da administração pública é de que esta vem falhando com os três critérios elencados acima. Em grandes rasgos, nossa administração pública viola os critérios legais com altos índices de corrupção, é ineficiente dada seu alto custo frente aos resultados produzidos, e não se comporta de maneira democrática, uma vez que tais resultados não refletem as demandas da população. O espírito de rechaço e de negação ao que está posto predominou no processo eleitoral, cuja notável ausência de debates nos permite saber pouco acerca de quais remédios o projeto eleito propõe para solucionar o quadro que vem se desenhando ao longo dos últimos anos. Seu histórico e suas manifestações, entretanto, habilitam-nos o retorno a Kirlin e sua premissa de que a administração pública não pode jamais dissociar-se da democracia.
Nesse marco, e no contexto que se anuncia, é fundamental que nos preocupemos com a governança, isto é, a estrutura de atuação e tomada de decisão pública construída a partir das instituições formais e informais no Brasil. Do gestor público, espera-se uma atuação a um só tempo: legal, eficiente e democrática. Para que este trabalho seja possível, é urgente rever nossos sistemas de decisão. Governo democrático, âmbito societal, complexidade da atuação coletiva e aprendizado social parecem boas balizas com as quais podemos medir os avanços ou retrocessos nesse campo.