Amartya Sen, Prêmio Nobel de economia em 1998 com seu trabalho em economia do bem-estar, nos mostra em um de seus focos de pesquisa, como os valores dos indivíduos podem ser considerados na tomada de decisão coletiva e que é este o papel que se espera de uma sociedade e do Estado: o papel de construtor de políticas públicas que possam prover condições para que esta sociedade possa ser um agente ativo de mudança, garantindo mesmos acessos e mesmas oportunidades a todos além de seus direitos reconhecidos.
O autor reforça a importância do sentimento de confiança, que se relaciona como sendo proporcional ao desenvolvimento econômico e social e como ponto fundamental em tempos de incerteza. Como preparar pessoas através da educação política para que compreendam minimamente o que lhes é proposto, mostrando que suas próprias escolhas é que irão moldar o desenvolvimento de um país melhor não para hoje, mas para um futuro próximo onde gerações serão impactadas. Como preparar cidadãos para o debate, para o mundo real, longe de assistencialismos, promovendo mais participação e cidadania com sentimento de pertencimento e principalmente de confiança.
Sen reforça que os problemas são recorrentes e persistentes em nossa sociedade e que, para o seu desenvolvimento, são necessárias ações de superação destas recorrências. Afirma ainda que eliminar as privações de liberdades reais, àquelas derivadas das oportunidades sociais, políticas e econômicas, são a chave para que a sociedade possa se transformar em agente ativo, protagonista de suas próprias escolhas e oportunidades para que possam construir suas próprias histórias, oportunizadas por meio de políticas públicas promovidas pelo Estado, a partir do que tem valor para si mesmo e do que o próprio indivíduo deseja aprender para se desenvolver.
Alguns aspectos da liderança perpassam entre os setores público e privado, mas a confiança pública é exclusiva do governo. Para o líder público, ser responsável por esta confiança deve ser vocação. Tempos difíceis e desafiadores demandam líderes com habilidades diferentes para que não só exerçam a Liderança Adaptativa mas que tragam na bagagem, além da experiência política, a capacidade de defender o interesse público para implementar programas eficazes oriundos não de interesses políticos, mas sim da escuta ativa de seu povo. O compromisso com o bem público deve prevalecer.
Segundo a Transparency International - um movimento global que trabalha em mais de 100 países para acabar com a injustiça da corrupção, a confiança entre os cidadãos e governo está baixa. O Índice de Percepção da Corrupção, principal indicador de corrupção do mundo, mostra que a percepção da corrupção no Brasil permanece muito ruim. A avaliação está em 38/100, onde 100 indica países muito íntegros e 0 os altamente corruptos. O país se encontra abaixo da média dos BRICS - países de economias emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (39), da média regional para a América Latina e Caribe (41) e mundial (43). Os países do G20 possuem média 54 e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) 64. O país se encontra na 94ª posição entre 180 países, atrás de países como Colômbia, Turquia e China.
Com a confiança abalada o país encontra dificuldades em progredir e inovar. O mundo geralmente reage ao nível de confiança que o governo transmite e, conforme o movimento Transparency Internacional mostra, o enfraquecimento da democracia prejudica o desenvolvimento econômico e agrava ainda mais a desigualdade, a pobreza, a divisão social e a crise ambiental, problemas recorrentes no Brasil.
Sendo a confiança a base do relacionamento e sendo ela voltada às expectativas de futuro, compreender as reais necessidades demandadas pela sociedade é a base para a formação da confiança no governo. Para isso, a transparência se torna o diferencial, onde a partir da disponibilização de informações claras e acessíveis - além da formação de uma consciência cívica - cidadãos podem utilizá-las para monitorar e restabelecer o relacionamento de confiança com o governo.
O país se sente órfão e busca urgência em seu desenvolvimento demandando cada dia mais responsabilidades, monitoramento e controle, resultado da prática da ética, transparência e integridade como princípios básicos, dentre as liberdades instrumentais cruciais interdependentes promovida por Sen: a garantia da transparência e a segurança protetora.
Recuperar a confiança requer habilidades diferenciadas. Requer trazer do modelo corporativo, a adaptação de boas práticas para o modelo público, gerando mudanças que agreguem valor e se traduzam e materializem em benefícios sociais, com menos morosidade e maior efetividade, características de ambientes inovadores e dinâmicos baseados na transparência e na confiança. Fazer a diferença por meio do serviço público é difícil de quantificar pois o conceito de valor se torna diferente para cada uma das partes interessadas. São personas com características e expectativas diferentes de acordo com a parte que ocupam na sociedade e que demandam do poder público ações e serviços específicos.
A Comissão Econômica para a América Latina e Caribe - CEPAL em 2018, aponta que a desigualdade já está incorporada à cultura e que há uma naturalização de que certos grupos desfrutem de bens e serviços que outros não acessam. Naturalizar o problema e incorporá-lo à cultura não pode ser aceitável.
Identificar lideranças dispostas a enfrentar estes desafios pode ser o início de um novo caminho. Identificar reais engajamentos em se promover uma nova cultura de governo baseada nestes princípios talvez resgate a confiança, principalmente pelo verdadeiro ato de exercer a escuta, compreender a real necessidade, ser transparente e responsivo à uma sociedade que urge pelo tão sonhado Desenvolvimento com Liberdade de Amartya Sen.