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Transformando a gestão pública brasileira e fortalecendo a democracia

O que seria de nós sem a Arte na Pandemia?

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Por Karla Santa Cruz Coelho é médica , líder CLP pelo Centro de Liderança Pública (CLP) , professora da UFRJ , ex-Diretora da ANS. Rodrigo Scofield é músico e educador. Renato Alves é Coordenador de Relaçõ
Atualização:

Imaginem a pandemia sem arte, sem um bom filme, um livro instigante, uma música que nos emocione, como ficaria tudo mais pesado. De alguma forma essa tragédia humanitária que assolou o mundo, nos alertou para dois pontos fundamentais das nossas vidas que são imprescindíveis para uma plena existência e até para continuarmos existindo nesse planeta, são eles: a importância da cultura em todas as formas, e como devemos preservar a natureza e cuidar do meio ambiente.

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No primeiro ponto, o da questão cultural, devemos pensar sob a perspectiva cultural embasada no olhar firme e atento do grande educador Paulo Freire, que nos ensinou que cultura não é só uma política de estado, ou escolhas exclusivamente subjetivas artísticas ou até estéticas, mas sim como se vive, o que se come, o que vestimos, até a nossa maneira de ver o mundo.

A arte pode e deve acender diversos anseios da sociedade. Como, nesse isolamento apocalíptico que vivemos atualmente, poderíamos viver sem reflexões e provocações polêmicas que nos façam romper barreiras pessoais - e culturais - para elevar o espírito individual e em grupo? Como emergir críticas comportamentais e questionar valores - próprios e dos outros, sem a releitura cultural que poucos trazem como qualquer uma das artes?

Decodificar a arte é aceitar, orgulhosamente, que o prazer estético pode retratar a fragilidade humana. E dessa fraqueza, teórica, que se reconstrói a força para sobreviver nas loucuras dos tempos modernos, que, infelizmente, não é a sétima arte de Charles Chaplin. A sociedade se expressa por meio da arte desde os primórdios e a arte é a configuração que o homem encontra para conceber o seu meio social. Se a arte é uma forma da sociedade expressar suas emoções, sua história e sua cultura através de alguns valores como beleza, harmonia, equilíbrio, nossa função como sociedade, talvez, seja indagar o que é ser belo, harmônico e equilibrado. Para após essa reflexão cultural, viver, adequadamente num novo mundo isolado ou em sociedade. As artes nos forçam a indagações éticas que nos obrigam, a evoluir individualmente. Ter arte num momento desse é manter a esperança na sociedade em momentos nebulosos e frios.

Discordamos de Sócrates que pensava: "É inútil tentar fazer um homem abandonar pelo raciocínio coisa que não adquiriu pela razão". É a emoção e sentimento - das artes - que nos salvará como sociedade.

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Partindo desse pressuposto, neste momento de nossas vidas que estamos tendo que necessariamente nos isolar, onde acabamos tendo mais tempo para refletirmos sobre nossas escolhas pessoais e profissionais, nos deparamos com o dilema de irmos contra a nossa própria natureza que é a de viver coletivamente.

Afinal a raça humana se consolidou vitoriosa como espécie exatamente por ter a capacidade de sobrevivência organizada em grupos heterogêneos e de ajuda solidária. Percebemos então como com o isolamento tudo ficou mais difícil, e como as formas artísticas foram uma ótima companhia nesse período, e por incrível que pareça uma descoberta para muitos, pois puderam ter calma na pesquisa.

Como diria o filósofo alemão Nietzsche: "Sem música, a vida seria um erro". Daí a necessidade primordial de mergulhar fundo no primeiro ponto porque o segundo ponto nos traz um dado crucial, não estamos cuidando do nosso planeta, como aponta o filósofo indígena Ailton Krenak, se não cuidarmos do nosso planeta, nós que fomos os últimos a chegar para usufruir dos rios, praias e florestas, seremos os primeiros a sair dizimados por nossa própria arrogância e estupidez não entendendo o conceito ancestral nativo pindorâmico que somos um (ubuntu), mas parte de um todo numa relação de interdependência que deve ser natural de compreensão e interação e não de exploração entre a fauna, flora e nós.

É simbólico observarmos empiricamente que o vírus Covid-19 na maioria dos casos ataca principalmente as vias respiratórias, nos impedindo de respirar normalmente, enquanto que a natureza livre da nossa ação pois estamos isolados em nossas casas, exerce sua plena existência exuberante com a volta das onças pardas à mata atlântica, a transparência do canal de Veneza, os macacos nos jardins de Botafogo, para citar alguns dos fenômenos incríveis observados nesta pandemia.

Em suma a lição que está dada é que para natureza respirar, os homens vão acabar deixando de respirar. Sendo assim, mesmo com toda a tristeza desse momento, temos agora a oportunidade de refletir como a nossa vida pode ser mais simples e repleta de encantamentos cotidianos na observação das pequenas coisas, o desabrochar de uma flor ou na cadência de uma batucada de escola de samba, em detrimento do embrutecimento provocado pela superficialidade das comunicações exclusivamente digitalizadas e monossilábicas isoladas travestidas de avatares cibernéticos deprimidos e vazios.

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Arte é natureza, e natureza é vida, e vida é potência, que extrapola a individualidade e contagia a humanidade coletivamente. Acredito que estaremos após tudo isso completamente transformados para melhor, compreendendo que para estarmos bem, todos estarão bem, a felicidade só será alcançada quando não pensarmos mais hierarquicamente entre as pessoas e países e sim igualitariamente todos os seres vivos como irmãos no planeta, recheados de arte por todos os poros e ativados interiormente pelos espíritos da floresta que potencializam a natureza do ser livre.

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